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Artes

De Conceição dos Bugres, ficou apenas o vestido

Ângela Kempfer | 23/08/2011 08:50
O vestido, ao lado de banner sobre Conceição. Família também não tem mais fotos originais. (Foto: João Garrigó)
O vestido, ao lado de banner sobre Conceição. Família também não tem mais fotos originais. (Foto: João Garrigó)

Na casa simples, no bairro Santa Branca, um vestido no cabide, pendurado em uma salinha logo na entrada, é o único vestígio de Conceição dos Bugres. Também não há mais com a família nenhum dos bugrinhos originais, que transformaram a artesã em símbolo da identidade sul-mato-grossense.

O par de tamancos, outra herança, já foi extraviado há tempos. “Emprestei para uma mulher e ela sumiu”, conta a nora de Conceição, Sotera Sanches da Silva.

Com sotaque paraguaio carregado, ela diz que já pensa em vender o vestido, uma peça azul com flores, bem cortada, mas simples - um dos 3 únicos vestidos que Conceição tinha ao morrer pobre. “Tem gente que ficou rica com a minha sogra, mas a gente nunca conseguiu viver bem”, justifica.

Apesar do tom de indignação, a frase é solta aos risos. Mãe e filho, muito bem humorados sempre, logo esclarecem sobre o destino da roupa.

“Nunca! Não deixo minha mãe vender não. Ela está brincando. Foi a única coisa que ficou da minha avó. Dias desses, a gente lavou porque estava muito empoeirado”, garante o neto Mariano, orgulhoso em representar a avó paterna.

O pai já morreu e aos 46 anos agora cabe só a ele reproduzir os bugres de Conceição, mas como suvenir, em série. O material também é outro: eucalipto. “Minha avó fazia com o toco que encontrasse pela frente”, diferencia.

A madeira vem de loja no centro de Campo Grande, assim como a tinta e a cera de abelhas, industrializada.

Mariano mostra o início do processo de criação dos bugrinhos da avó. (Foto: João Garrigó)
Mariano mostra o início do processo de criação dos bugrinhos da avó. (Foto: João Garrigó)

Na casa da família, são mais de 30 em produção, de 3 tamanhos diferentes (R$ 30,00 R$ 40,00 e R$ 300,00). “Os originais não temos não. Sei que o Humberto Espíndola (artista plástico) tem mais de 40”, lembra Mariano.

O bugre ainda é o centro das atenções no ateliê improvisado, mas ao lado estão duas sereias, esculpidas na madeira. “Essas são minhas”, diz sobre a figura mítica, assim como a obra da avó.

Ele também faz imagens de santos, porque “as pessoas pedem”, apesar de ser evangélico.

Na sustentação da varanda da casa, dois pilares de madeira são totens feitos por Sotera, a partir de figuras astecas. “Eles sustentam a casa, mas o artesanato não dá muito dinheiro mais não”, compara.

Na cozinha, a arte virou suporte para o microondas. “Temos arte por todos os lados”, brinca a mulher que também aprendeu a esculpir vendo Conceição trabalhar.

A década de 80 foi a última de boas vendas, segundo os cálculos de Mariano. “A gente chegava a vender 10 peças em um dia e receber na hora”.

Em 84, Conceição morreu, mas só ficou a fama. “Sempre tem alguém perguntando dela, mas as vendas são poucas e o valor é baixo”.

Em um dos poucos momentos sérios, Sotera explica que “arte vende quando a pessoa entende do que se fala. Alguns olham os bugrinhos e dão risada, acham coisa boba. Não sabe o que significa para a gente, para o Estado”.

Sotera mostra totem que fez para segurar o eletrodoméstico. (Foto: João Garrigó)
Sotera mostra totem que fez para segurar o eletrodoméstico. (Foto: João Garrigó)

Valor - Os bugres de Conceição surgiram depois de um sonho, contava a artesã que nasceu gaúcha e morreu aos 70 anos como um dos símbolos da iconografia popular sul-mato-grossense.

Ao acordar, fez a primeira escultura em uma mandioca, sem perceber que percorria caminho da mitológica indígena guarani, sobre a raiz que cresceu depois da morte de uma indiazinha e passou a alimentar toda a aldeia.

Com o passar do tempo, foi esculpindo a madeira que encontrava com um machadinho e também produziu figuras como o índio forte com os braços abertos ou o amistoso de braços semi-abertos.

Aquelas pequenas figuras em madeira ganharam tamanha dimensão porque apareceram de forma intuitiva, em uma ambiente inóspito, pobre, uma chácara na periferia de Campo Grande e em uma época em que o Estado buscava a construção de uma identidade, depois da separação do Mato Grosso.

A cera que faz o acabamento dá o arremate para interpretações mais complexas. Sem tocar, a impressão é de uma peça de pedra, quase indestrutível.

Reza a lenda que, na verdade, a cera era usada para deixar o bugre mais branco, mais bonito, matéria prima para outras reflexões.

A tinta preta, nos olhos e no cabelo, finaliza a obra, atualmente em exposição no Marco e na Casa do Artesão, em Campo Grande.

O bugre, mistura do índio com o branco, começou a entrar na vida de Conceição aos 6 anos, quando ela e a família deixaram o Rio Grande do Sul e foram para Ponta Porã.

Ao casar com o artista Abílio Antunes, ela percebeu as possibilidades da madeira. Depois de sua morte, o marido passou a produzir os bugres e hoje a tarefa cabe ao neto Mariano, que não pretende ter filhos.

De Conceição dos Bugres, ficou apenas o vestido
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