Depois de superar o luto por amigo morto em acidente, grupo volta a cantar
Viver de música é o objetivo dos quatro amigos do Posse Sul. Hoje o grupo ressurge, depois de alguns anos longe do rap, de luto por ter perdido Marcelinho, um dos integrantes que faleceu em 2007, após um acidente de moto na cidade.
O trabalho existe desde 2006, quando Bruno Jefferson (Mano Kbça), Bruno Rodrigues (BR), Luciana Ferreira (LU) e Celso Amorim (Celsinho) se encontraram na feira do Buriti para participarem do movimento hip hop que agitava o bairro.
Na época, Marcelo Alves Batista, conhecido como Marcelinho, tinha 28 anos. Junto, o quinteto conseguiu despontar na periferia de Campo Grande usando a palavra como instrumento.
Entre rimas e versos, o papo sempre foi reto. Com temas fortes e palavras diretas, eles falavam sobre a realidade de quem é marginalizado por nascer pobre e longe do Centro, sem contar a violência que vinha de quem deveria servir à população para proteger, a Polícia.
Os cinco amigos escreveram a música "Abuso de Poder", canção foi decisiva para ser respeitado no movimento. "Quando a gente gravou essa música, as portas se abriram. Abrimos shows de rap na cidade, viajamos para Dourados, Rondonópolis e Bonito", diz Mano Kbça.
"De lata camuflada, descendo na quebrada..."
O trecho introduz situações enfrentadas por moradores da periferia, diante da polícia. "São várias histórias. A gente escreve o que sente o que vê. Nada do que tem na nossa música foi inventado. Nem sempre os personagens são a gente, mas aquilo ali existiu. Nessa música, teve uma ocasião que a polícia enquadrou uns amigos. Quando eu digo sobre a lata, é que o sol estava quente nesse dia, eles faziam os meninos colocar a mão lataria do carro fervendo, quando tiravam as mãos estavam queimadas", descreve.
Com palavras duras, o grupo foi conquistando o espaço que tanto queria. Eles tinham shows pela cidade, participavam de movimentos nos bairros e quando passaram a marcar território no Centro de Campo Grande, é que a carreira teve outro destino no fim de 2007.
"Eu falo que a gente estava no auge. Tinha show marcado no Maria Fumaça e o Marcelinho é que ficava responsável de divulgar nosso trabalho. Ele era querido por todo mundo e comunicativo. Eu lembro que esse dia foi diferente, porque ele chegou em casa todo animado falando do show, me abraçou e disse que me considerava um irmão. Foi nesse mesmo dia que ele bateu a moto", conta.
Marcelinho sofreu um acidente logo após deixar uma colega em casa. Ele pilotava no bairro Pioneiros quando bateu de frente em uma Brasília que vinha na rua com farol apagado. "O capacete não estava preso e ele bateu a cabeça. Ficou dois dias no hospital e não resistiu", lembra.
Mano conta que não cancelou a apresentação, mas no dia subiu no palco sozinho. "Marcelinho era primo do BR e ele ficou resolvendo as coisas do velório. Ninguém tinha cabeça pra nada. Tudo mudou depois da morte dele".
A falta de Marcelinho, impediu o grupo de encontrar forças naquele momento. Difícil era seguir sem o amigo, que tanto fez pelo projeto. "Na realidade, a cabeça não estava aguentando", lembra Mano.
Com tempo, cada um acabou seguindo um rumo diferente. "Ele era peça-chave, claro que cada um tem sua participação, mas nosso amigo tinha facilidade de levar o grupo. Um querido que mostrava o Posse Sul da zona norte ao sul de Campo Grande. Por isso a gente acabou dando uma parada", recorda.
Volta por cima - Há um ano, tudo mudou. As palavras ganharam sentido diferente para BR, Mano Kbça, Lu e Celsinho. Se antes engatinhavam rumo ao sucesso, hoje, caminham mais fortes. E através da música, o grupo quer levar a verdade sobre o cotidiano a todos os ouvidos.
"Eu estava com aquela coisa por dentro, que algo faltava. Eu via as pessoas cantando, fazendo sucesso com o rap e eu naquela sede. Pensava que eu estava dormindo", diz.
Depois de escrever novas canções, Mano convidou os amigos, que ressurgiram com o grupo em memória a Marcelinho que partiu. "Tenho certeza que ele deve estar muito feliz da gente voltar a cantar", acredita.
Com repertório diferente, as letras ganharam temas fortes, entre eles, a pedofilia. "Passamos a falar que todo mundo pensa, mas não tem coragem de falar. No rap é assim, a gente olha e escreve. A diferença é que tanta gente faz música boa, mas não coloca o que realmente existe na letra", cita.
Com objetivo de voltar olhares para os problemas, Mano escreveu canções sobre a realidade dos catadores de produtos para reciclagem também. "A gente quer falar de quem é esquecido e marginalizado, mas a ideia é que geral escute, o povo da periferia sabe de cor o que se passa lá dentro, mas a gente quer atingir as outras classes, que eles ouçam o que ninguém tem coragem de falar".
Mas para levar a produção adiante, o grupo segue na raça e sem nenhum incentivo. Preconceito é situação recorrente quando o assunto é rap. "A gente só consegue divulgar nossas músicas no boca a boca. O apoio que a gente tem é da rádio, mas nem em TV o rap aparece. Falam que o rap é música de bandido, mas a verdade é que a gente fala da minoria e isso incomoda".
Com oito músicas prontas, nada impede o grupo de se dedicar à carreira com gana. "Quem faz rap em Campo Grande tem que gostar. Voltamos pessoas maduras e hoje temos outra forma de falar. Podem ser palavras pesadas, mas não é palavrão. É só palavra que mexe na ferida e o som que a gente faz é um orgulho", declara.
Com motivos para comemorar, recentemente o grupo gravou uma música para a rapper La Pequena, da Espanha. "Um amigo está morando lá e começou a frequentar o movimento hip hop de Madri. Um dia, ele mostrou nosso som e ela estava com um trabalho para apresentar, com várias participações da América Latina. Foi aí que gravamos aqui e ela mixou o rap por lá", comemora.
Quem quiser conhecer ou contratar o grupo. O telefone para contato é : (67) 99809-1880 ou 99163-9535.