Coleção de Carlos recorda música de MS em 600 discos “perdidos”
Entre CDs e LPs, colecionador conserva e organiza a história musical de MS de 1954 até hoje, com raridades que encontrou em sebos
Almir Sater, Geraldo Roca, Tetê Espíndola, Grupo Acaba… artistas regionais que você provavelmente já deve ter escutado falar. Na coleção de Carlos Luz, entretanto, são mais de 600 discos de vinil e um acervo completo de CDs só feito de raridades. Parafraseando a música "Cunhataiporã", de Geraldo Espíndola, são "as canções que não se ouvem mais". Será que o povo se lembra?
Délio e Delinha, Dino Rocha, Dozinho Borges, Linda Morena, Maciel Corrêa. Artistas e suas músicas que só não foram perdidas no tempo graças ao trabalho de "garimpeiro" de Carlos em sebos da Capital assim como também na cidade de São Paulo, onde aconteciam as gravações na época.
"Comecei a preservar desde o início dos anos 2000. Pra achar é bem difícil. São horas e horas de pesquisa, de 'garimpo' mesmo, no que costuma-se dizer a 'turma do bolachão'. Mas quando encontra um disco até então perdido… é uma felicidade tamanha, ainda mais se estiver bem conservado", afirma Carlos.
Entre as raridades da sua coleção, o nome mais valioso é Franquito. "Foi o primeiro artista de MS, quando o estado ainda era uno. Nascido em 1947 no município de Aquidauana, fez até o filme 'Meu destino em suas mãos" dirigido por José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Um fracasso de bilheteria", revela.
"Repare só que nas capas dos discos de Franquito ele sempre está com a mesma pose de 'baile'. Era porque realmente estava acompanhado por uma moça, seu par de dança, mas a censura na época preferiu retirar e deixá-lo naquela posição, a segurar o vento", brinca.
Para Carlos, é difícil falar de 1 só disco ou CD pensando que tanta coisa valiosa foi redescoberta graças ao seu esforço. Tem capa que mostra fotografia da fonte original da Praça Ary Coelho ou então vista aérea de uma Campo Grande ainda não tão grande assim; polca paraguaia de Herminio Gimenez com o Conjunto Ponta Porã; "Os melhores da música matogrossense" (este sim o mais antigo de todos, datado de 1953) com 7 artistas douradenses de sucesso à época; ainda, discografia completa do casal do rasqueado Délio e Delinha, que só foram gravar a partir de 1959.
"Foram 20 anos de procura. Tem discos que eu sei da sua existência, mas ainda não foi possível encontrá-los. É provável que isso daí dure mais uns 10-15 anos para resgatar aquilo que ainda se está perdido", comenta.
Outro LP curioso, na realidade, não tem música, mas só falação: é o monólogo da atriz campo-grandense Glauce Rocha interpretando a peça "O belo indiferente", de Jean Cocteau. Gravação de 1975 é ao vivo, em algum teatro da cidade do Rio de Janeiro. Certas identificações não se encontram nem na capa e contracapa, nem nos selos do bolachão – lado A, lado B – e é aí que encontra o trabalho de investigador.
"Tudo é feito manualmente, desde a procura do LP ou CD até a hora de digitalizar a capa, contracapa, encarte e, claro, as próprias músicas. Ainda, é necessário preencher à mão as informações que constam das músicas, título, compositores, etc. Dá um trabalhinho", esclarece.
Representante comercial de 63 anos e até ex-professor de cursinho de inglês, Carlos Luz sempre se interessou pela preservação, história e pesquisa de músicas. Quando jovem, em meados da década de 70, sua coleção era pequena e basicamente rock ao melhor estilo Pink Floyd. Antes disso, é do tempo em que a família se reunia para ouvir o rádio.
Natural de Presidente Bernardes, interior de São Paulo, Carlos é, na realidade, um historiador nato. Morou um tempo na capital de SP e por lá ganhou a experiência de catalogação em gravadoras de vídeo, daquelas de VHS, que distribuíam as cópias das fitas para todo o Brasil. Anos mais tarde, quando veio para fazer a vida em MS, acabou indo parar em outro tipo de gravadora, desta vez de áudio.
"Trabalhei nas antigas Sapucay e Pantanal, onde pude ver de perto o que estava sendo produzido por aqui. Conheci pessoas, artistas, fiz parcerias com o pessoal que, assim como eu, também tinha apreço por coleções. Assim foi indo", explica.
Memória Fonográfica MS – O trabalho de Carlos é tão valioso que virou "peça" de museu. Seu acervo, ao invés de ficar guardado em casa, foi compartilhado com o Museu da Imagem e do Som. Por lá, cada item passa pelo processo de digitalização, demorado, manual e necessário – conservação para o futuro. Há mais de 20 anos, 50 mil músicas já foram catalogadas.
"Tenho não somente que achar os CDs e LPs, mas devem estar bem conservados, tanto o conteúdo interno quanto o externo. Já ouvi todo o acervo que tenho pois cada item é capturado ao vivo e manuseado pelos museólogos", diz.
Para Carlos, o desconhecimento de muitos dos artistas que têm na coleção não é culpa necessariamente do tempo, isto é, "de que ficou no passado", mas da própria difusão cultural do que é nosso.
"Cada vez menos pessoas se atentam ao trabalho artístico, de artes mesmo, do músico. Apenas consomem de forma instantânea e quantitativa. Perdeu-se apego às referências de outrora, às inspirações. Quando a indústria fonográfica parou sua produção, foi uma ruptura tremenda no mercado brasileiro. Acabou o 'glamour'. Tudo isso contribuiu para o desconhecimento regional, de um dos nossos passados mais valiosos: o musical", finaliza.
Curta o Lado B no Facebook e no Instagram. Tem uma pauta bacana para sugerir? Mande pelas redes sociais, e-mail: ladob@news.com.br ou no Direto das Ruas através do WhatsApp do Campo Grande News (67) 99669-9563.