Bráulio Bessa traz o abraço da poesia a Campo Grande, após sucesso na TV
Escritor, poeta e cordelista, Bráulio Bessa fez muita gente sorrir na Noite da Poesia
“Todo mundo é capaz de ver poesia em tudo, basta olhar com os olhos da alma”. Foi assim que Bráulio Bessa, um menino que se apaixonou por poesias, lá no sertão nordestino, conseguiu mostrar que arte transforma e desistir não deve entrar nos planos de ninguém. As lições ele repassou ao público campo-grandense na noite desta terça-feira, durante a 30ª Noite Nacional da Poesia.
Escritor, poeta e cordelista, Bráulio, de 33 anos, abriu o coração para falar sobre essência e enaltecer a cultura do povo nordestino. Com mais de 40 milhões de visualizações no Youtube e responsável do quadro Poesia com Rapadura, do programa Encontro com Fátima Bernardes, ele também falou como faz sucesso de um jeito que muita gente nunca conseguiu.
“Consegui falando a língua do povo, falando de gente para gente. Durante muito tempo as pessoas tinham medo de poesia e acredito até que alguns poetas distanciaram as pessoas dela, criaram uma certa barreira. Mas quando eu pedi a Deus o dom de fazer poesia, queria fazer sobre gente e para o povo entender”, diz.
Poesia viva que está presente em números. Dos 10 livros mais vendidos desta semana no País, oito são estrangeiros, mas lá no topo está o do cordelista. “Isso para mim não tem preço, e não falo isso para me ‘mostrar’, mas porque sei que o povo brasileiro aprendeu a gostar de poesia e eu vou continuar trabalhando com isso”.
Nascido em Alto Santo, no interior do Ceará, a três horas de Fortaleza, o artista é filho e neto de costureiras, de uma criação que não ensinou a mentir, muito menos esconder a cultura do seu povo. Por isso se tornou um “poeta de cangote grosso”, define. “Não me dobro, não me curvo, falo mesmo o que eu penso. O atrevimento é característica do poeta, o cabra (ser humano) quando pega uma caneta para fazer poesia ele sempre é um atrevido, e continuo acreditando muito nisso como poder transformador”.
É nesse ponto que Bráulio também reflete sobre a vida no sertão e, avesso ao preconceito, destaca como conseguiu usar a poesia para ir contra a todos os ataques aos nordestinos. “Fui falar da cultura, do meu povo, da coragem, em momento que muita gente dizia que o Nordeste deveria ser excluído do Brasil. Porque o que falta é isso, valorizar a cultura e respeitar o próximo”.
Coincidentemente, o poeta chegou por aqui um dia depois do “Dia do Nordestino”, festejado nesta segunda-feira (8), e dois dias após o resultado do 1º turno das eleições em que surgiu uma onda de ataques ao povo do Nordeste, até mesmo de Campo Grande, que não se intimidou em atacar nas redes sociais.
Bráulio não demonstrou surpresa, e com delicadeza nas palavras preferiu passar uma mensagem de resistência, que cabe bem até ao povo sul-mato-grossense, especialmente, indígenas, que também são alvo de ataques há anos em Mato Grosso do Sul, estado com a segunda maior população de etnias, mas em contrapartida está no topo de assassinatos do seu povo.
“O que falta? A palavra é empatia. Olhar para o próximo e perceber que estamos com a mesma intenção. Eu respeito toda e qualquer opinião, mas jamais vou tolerar o preconceito. Sou uma pessoa muito discreta pessoalmente, mas socialmente não. Quando surgiu o primeiro caso de xenofobia, com um monte de ataques ao povo nordestino, tudo o que eu fiz foi responder com o que a gente tem de bom. Por isso saio daqui admirando esse lugar (Campo Grande), então quero que quando o povo pise no meu sertão do chão rachado, que admire também”, pede.
Bráulio também elogiou um dos poucos movimentos de Campo Grande que faz uma leitura crítica da cidade, o “Slam Campão”, uma batalha de poesias onde cada competidor declama seus poemas em até 3 minutos, com uma rebeldia que luta para vencer o preconceito, a repressão e a burocracia. “É um movimento de muita resistência, estou lá sempre vendo no Youtube e sou muito apaixonado por cultura regional. E quando falo regional, não é só a minha, o Brasil só é assim por essa mistura”.
Com cerca de duas horas de palestra, Bráulio brindou a cidade com poemas e sua história de vida desde a primeira vez que se apaixonou pelos versos de Patativa do Assaré, o mais popular poeta nordestino que sabia como ninguém falar de amor, de construção, miséria e realidade nordestina em forma de poesia.
Destacou que na arte há espaço para todo mundo, mas que o desejo de fama nunca pode ser maior que a sua vontade de olhar o outro e enxergar poesia em cada detalhe da vida. “Quando eu decidi que queria ser poeta, eu via poesia na jogada de bola na rua, no ônibus que passava, no filme que assistia na televisão”.
Outra dica é que ninguém tem obrigação de ser um gênio com as palavras, mas tem o dever de olhar com o coração. “Tem brasileiro que gosta de poesia e nem sabe. Mas poesia é um abraço cego e despretensioso. É isso que a gente tem que fazer, abraçar o mundo”.
Questionado sobre o que ele gostaria que a gente visse do Nordeste que ainda não conseguimos enxergar, Bráulio resume. “Igualdade. Entender que todos nós somos iguais. Admirar a cultura, admirar a força, a coragem”.
Premiação – A noite também foi de riso, choro e aplausos de pé aos poetas premiados na trigésima edição do concurso que elege as melhores poesias inscritas.
Dos dez selecionados, um deles é de Campo Grande. Vini Willyan, de 23 anos, ficou em sétimo lugar com a poesia “Por essas ruas” que fala sobre sexualidade, marginalização e faz uma crítica ao preconceito. (Assista no vídeo)
Jovem e já com seu primeiro livro “Retalhos” em mãos, ele agradeceu a oportunidade e diz que não há limites para quem sonha em encantar com as palavras. “Sempre gostei muito de poesia, já tinha me inscrito em outros festivais, mas foi uma surpresa ganhar em um festival nacional e descobrir que meu poema era o único representante de Mato Grosso do Sul”, diz Vini.
O grande vencedor da noite foi Rafael Neves de Souza, de 29 anos, que veio de Itacoatiara, no Amazonas, receber o prêmio de 1º lugar com a poesia “Indigente Relato”. Seu poema narra em versos a vida de um morador de rua e coloca para fora toda sua angústia, dor e fome de vida. “Porque a poesia veio para isso”, explica o escritor, professor e compositor, autor de quatro livros.
“É muito gratificante conseguir representar o meu Estado e trazer um pouco do meu trabalho que às vezes não é reconhecido pelo público. Lá no Amazonas fazer poesia ainda é um grande desafio pelo fato das pessoas ainda não terem aberto os olhos para cultura, especialmente, para os poetas. Como não há o hábito e o exercício saudável da leitura, acaba sendo difícil de expandir o nosso trabalho. Mas a gente faz amor”.
Lucas Castor, 29 anos, veio de Brasília, no Distrito Federal, receber o prêmio pelo 2º lugar com a poesia “Náufrago”, que conta a história de um e-mail que ele nunca apagou e nem leu na caixa de entrada. “Mas também não tenho vontade de ler, tudo começou quando fiquei com preguiça, e isso se tornou uma coisa quase mitológica na minha vida”, conta Lucas que é servidor público, fotógrafo e poeta desde a adolescência.
Embora tenha só um poeta de Campo Grande vencedor no festival, foram mais de 58 inscrições de escritores campo-grandenses, número comemorado por Samuel Medeiros, presidente da UBE-MS (União Brasileira de Escritores de Mato Grosso do Sul) que realiza o evento com apoio da Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo). “E não foram textos primários, são poemas bons. E o fato da gente refletir em outras cidades, é bacana para influenciar e atrair a nova geração de poetas. Tenho visto uma juventude muito interessada na poesia e isso precisa ser evidenciado”, comemora o presidente.
Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para entrar na lista VIP do Campo Grande News.