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Esportes

De bicicleta e muito bem vivo, rumo a Santa Cruz de la Sierra

Paulo Nonato de Souza | 30/01/2015 17:16
Donisete Florentino e Aparecido Bizarro na entrada de Corumbá (Foto: Arquivo pessoal)
Donisete Florentino e Aparecido Bizarro na entrada de Corumbá (Foto: Arquivo pessoal)

Nem todo mundo prefere viajar de forma convencional, de carro, ônibus ou de avião. É o caso dos paulistas Aparecido Bizarro, um militar da reserva, de 58 anos, e Donisete Florentino, engenheiro eletricista, de 48 anos, que em exatos 9 dias percorreram 1.228,1 Km de bicicleta entre Campo Grande e Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.

Em pleno janeiro, os dois amigos de Presidente Epitácio, cidade paulista que faz divisa com Mato Grosso do Sul, escolheram Campo Grande como ponto de partida da grande aventura, batizada por eles de “Desafio Brasil-Bolívia 2015”, até a principal cidade boliviana, com direito a atravessar o Pantanal sobre duas rodas, ou melhor, sobre quatro rodas.

“A ideia da nossa viagem surgiu da vontade de conhecer outros lugares, outras pessoas e mapear locais turísticos, as belezas naturais e as dificuldades que os turistas possam encontrar pelo caminho. Voltamos com muitas histórias para contar”, disse Aparecido Bizarro.

Logo no primeiro dia a dupla rodou 141,8 Km, de Campo Grande a Anastácio. “Ainda bem que era só o início e a gente estava cheio de gás, porque foi difícil. Pegamos muita subida sob sol e calor intenso”, contou Aparecido.

A viagem foi toda planejada, inclusive com programação dos pontos de paradas. Levaram duas barracas, mas não chegaram a fazer uso delas. Preferiram dormir em pousadas e hotéis. Assim, no segundo dia, ainda sob o entusiasmo da fase inicial da aventura, a missão dos dois era pedalar 70 km e chegar até Miranda. Então, saíram logo cedo e chegaram ao destino ainda na hora do almoço.

Descansaram o resto do dia e partiram para o terceiro dia de aventura, que seria um dos percursos mais longos em território sul-mato-grossense, não sem antes conhecer o encontro das águas dos rios Miranda e Salobra, na ponte do vilarejo Salobra, no Km 560 da BR-262, a 15 km da cidade de Miranda, um dos pontos turísticos da região.

NO BAR DA DONA MARIA DO JACARÉ - De volta à estrada, eles pedalaram 148 km desde Miranda até a ponte do rio Paraguai. “Foi muito cansativo, mas valeu a pena. Chegamos mortos de fome e almoçamos no bar da Dona Maria do Jacaré. O lugar é bem simples, mas a comida é de boa qualidade, feita em fogão a lenha. Pagamos R$ 10 por pessoa e ainda nos divertimos vendo a Dona Maria chamar os jacarés pelos nomes ao som de um berrante. Todos os jacarés tem nome de jogador de futebol”, diz o diário da dupla de aventureiros.

Já em Corumbá, na divisa com a Bolívia, depois de 428 km desde Campo Grande, Aparecido Bizarro conta que os dois chegaram tão cansados que não resistiram a um bom descanso sob a sobra das árvores da praça central da cidade.

De acordo com o relato dos dois aventureiros, entrar na Bolívia não foi tarefa fácil. “Por ser mês de janeiro, época de férias, pegamos longa fila no posto de imigração. Ficamos das 7 horas às 13h30 para conseguir o permiso, uma espécie de visto de entrada. Depois, fomos até Arroyo Concepción e fizemos a troca de moeda de Real para Bolivianos. Saímos de Arroyo Concepción por volta das 16 horas com destino a El Carmen Rivero Torres. Percorremos 113,6 Km sob calor intenso, mas por sorte tínhamos o vento a nosso favor”, diz o diário.

Segundo Bizarro, já era noite quando chegaram em Carmen Rivero Torres. “Lá é tranquilo encontrar alojamentos, como eles chamam as pousadas, com preços razoáveis ao preço de 130 Bolivianos, cerca de R$ 52 para duas pessoas. Mas vai um alerta: Não tem toalha e papel higiênico nem café da manhã”.

A alimentação na sequência da viagem foi a base de barras de cereais, rapadura, seriguela e achachiru, frutos adocicados típicos da região. Saíram às 5h30 com destino a Águas Calientes.

No caminho, observaram o quanto a Bolívia ainda está atrasada. Pararam em frente a uma empresa beneficiadora de eucaliptos, onde havia uma obra de ampliação de energia em que os postes eram alavancados com uso de tripé e polia e não por caminhão munck, um equipamento com sistema hidráulico comum na construção civil no Brasil. “Notamos também que os trabalhadores da obra mascavam folha de coca o tempo todo. Isso é normal lá na Bolívia, mas em todo o trajeto entre as cidades não encontramos pessoas bêbadas ou drogadas”.

RODOVIA CIMENTADA NA BOLÍVIA - Depois de Águas Calientes, uma parada não muito agradável, em função da pobreza do lugar, conforme diz o diário de viagem, os dois foram para Roboré, uma cidade de pouco mais de 10 mil habitantes, distante 445 km de Santa Cruz de la Sierra, capital do Departamento de Santa Cruz. “Roboré é uma cidade hospitaleira com vários hotéis e uma linda praça”, garante Aparecido.

Descansados, depois de uma boa parada em Roboré, eles já estavam novamente na estrada rumo a San Jose de Chiquitos. No diário de viagem, Aparecido deixa claro que não se trata de uma estrada qualquer. “Simplesmente uma rodovia de beleza exuberante, construída basicamente em concreto de boa qualidade. É perfeita. Nela não se vê nenhum buraco, nenhuma saliência, um sonho para qualquer brasileiro”.

Antes de San Jose de Chiquitos, os dois fizeram uma parada estratégica em Chochis, uma cidade definida no diário como “pacata” com cerca de 1.100 habitantes. Era 8h30 da manhã e a intenção era seguir em frente, mas não suportaram mais a fome e tiveram que parar, porém, não encontraram nenhum lugar para comer. Para não ter que continuar a viagem com fome, eles deram um “jeitinho” num restaurante. Compraram os ingredientes e a proprietária preparou um café da manhã reforçado.

Satisfeitos, Aparecido e Donisete pedalaram até a entrada para a província de Las Taperas. Lá, fizeram uma nova parada, e, desta vez o problema não era fome, mas sede. Nos deliciamos com uma jarra bem gelada de suco de limão por 14 Bolivianos (R$ 5,40). E aí vale a observação de que na Bolívia dificilmente a gente encontra refrigerante em lata ou garra. Eles consomem mais sucos de frotas in natura”.

Chegaram em San Jose de Chiquitos por volta de 15 horas. Depois de percorrer um total de 152,4 km, só havia cabeça para pensar em um lugar para dormir e descansar para a jornada no dia seguinte. Mesmo assim, tiveram energia para visitar uma igreja construída pelos jesuítas em 1748. “A igreja ainda está em bom estado de conservação”, relata o diário.

Depois de San Jose de Chiquitos, já no oitavo dia de viagem, eles viveram um momento cívico numa cidade chamada Quimome. “Era o dia da posse do presidente da Bolívia para um novo mandato e vimos que lá eles veneram o Evo Morales. Nos lugares que fomos para comprar água e comida estava todo mundo na frente da televisão assistindo ao evento, ninguém dava atenção aos clientes”.

Foi um alívio quando chegaram a Tres Cruces, já por volta de 19h30. Afinal, era o penúltimo dia da aventura. Hora de começar a pensar na volta para casa, mas ainda em tempo para alguns experimentos da culinária boliviana.

“No último dia da viagem, já na saída de Tres Cruces paramos para um café da manhã a base de tortilhas, tipo de empanada recheada de carne de frango, além de um chá de camomila, vendido por uma senhora a beira da estrada. Em nossa primeira parada para descanso, já em Pailon, provamos um caldo com charque, espécie de caldo de mocotó com batatas, muito bom. Paramos também em Cotoca, local de peregrinação na província de Andrés Ibañez, tomamos refresco de tamarindo batido em liquidificador movido a manivela”.

A chegada em Santa Cruz de la Sierra foi um misto de alívia e felicidade pela missão cumprida. “Fomos recebidos por Cesar Ribeiro Jimenes, filho de Jesus Ribeiro, um ex-jogador do Club Deportivo Oriente Petroleiro (tradicional clube de futebol da Bolívia). Santa Cruz de La Sierra é uma cidade formada por vários rodoanéis e o trânsito beira o caos, com carros parados em filas triplas e buzinando o tempo inteiro, mas que respeitam bastante os ciclistas”, diz Bizarro no relato da viagem.

MUITO BICHO MORTO ENTRE CAMPO GRANDE E CORUMBÁ - Em entrevista ao Campo Grande News, Aparecido Bizarro disse que as únicas lembranças negativas da viagem são os bichos mortos por atropelamentos no trecho da BR-262 entre Campo Grande e Corumbá.

“É flagrante que a velocidade dos motoristas não condiz com o que diz as placas. E por conta disso perdemos a conta de tantos bichos mortos na estrada. Todo tipo de bicho, jacarés, cobras, tamanduás, capivaras e até tucanos. Colocaram redutores de velocidade, mas assim que o motorist passa pelos equipamentos o pau quebra e aí sobra para os animais”, lamentou.

Segundo ele, do lado boliviano o que se viu foi respeito às leis de trânsito nas estradas. “Lá rodamos por estradas em melhores condições do que no Brasil, pistas cimentadas, sem buracos, e não vimos nenhum bicho morto por atropelamento”, disse ele.

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