Casa modernista da década de 50 resiste ao tempo, igual seus donos centenários
Faltando 30 dias para completar 102 anos, dona Zulmira foi a última moradora a se despedir da casa na Rua 13 de Maio. Centenária assim como o marido, Jovenísio Faustino Silvério, que viveu até os 102. Em pleno Centro da cidade, o imóvel é o único da quadra entre a Barão do Rio Branco e a Afonso Pena resistente ao tempo.
Construída por Hélio Baís, neto de Bernardo Franco Baís, a fachada tem ares modernos, próprio do estilo do engenheiro civil com grande habilidade em projetar edifícios. Nos anos 50, a preferência de Hélio era pela arquitetura moderna e a amizade para com a família Silvério que o fez ser o construtor da obra.
"Foi por conhecimento. Eles eram amigos, naquela época aqui todo mundo se conhecia", conta o filho caçula dos centenários, Harley Silvério, de 71 anos. De moderno ele descreve que é só a fachada, porque a casa em si já existia e apenas fora reformada. "É tudo estrutura antiga, ali é só fachada", frisa.
O casal foi morar na casa com a idade já avançada, mesmo tendo o terreno desde 1944. "Ali quando eu nasci, já tinha o terreno e uma casa pequenininha, como eles não paravam aqui, ficavam mais na fazenda, em 58 que fizeram uma reforma e essa outra casa", narra Harley. O caçula de três filhos morou por pouco tempo no imóvel assinado por Hélio Baís e, em seguida foi para São Paulo estudar.
Zulmira era conhecida como "dona Note" e por ser uma mulher forte, digna do título "à frente de seu tempo". Fazendeira de nascença, Zulmira nasceu na propriedade Serra Negra, às margens do Ribeirão Serrote, onde hoje é Sidrolândia.
Amigo próximo da família, João Augusto Lopes, autor do Livro Recordar é Viver, escreveu em artigo publicado no Correio do Estado, que Zulmira fora, em 1932, uma das primeiras mulheres a tirar o título de eleitor, depois que o então presidente Vargas decretou que as mulheres teriam direito a votar e que também era exímia atiradora. Com sua espingarda calibre 32, fez tombar predadores que tentavam devorar suas ninhadas.
O apelido Note já veio na cidade, quando Zulmira foi morar com a madrinha, as notinhas das compras na mercearia lhe renderam tal apelido. "Dona Note... Essa é uma história muito peculiar. Ela ficou muito tempo com a madrinha dela, morando na Afonso Pena e essa tia dava o dinheiro para ela ir fazer as compras. Ela ia, comprava e pegava as anotações do que gastou. Chegava dizendo: 'aqui está a notinha'. E de notinha em notinha, passou a ser dona Note", relata o filho.
Vizinhos de fazenda, foi assim que Zulmira conheceu Jovenísio. Na terra, ela mexia com horta e plantas. "Nós todos fomos criados assim, na zona rural, todo mundo pegou no pesado desde pequeno", contextualiza Harley.
Arquitetura - De terreno, são 600m² e ao fundo de um grande jardim que a casa foi erguida. De área construída, são 265,88m² divididos em dois pavimentos. No térreo ficam hall, sala, um banheiro social, cozinha, varanda e mais um quarto de empregada. No superior, outro hall, três quartos e um banheiro.
E por representar a arquitetura moderna dos anos 50 na Capital é que o imóvel foi listado, em 2010, como um dos bens passíveis de tombamento, pela Lei Complementar n° 161, de 20 de julho de 2010.
Por dentro, o Lado B não pode entrar, mas há detalhes que revelam os revestimentos da época, ladrilho hidráulico e azulejos azuis presentes na cozinha e nos fundos. Dona Zulmira morreu em março de 2013, com 101 anos e 335 dias, deixou três filhos, oito netos e ao menos dois bisnetos.
No mesmo ano, os herdeiros entraram na Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) com o pedido de demolição, que foi encaminhado ao Planurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano) e teve até parecer da Fundac (Fundação Municipal de Cultura). O pedido foi negado, porque a casa á estava na lista de imóveis que não podiam ser demolidos.
Sem a devida manutenção durante os anos, seu Harley diz ainda que a casa corre o risco de desabar. "É uma casa com cobertura de eternite. Como isso vai ser patrimônio histórico?" questiona o filho.
"O desejo dele, do meu pai, era que quando não existisse mais ele e minha mãe, era para vender a casa e construir um prédio com o nome dele. Era isso que ele planejava", encerra o filho.
*Essa reportagem veio de sugestão do arquiteto e professor Elvio Garabini e contou com o apoio do arquiteto da Divisão de Planejamento para Proteção de Patrimônio do Planurb (Instituto Municipal De Planejamento Urbano), Fernando Batiston e do arquiteto Ângelo Arruda, autor do livro "Pioneiros da Arquitetura e da Construção em Campo Grande".