Inflação, que parece só número difícil de ler, aumentou fila à espera de doações
Com aumento no preço de alimentos, é preciso trabalhar 5 dias para comprar cesta básica
O INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que mede a inflação para famílias com renda de até cinco salários mínimos, mostra que desde janeiro o acumulado é de 5,89% em Campo Grande, e de 12,2% em doze meses, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O índice indica que este ano ficaram mais caros artigos de residência (7,29%), saúde (7,19%) e alimentação (7,19%).
Na prática, o que os números significam é que com o aumento do preço nos gastos fixos da população, a alimentação ficou comprometida e a fila do assistencialismo cresceu.
Há dois anos a professora Ledislene Barbosa de Castro, 53 anos, fez do muro de casa, no Bairro Coronel Antonino, um espaço para dar suporte a quem precisasse de vestuário, por meio de um varal solidário com roupas usadas, denominado Caravana do Bem. Meses depois o projeto ganhou reforço com a chegada da Geladeira Solidária, incorporando distribuição de refeições a pessoas carentes.
No local, todos os dias são servidos café da manhã e marmitas com almoço e janta, preparadas por cerca de 60 voluntários. Para quem chega no horário, às 11h, o almoço é garantido, no entanto, a constância na distribuição para todos nem sempre ocorre.
“A procura é grande, tem dia que a fila é grande e não conseguimos atender a todos. Muita gente nova chegou e o movimento cresce quando chega o final do mês porque acabou o auxílio, acabou o gás, acabou o dinheiro da família inteira”, disse a voluntária.
A Igreja Adventista de Mato Grosso do Sul também possui grupos que distribuem marmitas em diversos pontos da Capital. Um dos líderes da sede que fica no Bairro Universitário, Ton Jean Ramalho Ferreira, 46 anos, é voluntário há mais de 20 anos e relata que a procura começou a crescer desde a pandemia da covid-19, em 2020.
“Desde a época da pandemia para cá, aumentou significativamente. Muitas pessoas perderam o emprego e ficaram sem moradia, automaticamente sem alimentação, sem roupa, sem assistência”, apontou.
Antes do coronavírus, a igreja distribuía de 20 a 50 marmitas em cada missão. Agora, são necessárias pelo menos 100.
“A gente vê como o desemprego aumentou. Aumentaram as pessoas que vivem da reciclagem, aumentaram os pedidos por comida roupa, que não têm onde morar. É uma situação de miséria mesmo, que muitas vezes não é comentada como deveria. Diante das outras capitais do Brasil, Campo Grande pode ser melhor, mas mesmo assim tem um índice grande de pessoas que têm muita dificuldade de se alimentar, principalmente crianças”, lamentou.
De acordo com a pesquisa nacional de cesta básica de alimentos, divulgada ontem (5) pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a cesta básica vendida em Campo Grande aumentou 0,62% em julho, passando a custar R$ 707 ao consumidor.
Com isso, 63,06%, ou seja, mais da metade do salário mínimo, que é de R$ 1.212, passa a ficar comprometida somente com a compra de alimentos. Para conseguir comprar, é necessário trabalhar 128h20min por mês, o que equivale a 16 dias. Já para a aquisição da cesta básica para sustentar uma família de quatro pessoas, o valor sobe para R$ 2.121.
O aposentado Eduardo dos Santos, 68 anos, chegou cedo e almoçava no momento que a reportagem do Campo Grande News visitou a Geladeira Solidária. Ele tem uma renda de R$ 1,2 mil e reside na própria casa. Para ele, a dificuldade é menor e por isso faz uso esporádico do projeto, mas mesmo assim “ajuda muito a reduzir os custos com alimentação”.
“Não tem dia e nem horário certo, às vezes venho no café da manhã, mas costumo pegar mais o almoço. A comida é muito boa”, exclama.
Na quarta-feira (3), um cartaz fixado na porta da geladeira avisava que teria a janta. Neste dia, a reportagem também presenciou, pelo menos, quatro pessoas que foram embora sem a refeição.
Antônio Cláudio de Menezes, 52 anos, que está desempregado desde janeiro, pega o café da manhã e às vezes, a janta. Este ano não conseguiu trabalho, recebe apenas R$ 400 do Auxílio Brasil. Renda que em sua maioria vai para pagar o aluguel do quarto que aluga no Monte Castelo, por R$ 370.
"Este ano não trabalhei, tenho feito bicos como servente de pedreiro. Pego almoço aqui enquanto não arrumo um emprego fixo. Trabalhava registrado como ajudante geral, ganhava um salário mínimo, R$1,2 mil, era uma garantia de rendimento”, apontou.
A voluntária Claudia Garcia Martins, que acompanhava a retirada das marmitas, explicou que contribui mensalmente com 32 marmitas e faz um chamamento para desejar colaborar.
Ela detalha que para fazer, em média, 30 marmitas são necessários 3 kg de arroz; 1,5 kg de feijão; 2kg a 3kg de carne; além de legumes diversos como complementos.
"As doações deram uma reduzida, mas ainda chega. Fazemos eventos e vamos conseguindo recursos para não parar. É difícil, mas no final dá tudo certo. Na verdade, faltam bastante voluntários para cozinhar".
A Igreja Adventista também aceita doações para continuar com as distrubuições. Interessados, podem levar os alimentos na Rua Líbero Badaró, nº 235; ou Rua Armando de Oliveira, nº 135.