Documentário T’amo na Rodoviária resgata histórias perdidas no tempo
Com produção coletiva, artistas produziram documentário de causos e personagens do antigo centro comercial e terminal rodoviário.
Quem vive em Campo Grande sabe o que é hoje a Antiga Rodoviária, mas nem todo mundo conhece a história do glamoroso Centro Comercial Condomínio Terminal do Oeste, ou ainda Terminal Rodoviário Heitor Eduardo Laburu, como alguns preferem, em seu auge.
E foi com medo dessa perda de memória que um grupo de profissionais do audiovisual decidiu, em 2011, produzir um documentário contando toda a trajetória do prédio e das pessoas que até hoje resistem ali ao descaso ao abandono.
Lançado ontem, o documentário T’amo na Rodoviária surpreende, principalmente, pelo resgate histórico e pela abrangência de depoimentos coletados pelos produtores. Para a estreia, Givago Oliveira, diretor da obra, não poderia ter escolhido outro lugar: um dos corredores do antigo terminal. Para a produção, o grupo tirou recurso do próprio bolso e fez tudo “na cara e na coragem”, até ter o projeto aprovado por um edital de financiamento do governo do estado em 2016. “Agora aproveitamos o mês de dezembro, quando se comemora o 96º aniversário do bairro Amambaí, berço da Antiga Rodoviária, para compartilhar o resultado dessa história produzida a várias mãos”, explica Givago.
O grupo Imaginário Maracangalha fez a abertura do evento de lançamento com um cortejo que percorreu os corredores da Antiga Rodoviária, até a “sala de cinema” improvisada num dos corredores para a exibição do documentário. Fernando Cruz, diretor do grupo, fez questão de registrar que o local precisa de “políticas públicas que garantam a fruição da arte e da cultura, sem higienização, sem expulsar ninguém”, criticou ele, em referência à política de expulsão das pessoas em situação de rua que fazem hoje do antigo terminal suas casas.
Durante a pesquisa, o grupo conseguiu entender melhor a complexidade do lugar e descobrir que o prédio escondia um conteúdo muito além do imaginado no início do projeto. O documentário conseguiu captar a saudade que os mais velhos sentem ao relembrar os anos de glória do centro comercial. Muitos depoimentos, marcados pela comoção, nos fazem imaginar como era cada detalhe do prédio - as salas de cinema, as lojas, lanchonetes, restaurantes, banheiros, plataformas de ônibus, o entra e sai de gente, música rolando nos alto falantes.
A maioria dos entrevistados se mostra decepcionada com o descaso do poder público, que “só promete, promete, promete, e nada faz”. Boa parte dos comerciantes continuam ali, abrindo suas lojas, lanchonetes, barbearias; todos os dias, como se o local ainda fosse o mesmo centro comercial de décadas atrás, quando tudo girava em torno do local. Como algumas pessoas deram entrevista, mas não queriam aparecer no documentário, a saída que eles encontraram foi convidar artistas do teatro para encenarem os depoimentos.
Givago, que é morador antigo do bairro Amambaí e acompanhou o auge e a decadência do empreendimento, decidiu dar ao documentário uma pegada mais artística - incorporou a poesia, o teatro e a dança como recursos para mostrar três aspectos do tema: a região atualmente deteriorada, os comerciantes que ainda resistem trabalhando todos os dias, e o público que continua a frequentar o prédio.
A ideia de construir um centro comercial naquele lugar foi de Heitor Eduardo Laburu e a obra demorou nove anos para ficar pronta, de 1967 a 1976. Inaugurado no dia 16 de outubro, o prédio recebeu o mais importante centro comercial da cidade, além do terminal intermunicipal e interestadual de transporte rodoviário. Com 235 salas comerciais e duas salas de cinema, o espaço movimentava todo o entorno do bairro Amambaí e a região central da cidade, mas com o passar dos anos, o fechamento de várias lojas e a transferência da rodoviária em 2010 para outro lugar, o prédio enfrentou um processo de esvaziamento que estigmatizou a região, se tornando abrigo para moradores de rua e usuários de droga.
Para a atual administradora do prédio, Rosane Nely de Lima, a solução seria revitalizar o lugar e tratar os dependentes químicos que hoje ocupam o entorno do antigo terminal. “A gente precisa resolver o problema, não mudar ele de lugar. Não adianta tirar essas pessoas daqui e levar pra outro lugar da cidade, não é isso que a gente quer. Tem que ter um projeto pra atender, dar assistência”, desabafa.
O documentário, que sintetizou décadas de história em uma hora e meia de vídeo, tem produção de Mariana Sena e Cátia Santos como editora. A página da obra no Facebook já tem mais de 1000 seguidores, que acompanharam o processo de produção. Givago revela que agora, com o documentário pronto, pretende inscrever a obra em festivais e exibir em escolas, para criar um diálogo sobre redução de danos e mostrar como os espaços podem cair em desvalorização e perder suas memórias com o passar do tempo.