Russa ou italiana, memória dos avós volta às paredes em restaurantes da cidade
O porta retrato com a moldura envelhecida e as fotos em preto e branco contam um pouco da história das famílias Kuler Kup e Longobardi. A lanchonete é de 2006, mas traz na decoração os anos passados, da fuga dos bisavós do dono da Rússia para o Brasil.
Mariana e Cristiano - talvez a grafia não esteja correta, ou ao chegarem aqui tiveram o nome "abrasileirado" - estão nas fotos com os filhos, todos nascidos no leste europeu. Entre as imagens que estão emolduradas na parede da hamburgueria, também está a fazenda que eles tinham lá.
Quem conta a história hoje é o empresário Luís Eduardo Longobardi, de 57 anos e a própria decoração do estabelecimento, a lanchonete Burger&Co, no Jardim dos Estados. O projeto de arquitetura foi da filha Flávia Longobardi, que buscou valorizar ao máximo a família.
"Na verdade se não fosse a coragem desse casal, eu não estava aqui conversando com você", apresenta seu Luís. Com posses e boas condições financeiras, primeiro os bisavós deixaram a terra natal pela Estônia, num vagão de trem locado. Depois, o ouro das joias se converteu em passagens até o Brasil.
"Aqui minha avó veio com 15 anos e depois se casou com o meu avô, italiano que lutou na guerra", conta. A foto dele está num cantinho da moldura. É dele o sobrenome Longobardi, bem como a coleção de moedas que divide espaço na decoração.
Depois de falecido o pai de seu Luís, a mãe veio morar com a família trazendo todo acervo que pertenceu às gerações passadas: o lampião de cobre, o jarro de prata, o copo e a jarra que enfeitam a coluna... "Quando fizemos a decoração foi pensando nas famílias. Nós somos família e assim que os clientes se sentem em casa, conhecendo um pouco da nossa", descreve a esposa de Luís, proprietária junto com ele da lanchonete, Maysa Villas Boas Longobardi, de 52 anos.
Os olhos curiosos dos clientes já fizeram com que os donos contassem a história repetidas vezes. Aliás, foi dessa forma que me veio a ideia de querer saber mais das paredes dos estabelecimentos. A memória da família na decoração é para eles um resgate da própria história. "Assim você não esquece da sua origem", resume Maysa.
Da cantina o que se tem são os valores da nonna. De quem sempre deu importância à pasta, à mesa e ao vinho. As famílias Menegazzo e Devoto se encontram pelos objetos ao longo do restaurante e da pizzaria. A história dos italianos que primeiro abriram a boutique gastronômica na Rui Barbosa e hoje ocupam a esquina da Rua Da Paz com a Bahia.
"Era da minha mãe, meu irmão e a sogra dele", conta hoje uma das sócias da Cantina Romana, Silvia Menegazzo Moreira, de 58 anos. Dos dois lados a família era italiana. Antes de pensar em guardar para decoração, Silvia explica que sempre gostou de peças mais antigas, que trouxessem consigo um pouco de história.
Na prateleira do lado direito do restaurante, por exemplo, uma batedeira que ainda funciona, serve de enfeite e de lembrança. "Era da minha mãe, mas a dona Clara, sogra do meu irmão que usava bastante". No paladar o eletrodoméstico traz à memória a maionese caseira e as sobremesas que dali saíam.
Na parte debaixo, a balança que hoje recebe frutas só de decoração era ferramenta essencial do trabalho da família do marido de Silvia, que décadas atrás tinha um empório em São Paulo. No banheiro, o lavatório antigo divide espaço com a pia. De família, a peça que se resume ao jarro e a bacia, davam suporte para lavar as mãos no passado.
A mistura nos sabores e também nos negócios das famílias Menegazzo e Devoto, também juntou o que era pertence de um e de outro. "Na realidade quase tudo aqui é de família. Eu sempre gostei e preservei muita coisa", observa Silvia. Na parede do corredor, as caixas com talheres que enfeitam compunham os materiais de cozinha das décadas passadas. Os caixotes guardavam os copos depois de lavados.
"Tudo aqui remete ao passado, de manter uma tradição italiana", explica a dona. Na mesinha próxima a um dos balcões de atendimento, o telefone preto era do pai de Silvia e o mandolino, fabricado em 1952, de um tio italiano.