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Arquitetura

No piano do marido, professora fala do poeta e do hino de MS, feito em 1 dia

Paula Maciulevicius | 07/09/2016 07:20
Neusa ao piano, enquanto Otávio escrevia. Cena vem à memória e ao conhecimento de todos no Escritório do Poeta, na Casa Cor. (Foto: Alcides Neto)
Neusa ao piano, enquanto Otávio escrevia. Cena vem à memória e ao conhecimento de todos no Escritório do Poeta, na Casa Cor. (Foto: Alcides Neto)

Mãos nas teclas, olhos na partitura. Se a memória não falha, o calendário marcava o fim do ano de 1978. Na sala de casa, Neusa estava ao piano e a poucos metros dela, o marido Otávio, no papel e na caneta. Foi o amor da professora com o poeta que fez nascer o hino de Mato Grosso do Sul. E é esta cena que volta à memória dela e chega ao conhecimento de tantos, pela reprodução do arquiteto Fábio Menoncin.

No "Escritório do poeta", um dos ambientes da Casa Cor MS 2016, o piano que tocou as notas da música de Radamés Gnattali, teve os versos escritos por Otávio Gonçalves Gomes e Jorge Antônio Siufi, com opiniões de José Couto Pontes. Ao redor do piano está o acervo pessoal do engenheiro agrônomo, professor, historiador, poeta, escritor e jornalista, que saíram da casa de Neusa.

O casal se conheceu quando ela ainda era uma menina. Os dois tinham uma diferença de idade de 20 anos. Ela, estudante em Araçatuba, veio a Campo Grande junto da escola para tocar fanfarra no desfile do aniversário da cidade. O romance começou de forma tão sutil, que até hoje, mais de 60 anos depois, rende um brilho nos olhos e um sorriso carregado de saudade.

Máquina de escrever de Otávio Gonçalves Gomes. (Foto: Alcides Neto)
Máquina de escrever de Otávio Gonçalves Gomes. (Foto: Alcides Neto)
E os versos feitos aos pais, em 1937, quando ele estava na 5ª série. (Foto: Alcides Neto)
E os versos feitos aos pais, em 1937, quando ele estava na 5ª série. (Foto: Alcides Neto)

"Foi tão bonitinho. Eu o conheci aqui, ele era primo de um rapaz que apitava quando mudava a marcha da fanfarra. Esse primo tinha carro e se ofereceu de mostrar a cidade para nós. Eu não sabia que ele era mais velho que eu", conta Neusa Maesano Gonçalves Gomes, hoje com 80 anos.

Num dos passeios pela Campo Grande daquela época, o motorista fez o convite para que ela ocupasse a frente do veículo, ao lado de Otávio. "E eu fui, inocente, uma hora olhei no espelho assim e ele estava olhando para mim. Ficava me olhando pelo espelho, sei que assim que começou tudo", recorda.

Acabado o passeio na Capital, cerca de um mês depois, quem bate à porta dela, lá em Araçatuba? Aos pais, Neusa lembra de ter apresentado Otávio como um dos moços que acompanhou a visita dela na cidade. De cara, a família gostou dele, por ser um "homem formado já".

Ele esperou ela se formar, no "Normal", que à época dava permissão do exercício de ser professora e também no piano. Em 31 de maio de 1954, ele com 38 anos e ela com 18, os dois se casaram, tal qual revela a foto que ocupa a mesa do escritório do poeta.

Voltando ao presente, Neusa descreve o quão formidável achou a homenagem feita ao marido. "Ele era um homem super inteligente e modesto também. Ele tinha uma posição muito interessante na cidade, tudo que era coisa importante, ele tinha que estar no meio e coisas sérias", recorda a professora.

Casamento foi em maio de 1954. (Foto: Alcides Neto)
Casamento foi em maio de 1954. (Foto: Alcides Neto)

"Um homem que já estava com a vida tranquila, mas trabalhando sempre e escrevia muito. Levantava às 5h da manhã para escrever das 5h às 7h, no escritório dele, em casa, porque fora ele também tinha um de negócios.

Eu ficava ainda dormindo. Ele tomava um cafezinho e levava para mim, na cama, às 7h. Eu me aprontava e nós descíamos para o jardim, nossa casa tinha um jardim muito grande, com rosas. Às 8h, ele tomava banho, um leite e ia para o escritório dele".

A narrativa faz a gente imaginar Otávio usando aquele espaço. Mestre na arte das letras, o que lhe serviu de inspiração para o hino foi conhecer o Estado, desde que era um só Mato Grosso, nas medidas. Engenheiro agrônomo, ele faz a medição de toda a terra.

"A ideia do hino, não sei quem falou, todavia sei que nós recebemos o hino do Radamés Gnattali e foi ele (Otávio), quem escreveu. Eu ajudei, tocando piano. Ele escreveu em um dia. Eu tocava desde cedo até de tarde e foi um dia para escrever a letra. Eu aqui, ele sentado na mesa e o Couto ouvindo no sofá. Se ele perguntava? Nada e nem pedia ajuda para ninguém", narra.

Otávio foi um dos fundadores da Academia Sul-mato-grossense de Letras e teve, inclusive, publicado por ela, o poema que fez aos pais, ainda na 5ª série, em 1937. E são estes os versos abertos na escrivaninha, escritos pelo Otávio pequeno no tamanho e já grande no talento.

Projeto é do arquiteto Fábio Menoncin, casado com a neta de dona Neusa. (Foto: Alcides Neto)
Projeto é do arquiteto Fábio Menoncin, casado com a neta de dona Neusa. (Foto: Alcides Neto)

Projeto - Quando recebeu o convite da Casa Cor, o arquiteto Fabio Menoncin conta que uniu os 30 anos da mostra, com o aniversário da casa projetada por Rubens Gil de Camillo e o centenário de Otávio Gonçalves Gomes, a ser completado no próximo dia 17. Casado com uma das netas de Otávio e Neusa, Fábio viu que tudo se encaixava para a homenagem.

"Procurei fazer essa homenagem para ele e mostrar um pouco para as pessoas da nossa cultura, riqueza, quem foi ele e as suas contribuições", explica.

Transformar a história em arquitetura não foi tarefa fácil. "Eu quis entender um pouco mais dos sentimentos que ele colocava nas coisas. Quando se olha para o hino, conhece um pouco da obra e vê claramente que é dele, um homem que foi engenheiro agrônomo e que conhecia muito o nosso Estado", frisa o arquiteto.

Para o ambiente de 25m², Fábio passou nos detalhes, quem era Otávio. "Pelo cantar dos pássaros ele sabia qual era a espécie, por isso coloquei aqui, pássaros do nosso Estado e também um ipê amarelo, que ele chegou a fazer um poema. No acervo, livros de autoria dele e de amigos", enumera.

O tapete vermelho simboliza a terra, com o detalhe para o couro de boi e em uma das paredes, o papel de parede faz referência à pele de jacaré. "É o escritório do poeta, onde quis representar o espaço dele, onde ele escrevia, trabalhava e se inspirava", resume.

Na entrada, o espelho serve para que quem chega enxergue a obra de Otávio Gonçalves Gomes, bem como a si mesmo, como contribuinte na história de um estado ainda novo. 

"Se ele fosse vivo? Teria adorado, porque está falando dele e o que ele fez", diz a esposa, Neusa. Otávio morreu em 1992, aos 77 anos, de câncer, deixando cinco filhas e 32 entre netos e bisnetos. 

E como dona Neusa sabia que Otávio era o amor de sua vida? "Ah, nem me pergunta isso, coisa linda, meu Deus... Ele não era um homem bonito assim, de chamar atenção, mas era especial demais. Tinha um capricho com as coisas dele e com tudo, tratava todo mundo muito bem. Eu sei que ele era tudo o que uma pessoa pode querer na vida. E eu fui feliz assim", encerra. 

A Casa Cor fica aberta até o dia 9 de outubro, de terça a domingo, das 16h às 22h, na Avenida Afonso Pena, 4025. Ingressos na bilheteria do evento. A entrada inteira custa R$ 40 e a meia, R$ 20,00.

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No tocar das notas, história vem à tona enchendo professora de saudades. (Foto: Alcides Neto)
No tocar das notas, história vem à tona enchendo professora de saudades. (Foto: Alcides Neto)
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