Rafael deixou clínica de Psicologia para se dedicar à produção de leite
Crise na área urbana impulsionou decisão de psicólogo de investir no campo
O campo mora em Rafael Couto Coutinho desde sua infância. Nele também residem, sem nenhuma contradição nisso, um psicológico, um estudioso, um apaixonado por literatura, um leitor de Nietzsche, Baudelaire, Fernando Pessoa e outros autores. É com essa matéria-prima toda que ele está lapidando a si mesmo e dando forma a um homem do campo, a um empresário rural.
Rafael, psicológico de formação e estudioso de Psicoterapia Existencial, é exemplo de profissional urbano que viu no campo oportunidade de driblar as intempéries da economia.
Atualmente, o psicólogo está à frente da gestão do sítio da família, uma pequena propriedade de 7,5 hectares no município de Vicentina, a 248 quilômetros de Campo Grande. Antes, ele tentou abrir, em sociedade, uma clínica, mas foi vencido pela alta carga tributária e custos gerais do negócio, problemas agravados pela retração da economia.
Mesmo durante a tentativa de crescer na cidade e na área em que se formou, Rafael já se aproximava da atividade rural, especificamente da produção de leite. “Eu já vinha ajudando meu pai a cuidar da ‘linha de leite’. Então, quando a crise econômica explodiu no Brasil, decidi investir todos os meus esforços para transformar o sítio em empresa rural”, lembra-se.
Preparação – A decisão de empreender no sítio exigiu de Rafael investimento em qualificação. “Fiz, primeiramente, parte do projeto Leite Forte, da Agraer [Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural] de Vicentina. Ali comecei a tomar conhecimento do desafio que seria projetar a estruturação de uma pequena propriedade e geri-la de forma profissional, como empresa de fato”, conta.
Rafael participou de diversos cursos, palestras e dias de campo, organizados pela Agraer. “Foi uma época muito importante na minha formação como pecuarista de leite. Foi quando percebi que o agronegócio era muito mais interessante do que qualquer outra atividade urbana existente nessa região do Brasil”, lembra-se.
Ele também conta com a assistência do Senar/MS (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural em Mato Grosso do Sul), que desenvolve projeto com produtores de leite de Vicentina. “Costumo dizer que o Senar foi minha 'universidade rural de curto prazo', por me proporcionar o aprimoramento dos conhecimentos sobre cada um dos pilares que sustentam a produção de alimentos para bovinos e a administração de um negócio no campo”, afirma.
Rafael enumera diferentes aprendizagens possibilitadas pelos cursos. “Variedades de capins, a maneira correta de administrar a empresa rural, inseminação de vacas leiteiras, sistema de piqueteamento idealizado pelo francês André Voisin, etc.”, lista. “Sem esse suporte muito provavelmente estaria hoje lutando por um emprego no mercado de trabalho urbano”, reconhece.
Crescimento – “Meu principal projeto agora é chegar a uma produção diária de 300 litros de leite”, revela. Para isso, Rafael está implantando Capim Vaquero em mais 1,5 hectares de área, já irrigada, para o pastejo das vacas lactantes. “Também reformaremos 0,5 hectare com Tifton-85, que será reservado para o consumo dos bezerros até um ano e meio”, acrescenta.
O produtor planeja, ainda, adotar novo tipo de Capim Elefante, chamado Capiaçu e desenvolvido pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). “Isso se encaixa muito bem no nosso projeto”, avalia.
Rafael também projeta economizar com práticas sustentáveis. “A ideia é comprar o mínimo possível da energia elétrica do governo. Buscaremos na energia solar uma alternativa para solucionar essa dependência”, planeja.
No campo sempre – O psicólogo Rafael não quer deixar de ser pecuarista. E o pecuarista Rafael não quer abandonar a psicologia. “A Psicoterapia Existencial é uma paixão pessoal. Quando estiver numa situação financeira melhor, intenciono voltar a atender e, com isso, conciliar o trabalho de psicólogo com o de pecuarista, minha outra paixão”, conta.
Além de paixão, o campo é parte integrante da essência de Rafael. Quando criança, gostava de passar horas brincando no sítio. Durante sua formação, a propriedade funcionou como espécie de sala de estudo.
“Sempre fui apaixonado pelo clima rural. Nas férias da faculdade, passava muitos dias no sítio lendo Oscar Wilde, Nietzsche, Baudelaire, Álvares de Azevedo, Fernando Pessoa e Marques de Sade, e escrevendo poesias”, rememora o psicólogo-pecuarista, em uma palavra, Rafael.
Abaixo, estão breves definições de termos técnicos mencionados por Rafael Coutinho:
Capim vaquero (Cynodon dactylon) – De acordo com a Suprareal Sementes, empresa que comercializa sementes e insumos para a agricultura, o “capim vaquero é uma forrageira muito versátil, uma vez que pode ser utilizada na alimentação de todos os animais herbívoros e onívoros”. Conforme a Embrapa, o capim vaquero se destaca pela alta desidratação, sendo recomendado para produção de feno.
Capim Elefante – Segundo a Embrapa, é uma espécie de alta produtividade, usada principalmente em pequenas áreas, denominadas capineiras, de onde é cortada e oferecida aos animais no cocho, mas também pode ser utilizada em pastejo. É multiplicada por mudas.
Sistema de piqueteamento de André Voisin – Conforme o site sistemavoisin.com.br, é um sistema intensivo de manejo do gado e da pastagem, proposto pelo cientista, pesquisador e produtor rural André Voisin. É uma tecnologia considerada ecológica. O animal permanece poucos dias no mesmo piquete para que não coma o rebrote das forrageiras. Assim, o rebanho terá sempre alimentação de boa qualidade e aumentará seu desempenho.
Tifton 85 – Gramínea com grande massa folhear, rizomas grossos, que são caules subterrâneos que mantém as reservas de carboidratos e nutrientes, proporcionando resistência a secas, geadas, fogos e pastejos intensivos, de acordo com o site tifton-85.com.br. O Tifton-85 foi desenvolvido nos Estados Unidos e introduzido no Brasil em 1993.