Movimento que ataca peça infantil diz que cultura em MS não tem qualidade
Dois grupos hoje no Estado tentam censurar a arte, o MBL e o Direita MS
A “moda” da manifestação contra produções culturais chegou com tudo em Mato Grosso do Sul. Primeiro, foi um quadro nos últimos dias da exposição “Cadafalso” em setembro no Marco (Museu de Arte Contemporânea) que deputados tentaram tirar de exibição por “incentivar a pedofilia”. Na noite de sábado (14) foi a vez do movimento Direita MS ir para a frente do Teatro Prosa, contra a apresentação da peça "Judith e sua Sombra de Menino", durante a 5ª Mostra de Teatro Infantil de Mato Grosso do Sul.
O arquiteto Pietro Decenzo, de 44 anos, é um dos líderes do Direita/MS e garante que a ideia não é censurar o espetáculo, "somente boicotá-lo", o que na interpretação dele são coisas bem diferentes. “Estávamos lá para alertar os pais que a peça se trata de ideologia de gênero, que não é um assunto par ser discutido com crianças, elas só devem brincar”, afirma. Segundo ele, muitos pais deram meia volta depois de ficar sabendo o teor da história.
O grupo defende projetos como Escola Sem Partido, a volta do voto impresso e nas redes sociais tem como prática espalhar a #bolsonaro2018. Só na página do Direita/MS no Facebook são quase 39 mil seguidores.
Bem antes da manifestação, outro movimento que tem atacado bastante as manifestações artísticas, o MBL (Movimento Brasil Livre), diz ter entrado com uma ação no Ministério Público Estadual para proibir a exibição do espetáculo por ter utilizado verba pública para a montagem e circulação.
Para um dos líderes do MBL no Estado, discutir gênero é algo muito perigoso na infância. “A peça fala de ideologia de gênero, querem enfiar isso goela abaixo nas crianças, este não é um assunto que deve ser discutido no ambiente infantil, ainda mais usando dinheiro público”, pontua Lucas dos Santos, de 19 anos, coordenador do MBL em Mato Grosso do Sul.
A peça é premiada, de autoria do grupo teatral Júnia Cristina Pereira, de Dourados, com direção de Gil Esper. De acordo com a sinopse, conta a história de uma criança que vive sendo criticada por não se comportar adequadamente para uma menina. Até que um dia, sua sombra se torna a sombra de um menino e começa a atrapalhar a sua vida. Tem trilha sonora executada ao vivo, elementos do teatro de máscaras, sombras e bonecos. O trabalho busca refletir, de forma lúdica, sobre padrões de comportamento impostos a meninas e meninos.
Ambos os movimentos concordam sobre o boicote da peça para crianças, e dizem que não ligam dela ser apresentada, desde que seja para o público adulto e com recurso privado. Para eles, a infância não precisa de muita reflexão. “Crianças devem ver peça de humor, sem teor adulto”, acredita Lucas. “O Estado não pode apoiar esse tipo de produção artística”, completa Pietro.
Apesar de não frequentar museus ou produções culturais do Estado, Pietro é categórico ao afirmar que a cultura daqui não presta. “Mato Grosso do Sul é recente, a cultura aqui não tem qualidade. Já frequentei museus e peças de vários lugares do mundo, não sou ignorante”, justifica.
Lucas também diz que há outras produções que pregam assuntos que não devem haver investimentos públicos.Porém, quando questionado sobre as mesmas não citou nenhum nome de artistas. “Não quero citar nomes, mas já teve outros na universidade, por exemplo, mas lá não ligamos já que todo mundo é adulto”, enumera.
Mesmo concordando sobre a peça, os movimentos divergem em algumas questões. “Nós não somos dessa direita que apoia Bolsonaro, pesquisamos e nos embasamos para defender o que pregamos”, explica o coordenador do MBL/MS.
Ele diz não ser contra a arte. “Para mim o repasse para a cultura tem que aumentar, mas não este tipo de produção”, ressalta depois de afirmar que não tem conhecimento técnico para avaliar produções artísticas. “Muitos dos que estão se apresentando por aí também não tem, não julgo pelo mérito artístico e sim pelo que está na lei”, complementa. A autora e o diretor de Judith e Sua Sombra são professores universitários.