Casa que já fez fama com as crianças hoje é negra, mas ainda cheia de histórias
A casa do meio da quadra da Rua Roberto Perez Rodrigues chama atenção e não é de hoje. Do colorido do verde e vermelho para um curioso preto. A construção é do final da década de 90 e data a despedida do dono dos amigos de Campo Grande. Erguida em cima de uma temática, a natalina e, sem pretensão, o imóvel ganhou público e fama por anos.
Foram duas edições da Casa do Papai Noel. Na primeira delas, ninguém, nem mesmo o dono, pensava que fosse mexer tanto com o imaginário da população. O arquiteto Luis Pedro Scalise tinha mudança marcada para os Estados Unidos. A construção da casa, de três andares, em estilo germânico, foi a forma encontrada por ele para se despedir dos amigos e familiares.
“Eu não ia conseguir dar tchau para todos, então pensei vou fazer uma casa para falar quem quiser, vem se despedir de mim aqui. Eu fiz a fachada de Natal e além dos amigos que vieram se despedir, veio um monte de gente”, recorda Scalise.
Os correios passaram a deixar pilhas de cartas que eram endereçadas a “Casa do Papai Noel”, diante da fama e do título que o imóvel ganhou, o arquiteto conta que estruturou uma equipe, composta pela ajuda da irmã, psicóloga Lara Scalise e demais profissionais amigas, para que pudessem responder, a próprio punho, cada uma das cartas.
Foram 45 mil no primeiro ano. Com chocolates enviados pela Lacta, as cartas eram respondidas e entregues no prazo de uma semana com bombons ao redor dos envelopes. Dos pedidos, vinham os mais sinceros e também emotivos. Numa corrente pelo bem, Scalise que morava na casa, contava aos amigos que passavam para se despedir dele, o conteúdo de algumas delas. Destes mesmos amigos saíram cirurgias, cadeiras de rodas e até passagens aéreas para atender aos pedidos.
“Fiz ela no estilo germânico, era para eu morar e gosto muito desse estilo, de telhados caídos, próprio para local de neve pra não acumular no telhado. Bem típico do que eu gosto e tinha a ver com essa cara de casinha de Natal”, descreve Luis Pedro.
À época em que só a fachada era decorada, ele nem viu a casa ser desmontada, porque embarcou dia 4 janeiro. Cinco anos depois, numa visita à casa da mãe, já de volta a Campo Grande, o celular toca. Era alguém querendo falar com o Papai Noel.
De início, Scalise respondeu que o número era errado e que Papai Noel não existia, mas do outro lado da linha, a voz de menina adolescente repetiu o que ele, anos atrás, havia dito a uma garotinha.
“Da primeira vez eu gostava de ler as cartas difíceis, sabe? Uma vez peguei de uma criança, escrita num papel de carta amarelo com listras azuis e ela dizia que não queria mais presente na vida, ela só queria que o pai voltasse a viver em casa, felizes como sempre foram”, recorda o arquiteto. A menina dizia ter 11 anos e assinou o pedido apenas com uma inicial.
Dias depois, o mesmo papel chegou, era a letrinha da primeira carta, dizendo que os irmãos já tinham ganhado a resposta numa carta cheia de bombons e que ela também queria. Com base no endereço, Luis Pedro encontrou o telefone, ligou e disse ser Papai Noel, falando que ele não poderia ajudar, mas papai do céu sim e que ela deveria rezar.
“Quando ela ligou, cinco, seis anos depois, me perguntou se eu não era o arquiteto que tinha emprestado a casa para o Papai Noel e disse que ela havia rezado e o pai tinha voltado para a casa. Por causa dessa carta eu fiz de novo, a casa aconteceu, mas aí fiz para entrar e conhecer por dentro”, descreve.
O ano de 2005 levou, segundo Scalise, mais de 148 mil visitas à Casa do Papai Noel. O bom velhinho chegou a receber 180 mil cartas.
Por dentro, a Casa do Papai Noel tinha 48 cômodos, de lavabo, cozinha, sala de jantar, lavanderia, até quarto do Papai Noel e closet, além de um cinema no último piso que a cada meia hora passava um filme infantil.
Todo colorido daquela magia do Natal ainda existe, só que por dentro. Hoje na casa funciona o escritório de Arquitetura, Cenografia e Design de Luis Pedro Scalise e até início de abril, o térreo será destinado à “The House”, loja e galeria que vão vender peças assinadas por Scalise ou do seu acervo de viagens.
“E vindo à loja e comprando qualquer tipo de mercadoria, o cliente ganha um chá. O chá é ganho e cada dia será um diferente. Vamos trabalhar com temporadas, começando no Outono”, explica.
Até as peças do chá estarão à venda. Luis Pedro assina coleções em 14 fábricas e parte destes produtos estarão disponíveis para compra.
Sobre a cor da fachada, ele brinca que precisava que fosse algo que chamasse atenção. “Ela era verde e vermelha como Casa do Papai Noel. Por que pintar? Primeiro porque tinha que se destacar, de alguma forma, desse visual da cidade e o preto é a isenção de todas as cores. Lá fora é assim, porque aqui dentro é cheio de cor”, explica.
A casa passou por reformas para adaptar uma residência a um imóvel com fins comerciais. As salas vão levar o nome das cores ou das pedras, como rubi e esmeralda e o gazebo, turquesa. Na fachada, além da cor, a The House ganhou também um aquário.
“E a casa preta é referência, por mais que hoje não precise, porque eu já explico que é onde era a Casa do Papai Noel e as pessoas já sabem. Hoje é a casa preta, no meio da quadra e não precisa falar mais nada”.