No aniversário de 78 anos, Delinha também comemora 7 décadas na mesma casinha
Neste domingo o bolo terá 70 velinhas a mais do que o primeiro aniversário comemorado naquela casa. Filha única, a casinha de madeira onde foi criada ainda existe e tem inclusive a mesma mesinha onde ela começou as primeiras letras do alfabeto. "Essa mesinha papai cortou para eu estudar, depois emendou", conta. Por onde se olha se vê e se ouve a história de Delinha.
"Minha casa é isso que você está vendo. Aqui que eu fui criada, tem a cozinha, essa sala que é do João Paulo. Ela é toda escorada, quebra de um lado e a gente escora. É casa de pobre", brinca. Na esquina das ruas Paissandu e Engenheiro Roberto Mange, no bairro Amambaí, a casinha de madeira ao lado da de material sempre foi o lar dela, quando criança, ao lado de Délio ou de Jairo.
"Se a dona é antiga, imagina a casa?" brinca. A casa só deixou de ser residência fixa quando Délio e Delinha moraram em São Paulo, dos anos de 1958 a 1965. Fora isso, as paredes dali ouviram o "Sol e a Lua" por muitas vezes.
Os cômodos remetem às casas antigas, sofás com coberturas em crochê, mobiliário de madeira. Fotos de família, de show e troféus e lembranças de festivais hoje já se misturam com os remédios que ficam à vista para que a dona se lembre de tomar. A brincadeira ela mesmo faz, está cheio de remédio. "Coisas de velho".
As cores laranja e rosa da casa não são propositais. Aos olhos de qualquer um, elas até não combinariam. Mas é preciso que se abra exceção em cima de Delinha que pelas cores do vestuário sempre deu um show à parte. "A gente compra quando é a mais barata", explica. Ou seja, a combinação não foi por querer.
Os armários antigos de madeira e até um mais novo, destes comprados à pronta entrega, guardam as saias e blusas que sempre chamaram atenção no palco. Rodadas, bordadas, com paetês e frufrus, Delinha diz que deve ter umas 200 para escolher.
Em caixas estão todos os discos da carreira. A única reclamação é de que o som já não roda mais LP. "Esta novinho, mas não toca. Acho que é a agulha", supõe. O filho, João Paulo, só afirma com a cabeça como quem sabe que está entre as prioridades arrumar o aparelho da mãe.
Por 10 anos a casa de material de construção foi bar, uma espécie de mercadinho da Delinha que até esteve arrendado. Dele só ficou o banheiro característico de bar, uma parede aberta na sala coberta com uma cortina.
Dos tempos de antigamente o único entrave da casa é a segurança. "A gente saía e deixava a porta encostada", comenta Delinha. Passado que ficou bem lá atrás depois de quatro assaltos.
"Mas eu preciso ver se já não fui com ela", revela. A vaidade ainda impera nela. Os lábios sempre de batom e vermelho. "Para gente preta como eu, não pode usar rosa, nem de batom e nem de esmalte, não fica bem".
O cheiro da casa se mistura ao da fumaça de cigarro e incenso. Por onde se olha um altar à Nossa Senhora é montado. "Eu sou muito religiosa, rezo o terço toda noite".
Delinha está forte, embora os últimos anos a tenham deixado ainda mais magrinha. "Faz dois anos que perdi o Jairo, mas não fiquei assim pela saudade, porque isso a gente vai sentir a vida inteira, mas peguei uma bactéria em hospital. Agora que estou melhorando", conta.
Sobre a casa, ela nunca saiu e nem vai sair. "Daqui? Só para aquele cemitério da saída para Sidrolândia e vão ter que me carregar muito tempo".