Há 50 anos, Miguelito prova que não há só sertanejo para quem toca rock no piano
Hoje o músico investe na música sul-mato-grossense autoral e erudita
Jaime Miguel Barrera faz parte do cenário musical de Mato Grosso do Sul há 50 anos, figura icônica tocando o bom e velho rock´n roll nas noites de Campo Grande. Hoje aos 64 anos finalmente investe na paixão da adolescência: a música erudita.
Mais conhecido como Miguelito, diminutivo de Miguel em espanhol, língua materna da família, ele conta que os ritmos e batidas chamam a atenção desde de menino, despertando o talento para a música que está há gerações no sangue.
Na história da família, o violinista Dom Jaime Aníbal Barrera foi o primeiro a pisar em terras brasileiras, onde não viveu exclusivamente da música como mais tarde o neto faria, mas não parou de tocar e nem de oferecer concertos na casa de arquitetura espanhola. Miguelito ainda guarda lembranças da primeira infância no quintal de Porto Murtinho, no imóvel transformado em museu. Lembra, principalmente, da árvore centenária ao lado da casa que está lá desde que os primeiros tijolos começaram a ser colocados na construção.
A música entrou oficialmente na vida de Miguelito aos 9 anos, quando aprendeu a tocar bateria, instrumento presente até hoje na vida do músico, que já muito cedo formou a primeira banda. Os Mini Boys" durou boa parte da adolescência em apresentaçõs feitas pelas ruas de Campo Grande antes mesmo da divisão do estado de Mato Grosso.
Apesar do domino da bateria, não é possível compor no instrumento, por isso, aos 14 anos passou a estudar violão clássico e composições naturais passaram a surgir do instrumento de corda. Mas a vocação só ganhou forma anos depois, quando aos 19 anos Miguelito ganhou o primeiro piano dos pais, que ele guarda até hoje.
Antes dos DJs tomarem conta do entretenimento nas boates da cidade, Miguelito viveu a época de ouro da música que animava os bailes no clube Surian, com a banda Zutrik nos anos 70, um "casamento" que rendeu 3 décadas de apresentações em casas noturnas, formaturas, bares e casamentos. "Juntávamos dinheiro durante todo o ano e quando tínhamos o suficiente íamos para São Paulo gravar nossas músicas, era um tempo mais difícil no cenário musical da cidade, mas também era uma aventura. Fomos a primeira banda a gravar um compacto em Mato Grosso do Sul", relembra.
Miguelito chegou a cursar Engenharia Elétrica, mas a música sempre falou mais alto e como boa "diva", se recusa a ser neglicenciada. "Não é fácil acordar todos os dias e passar horas estuando piano, praticando e compondo. Música não é só sobre inspiração e talento, precisa de dedicação e já vi muitos músicos bons perderem boas oportunidades por preguiça. É um caminho difícil, mas também é a realização do sonho de uma vida", explica.
A variação de estilos é grande. Ele chegou, inclusive, a gravar um álbum de jazz chamado "Miguelito Instrumental II". Antes de investir na música erudita e nas composições próprias, ele também desenvolveu projetos de soul music e rock clássico, entre os mais conhecidos a banda em que toca bateria e foi fundada por ele, a Beatles Maniacos.
Como projeto mais recente, ele tem passado a maior parte do tempo nos últimos 3 anos no piano elétrico que tem em casa, se dedicando às músicas autorais que desde menino fazem parte da história dele com os instrumentos, território em que encontrou o violinista Petar Krastanov e juntos passaram a escrever as partituras que preservarão as primeiras composições eruditadas sul-mato-grossenses.
Sobre a mudança na carreira, ele diz que foi uma evolução natural. "Tocar cover é divertido, sempre foi e continua sendo. Você reúne os amigos, aprende a sua parte na música e não precisa se preocupar com mais nada. Também dá mais dinheiro, mas o que, como artista eu realmente ganho com isso? As minhas composições são o meu legado para o estado e para o país, que tem cada vez menos produções culturais próprias", conta.
Na mesma casa no Bairro Tiradentes há 40 anos, além do estúdio no qual recebe os amigos e companheiros de banda, ele mostra o piano elétrico que fica na sala. No aparelho cabem, além do próprio piano, outros 5 instrumentos, o que facilita a composição das peças autorais nas quais ele explica serem focadas mais na melodia.
"Muitas vezes durante um concerto, temos mais de 20 minutos de música, um tempo que pode assutar o público e tornar a apresentação chata. Não sou o tipo de músico que toca para uma platéia dormindo, minha música acompanhou a vida e as mudanças que esse universo erudito teve. Algumas das minhas composições são de quando eu ainda era criança e que foram melhoradas com tempo", explica.
Tirar as notas do mundo das ideias é um processo natural para o artista, que compôs a primeira versão de "No End" em 20 minutos, faixa dedicada aos pais que sempre incentivaram a carreira do filho. Mas para ele a maior emoção ainda é ver outros músicos dando vida às partituras que têm origem em casa.
Por isso, para concretizar o sonho de uma vida, Miguelito pretende não apenas gravar em parceria com outros músicos as composições autorais, como também montar um portfólio completo com partituras para cada instrumento das peças feitas por ele, em que além da história do autor e dos colaborados nas apresentações iniciais, com fotos e vídeos, na última folha da pasta a pessoa encontre um CD. Dessa forma, mesmo quem não entende as linhas cheias de "rabiscos", poderá entender a obra ao colocar o CD para tocar.
Curta o Lado B no Facebook e no Instagram.
Confira a galeria de imagens: