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Arquitetura

Com placas de rua na parede e muita peça em couro, casa parece parada no tempo

Naiane Mesquita | 03/08/2016 06:10
Com placas de rua na parede e muita peça em couro, casa parece parada no tempo
Pedro e Gilberto trabalhando no ateliê da Selaria Esperança (Foto: Fernando Antunes)

As placas espalhadas pela casa dão a impressão de que aquele pedaço de chão não pertence a lugar nenhum do mundo, mas ao mesmo tempo a todos os lugares da cidade. Rua Marechal Rondon, México, Argentina e Paraguai foram todas recolhidas de um vizinho acumulador e agora integram a decoração do espaço. Para completar, bem em cima da porta de entrada está a mais especial, Rua Cascudo, que revela o endereço real da Selaria Esperança, Furna do Cascudo ou Selaria do Giba. Os nomes são igualmente muitos.

Com placas de rua na parede e muita peça em couro, casa parece parada no tempo
Gilberto no ateliê com placas da cidade (Foto: Fernando Antunes)

O dono do ateliê, o artesão Gilberto de Araújo, 59 anos, precisa ir até a porta da selaria para conferir quando toda essa história começou. Desenhada no chão, em cimento fresco está a data 5 de setembro de 2003. “Nisso já são 13 anos”, diz, saudoso.

Na época, Giba havia retornado de uma longa andança por fazendas do interior do Estado e principalmente do Pantanal. A volta a Capital foi para tratar de problemas de saúde e com o tempo acabou permanecendo aqui, aperfeiçoando o ofício que aprendeu no campo durante tantos anos.

“Eu trabalhava mais com o trato do gado, mas fazia algumas coisas em couro. Estou aqui há mais de 20 anos, rodei Corumbá, Água Clara e São Gabriel. Quando decidi ficar em Campo Grande comecei a fazer alguns trabalhos. Tem muita procura porque essas coisas do campo nunca tem fim”, explica.

Gilberto é campo-grandense, nascido e criado na rua Cascudo, 126. A casa foi construída pouco tempo antes de ele nascer, em 1956. As galinhas e os cachorros ainda dividem o espaço no terreno, mas nas lembranças do filho do proprietário, Pedro Araújo, 28 anos, a casa dos avós já teve muitos outros habitantes. “Criamos de tudo aqui, porco, galinha, bode, mas a saúde não deixa mais. De vez em quando temos umas galinhas, mas não dura muito”, ri.

Com placas de rua na parede e muita peça em couro, casa parece parada no tempo
Com os trabalhos que realiza para o campo (Foto: Fernando Antunes)
Com placas de rua na parede e muita peça em couro, casa parece parada no tempo
Gilberto mostra como toda a história da família começou na rua Cascudo, 126 (Foto: Fernando Antunes)

Foi dele a ideia de pendurar as placas no local, “deixar as coisas mais bonitinhas para os clientes que visitam”, explica. Assim como o pai, Pedro segue o ofício do artesanato em couro, sendo que é dele a função de deixar o trabalho ainda mais minucioso e bonito.

“Eu faço desde que era molequinho, comecei com 14, 15 anos, não lembro direito, acho que desde que eu comecei a dar conta. Fiquei um tempo morando fora, em Nova Andradina e voltei com o desejo de deixar as coisas mais arrumadas, até porque o cliente vem né e tem que ter uma boa impressão”, diz.

Enquanto o pai faz a cabeçada, boçal e peiteira para os arreios dos cavalos, Pedro é responsável pelas bainhas de facas. As cutelarias de Campo Grande costumam procurar o jovem para o trabalho, assim como colecionadores de facas da cidade. “Quanto mais trabalhada a bainha mais importante é a faca. Temos faca que custam de R$ 400,00 a R$ 5 mil. Claro que tem outras ainda mais caras, só não são vendidas com frequência aqui”, explica.

Com placas de rua na parede e muita peça em couro, casa parece parada no tempo
Os trabalhos de Pedro incluem porta-cartões (Foto: Fernando Antunes)
Com placas de rua na parede e muita peça em couro, casa parece parada no tempo
As bainhas de facas são trabalhadas especialmente para as peças (Foto: Fernando Antunes)

O trabalho com o couro é todo manual. Cada detalhe é feito com um instrumento diferente. É necessário precisão e os machucados são muitos nas mãos. Nada que tire o orgulho de Pedro e Gilberto. “Nosso trabalho é sob encomenda. O cliente escolhe a cor, a forma como é feito, as argolas. Tudo. Acabei de indicar para um cliente que ele pinte esse couro, mas tem outras opções, até deixar o couro natural”, frisa.

Com o resto do couro, Pedro ainda faz pequenos trabalhos, como porta-moedas e porta-cartões. “O porta moeda custa R$ 25,00 e o cartão R$ 10,00. Tem vezes que eu faço umas bolsas para carregar minha agenda e até vender, mas não é sempre”, diz.

Os vários nomes no local são fonte da criatividade de Gilberto. O nome original é Selaria Esperança, mas na porta do ateliê ainda há Selaria do Giba. O Furnas do Cascudo é uma brincadeira. “Se você olhar aqui antes de construir tudo isso era uma furna. Passava um córrego ali na avenida Rachid Neder, que era o córrego Cascudo. O nome era por causa dos peixes que viviam ali e também pelo barro que ficava em época de seca. Um amigo veio aqui e fizemos uma placa aqui fora de brincadeira”, ri, seu Gilberto.

Quem se interessar pelo trabalho, Pedro mantém uma página no Facebook com detalhes do trabalho. 

Com placas de rua na parede e muita peça em couro, casa parece parada no tempo
No ateliê, em meio a bagunça que só seu Gilberto entende (Foto: Fernando Antunes)
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