Resistentes há 97 anos, coretos sobrevivem com o olhar dos apaixonados
Os coretos das praças Ary Coelho, Cuiabá e Itanhangá são pontos de romance, evento e sessão de fotos
Coreto tem cara de passado e ainda garante aquela atmosfera de interior aqui em Campo Grande. Com até 97 anos de idade, alguns velhotes da arquitetura da Capital ainda estão em pé nas praças Ary Coelho, Cuiabá e Itanhangá, palco para raríssimos shows, mas valorizados na era das selfies.
Na praça Ary Coelho, o clima de romance logo pinta quando casais sobem para apreciar a paisagem em um ângulo de 360º. Com mais de um metro de altura do chão ao piso, o ponto contribui para ver melhor o Centro.
Os professores, Erica de Jesus Costa e Eduardo de Oliveira Simões moram no Rio de Janeiro e aproveitaram a passagem pela Capital para visitar a praça. Tiveram o privilégio de pegar o ipê rosa florido perto do coreto, tiraram selfies e não resistiram ao beijo. “De cima percebem-se as várias nuances, as pessoas que estão conversando, namorando, brincando com os filhos, outro comprando algo de um ambulante. A angulação favorece”, disse Erica. “Gosto de apreciar a vista, tanto que quando olhei o coreto, falei que queria tirar foto”, completou.
Ela é carioca e veio para a Capital pela primeira vez. Já o namorado é corumbaense, mas morou em Campo Grande por um tempo. Ele conhece a cidade e como bom anfitrião, resolveu mostrar um pouco de suas raízes passeando com a amada. “Quando morava aqui passava pouco pela praça. Lembro que ficou anos fechada devido à reforma. Na época o chafariz não funcionava”, recordou Eduardo.
Já a namorada lembrou-se do Rio e de como o espaço é ocupado pela população. “Usam nos carnavais. Todas as bandas, marchinhas reúnem as pessoas no ponto do coreto e depois saem em procissão pelas ruas. Aqui [Campo Grande], percebi que é um point para os idosos virem e jogarem durante o dia. A noite deve servir para os casais”.
História - O coreto da Ary Coelho foi construído em 1922, pelo engenheiro Camilo Boni e ficava no centro da praça. Na época, tinha uma estrutura mais robusta, com detalhes na parte superior e uma cerca de proteção no entorno. Na escada, havia proteção de concreto onde as pessoas sentavam para passar o tempo. Ao lado, tinha uma estátua complementando a decoração. Contudo, foi demolido em 1957 para dar lugar à nova Fonte Luminosa.
Em 2011 a praça passou por uma revitalização e o coreto foi reconstruído, porém, desta vez, mais perto dos portões de entrada, pela rua 15 de Novembro. Ganhou um ar mais moderno com grades de ferro, mas manteve o formato de polígono no parque superior e o telhado ficou pontiagudo. Foi pintado de amarelo e inaugurado em 2012. Por ser um espaço público, fizeram um subsolo e construíram banheiros no local.
A jornalista Adriana Queiroz escreveu o livro “No banco da praça – As histórias da Praça Ary Coelho” onde comentou sobre a história do coreto. Contudo, sua obra foi publicada antes da inauguração do novo espaço. “Pelo que estudei sobre o local, isso [a reconstrução] pode estar relacionada com do valor simbólico e histórico que o coreto tinha para a praça. Era palco de manifestações culturais e políticas. Trouxe novamente essa memória, e considero que seja um fator positivo porque nos remete à valorização da história. Em um dos protestos deste ano contra os cortes na educação pública, os manifestantes usaram o coreto como palco para os discursos e palavras de ordem”, lembrou.
Recordando do passado - O advogado, Romano Olíva, 53 anos, frequenta a praça sempre que pode. Fica perto da escada ou nos degraus do coreto avistando a paisagem. Enquanto está no local, alguns flashs vêm à cabeça. “Já tirei fotos com meus três filhos aqui. Sou de Corumbá, mas mudei pra cá e hoje aqui no centro. Sempre dou uma circulada por aqui, ando com os cachorros”, disse.
Ele conheceu o local quando tinha dez anos e o ponto faz recordar da infância e da cidade natal. “Em Corumbá, ocorria as seresta nos coretos. Ia quando era criança com os amigos, tinha um parquinho, brincávamos”.
A aposentada de 63 anos, Ivanir Correa Mareco, estava com horário marcado no médico, mas antes, resolveu passar na praça para descansar. Na companhia do marido, Hermogêneo Mareco, 72 anos, ela sentou no banco de frente para o coreto e ficou observando. “Antigamente as pessoas vinham para namorar”, comentou sem recordar muitos dos detalhes. “Me mudei para Jardim quando me casei há dez anos, retornamos há pouco tempo. Mas já falei que poderíamos vir mais vezes só para curtir”.
Original - No bairro Amambai, o Coreto da Praça Cuiabá está desde 1930 e mantém a estrutura original. Fica no ponto de confluência das ruas Dom Aquino, Marechal Rondon, Sargento Cecílio Yule e Avenida Duque de Caxias. É o único marco remanescente do traçado topográfico elaborado em 1920, quando o local era ponto de intercessão de várias ruas para acesso à região dos quartéis e da Vila Militar.
Com o formato arredondado, o coreto tem a estrutura de concreto. As pilastras são resistentes e dão suporte ao teto. São quase dois metros de altura de chão ao piso do palco, e as pessoas podem subir pela escada que também conta com proteção de concreto. Na parte inferior tem dois banheiros para e um porta que dá entrada ao armazém, onde ficam a geladeira e os produtos de limpeza, conforme explicou o vendedor Aldo Bartolomeu de Moraes. “Tenho a chave dos locais e empresto para quem for ocupar o coreto. Eu limpo os banheiros quando dá. Tem que zelar”, afirmou.
Ele é natural de Campo Grande e contou que é fanático pela cidade. De segunda a sexta, trabalha sentado em uma cadeira de plástico, vendendo frutas na Rua Dom Aquino, do lado da Praça Cuiabá. Fica a poucos metros de distância do coreto e lembrou que frequenta o local desde os 17 anos. “Saia da igreja e vinha pra cá. Lembro que a noite era bonita. Tinha apresentações de bandas de música, uma coisa linda”.
Em 1960 foi construída a praça que ficou conhecida como “Cabeça de Boi”, nome dado pela população após um açougueiro colocar na frente do seu estabelecimento uma caveira bovina. Era o ponto onde os fazendeiros comercializarem seus rebanhos de gado.
A área passou por uma revitalização em 2015 e o coreto foi reformado. A parte externa foi pintada de amarelo, enquanto a proteção de concreto ganhou o tom mais avermelhado. As pilastras ficaram azuis. Tem dois postes de iluminação no local, mas os bancos para os visitantes sentarem e descansarem foram retirados.
Apesar disso, a natureza contribui com a decoração, com coqueiros no entorno do espaço. De cima, dá para contemplar a paisagem e avistar a casas da cidade.
Em 2015 o projeto “Estação Cultura” levou música para o local. Em 2016 o Campo Grande News realizou o “Casório do Ano” com uma festa julina que arrastou muitos caipiras para se divertir e dançar na praça. O coreto foi usado como palco para as apresentações, e teve até comida típica. Já em 2018, aconteceram os encontros do “Som do Coreto”, que em setembro contou com a participação de 200 pessoas. Na época, Ana Paula Duarte, Carlos Colman e Banda Mestre animaram o público.
Atualmente, os eventos acontecem esporadicamente. No dia 29 de junho, uma bandeira gigante “abraçou” o coreto durante a 4ª edição do Sarau do Orgulho LGBT+, da Casa Satine.
Contudo, quem passa pelo local durante o dia não vê movimento. “Infelizmente, hoje é habitado por moradores de rua, viciados. Já foi mais glamorousa. É um cartão postal que vemos abandonado”, disse o vendedor Aldo Bartolomeu de Moraes.
Na natureza - Já o coreto da Praça do Itanhangá é mais recente e privilegiado com a natureza. Localizado no bairro Itanhangá Park, foi construído na década de 80 dentro de um espaço que contempla árvores, córrego. “De 1983 e 1984 o local foi construído. Foi implantado num espaço que havia sido reservado como área verde. Foi um período virtuoso", lembrou o engenheiro civil, Carlos Melk.
Ele tem 66 anos e foi um dos responsáveis pelas repartições do bairro, no final dos anos 70. Na época, trabalhou como diretor de urbanismo da prefeitura, hoje Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano). Carlos recordou que após a inauguração da praça, o coreto passou a ser ocupado. "Serviu de palco para múltiplas apresentações, desde a banda do município, Polícia Militar, até grupos musicais e teatro”.
O coreto tem o formato de polígono, possui uma estrutura mais simples com pilastras e grades de ferro, e teto pontiagudo. O local manteve a arquitetura original e ainda tem bancos em volta para os visitantes sentarem e passar o dia observando a natureza. Está em um ponto mais elevado e fica ao lado da quadra de futebol e da academia ao ar livre. O coreto tem a cor azul e vermelha.
“O coreto da Praça Itanhangá substituiu por muitos anos o coreto da Praça Ary Coelho. Frequentemente eu ia levar os meus filhos pequenos para passear e se divertirem. Ver os pequenos animais, pássaros e peixes que existiam com abundância no local. Caminhei por alguns anos na pista de caminhada”.
Carlos lembrou que sentava no banco perto do coreto, onde apreciava a paisagem. A esposa Tereza Melk e os filhos também faziam companhia. “Era muito frequentado por famílias que habitavam a região”, disse.
Júlio Cézar de Souza mora no bairro há 34 anos e relatou que levava a família para passear no local. “A gente sempre está alí, é uma área de lazer importante. O coreto é bonito, compõe a [decoração da] praça e vem artistas, fazem eventos culturais. Vou pelo menos uma vez por semana, para caminhar”.
A praça passou por reformas em 1999, e teve outras manutenções que ocorreram no local nos últimos anos. Wilson Bianchi trabalha vendendo frutas em frente à praça há dez anos e comentou que o local é pouco frequentado. “Estou aqui desde 2007 e é parado. Às vezes vem turmas para fazer academia. Nas férias as mães trazem os filhos”.
Jean Casarin é fotógrafo há sete anos e desde janeiro de 2019, passou a levar os clientes para aproveitarem a natureza e fazerem os ensaios fotográficos. Ele usa o coreto como cenário para registrar os momentos dos casais. “Por ser um lugar que esbanja uma beleza natural. Eles amam o lugar quando chegam lá, pois muitos não o conhecem ainda”.
O fotógrafo também levava o filho para terem o momento de lazer juntos. “Meu filho tem 18 anos, mas quando ele era pequeno o levava para passear e brincar lá. Recentemente presenciei festinha de aniversário no coreto, achei o máximo”, concluiu.