Sonho de bisneta de maquinista que perdeu braço é ver Rotunda 'viva'
Mesmo com projetos para retomar o uso, o espaço continua abandonado e sem destinação
Apesar de ser tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a Rotunda Ferroviária integra a lista de prédios abandonados que contam a história de Campo Grande. Pensando na importância da ocupação de espaços públicos e de homenagear quem fazia os trilhos funcionarem, a artista Emmanuelly Aparecida de Lima Teodoro da Silva transformou os tijolos desgastados em um ambiente cheio de cores e oportunidades.
Desativado na década de 1990, o espaço da 14 de Julho com Eça de Queiroz se integra ao imaginário popular e, conforme a estrutura envelhece sem manutenção, a identidade sul-mato-grossense também vai enferrujando.
Enquanto nenhuma solução para retomar a estrutura entra em vigor, o que resiste em conjunto com as paredes são as histórias sobre os sons emitidos pela manutenção dos trens, as vidas dedicadas à ferrovia, além da movimentação de pessoas e cargas na região do complexo ferroviário.
Exemplo de que a narrativa continua viva e é necessário fazer com que a Rotunda volte a respirar é a estudante e artista Emmanuelly Aparecida de Lima Teodoro da Silva, de 16 anos. Bisneta de Francisco Pinto de Souza, um dos trabalhadores da NOB (Estrada de Ferro Noroeste do Brasil), ela imaginou o espaço como um centro cultural que valoriza quem fez a história da ferrovia existir e proporciona mais um espaço a ser ocupado pela população.
Através de memórias familiares, Emmanuelly construiu o desenho conectando o passado, presente e futuro. Na arte, os materiais usados para trazer uma nova vida foram caneta nanquim, aquarela, marcadores, caneta branca e lápis.
Sobre o processo de criação do desenho, ela narra que pensou sobre como manter as características do espaço e, ao mesmo tempo, possibilitar que as cores tomassem conta sem uma modernização forçada.
Imaginando que o conjunto poderia ser um centro cultural, a artista conta que tomou características de memórias da família para o resultado final surgir. “Se você reparar, vai ver que há um relógio de bolso no meio do desenho. Eu fiz esse relógio pensando no meu bisavô, ele trabalhou como maquinista e também nos serviços gerais da Rotunda quando vivo”, diz.
Mesmo sem ter conhecido o bisavô, Emmanuelly explica que as histórias sobre a época da ferrovia são mantidas ativas na família. “Minha avó contava histórias sobre quando ele levava ela para o trabalho e ele sempre olhava as horas nesse relógio durante o expediente. Também fiz as engrenagens pensando nele e nos trens”.
Em conjunto com as memórias com o relógio, a manutenção que ocorria no local foi uma fonte de inspiração para o desenho para a estudante. “Minha avó me disse que a rotunda era um lugar onde se faziam serviços diversos para o funcionamento dos trens, então faz sentido na minha cabeça”.
Outros detalhes que podem ser notados na arte são o Sol, a Lua, uma rosa dos ventos e um planeta desenhado nas paredes. “Pensei como uma representação das viagens que as pessoas faziam de trem. As curvas e decorações que fluem nas paredes em volta dos desenhos fiz para representar os ventos. No fim, sempre quis viajar assim”.
Longe de ser apenas um local abandonado ou sem conexão por não ter o visto em funcionamento, Emmanuelly detalha que imaginar a Rotunda viva foi especial. Além da história da cidade, o local integra a história de sua família.
“Fiz alguns trilhos, trens, rosas dos ventos, tudo pensando no meu bisavô. Por mais que eu não tenha o conhecido, já ouvi suas histórias. Ele chegou a perder um braço em seu trabalho como maquinista, então merece um desenho feito para ele”, completa a artista.
Enquanto a estudante usa da imaginação para ocupar a Rotunda, há quem já tenha tentado transformar o espaço e mostrado que é possível tirar o abandono da antiga oficina ferroviária.
Em 2017, Evandro Sudre e um grupo de colegas usou a estrutura como o local ideal para levar fé e amor. Unindo instrumentos musicais e muita vontade, surgiu o “Culto da Ferrovia” para quem estivesse passando e tivesse interesse de ouvir sobre histórias e palavras bíblicas.
“Foi um processo de ocupação cultural e também de ocupação cultural e também de ajudar, na época, a galera que ia para lá e que moravam lá. São moradores que não residem mais, ajudamos alguns a saírem e ter uma vida melhor. Foi nesse processo que trabalhamos”, relembra Evandro.
Por ainda existir uma cobertura, o espaço protegia os integrantes contra o Sol e a estrutura ampliava a voz durante as conversas. Durante o período do projeto, Evandro comentou que a ideia de ocupar surgiu justamente pela simplicidade da estrutura, já que a mesma foi se desfazendo com o passar do tempo.
De promessa em promessa
Construída entre 1941 e 1943, a Rotunda foi tombada em 1996. Desde então, projetos têm sido idealizados pelo Poder Público, mas as conversas acabam se tornando processos não vistas na prática.
Uma das últimas ações foi um projeto entregue pelo Iphan em 2020 para acabar com o abandono do patrimônio histórico, mas assim como a arte de Emmanuelly, os desenhos idealizados ficaram na mente de quem os criou.
Em 2021, as imagens foram divulgadas para mostrar a Rotunda viva com movimentação cultural e de turismo. Para manter a identidade, a estrutura seria mantida e reforçada, sendo que o espaço teria quatro edificações.
Após ser entregue pelo Iphan, o projeto deveria ser executado pela Prefeitura de Campo Grande, mas os planos permaneceram sendo planos.
O Campo Grande News entrou em contato com a Prefeitura questionando sobre o projeto do Iphan e também em relação a novas ações e investimentos. Entretanto, até o momento não houve retorno.
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