No papel, Tauan põe afeto de quem quer ser alguém que você gostaria de esbarrar
A ilustração dele já virou até estampa de marca. Quando o menino soube separar o Tauan do terapeuta ocupacional, compreendeu que a profissão não deveria definir quem ele era e se voltou à arte que a vida lhe ensinou dentro de casa. Paranaense que está há quase um ano em Campo Grande, Tauan pinta as cores do afeto em desenhos incríveis.
Qualquer coisa vira arte na mão dele. E as técnicas vão de aquarela ao café, tinta acrilex e argila. O papel preferido é o "craft", aquele de padaria, que junto do de seda se torna presente para conhecidos e até desconhecidos pela rua. Isso porque num dia que estava tudo dando errado, ele resolveu mudar a vibração para atrair coisas melhores.
"Tinha um monte de coisa ruim acontecendo. Um amigo me chamou para assistir a um filme e até isso deu errado. Então, já que está rodando de um jeito ruim, vou tentar fazer rodar de um jeito bom", recorda Tauan Tridapalli, de 26 anos.
Em casa, ele pegou os quatro desenhos que tinha à mão e uma embalagem para cada um, etiquetando com os seguintes dizeres: 'Agora sou seu, espero que este desenho te faça feliz e que você compartilhe amor'. Junto da mensagem vai o Instagram de Tauan e o destino foram bancos de ônibus, food parks e até o local de trabalho do amigo.
"Embalo o desenho num papel de seda, faço outra embalagem com craft, desenho, coloco adesivo, barbante e jogo em algum lugar por aí", descreve.
As ilustrações são feitas pelo Tauan desde menino, influência que vinha da simplicidade da família. "Meu avô trabalhava como pedreiro, meu tio também e ele fazia tudo com resto de obra. Se sobrava barro, alguma coisa, ele dava um jeito de fazer uma máscara, uma escultura. Minha avó era costureira, então meu contato foi com a arte desde cedo e não aquela do Louvre, mas uma arte de vida", descreve.
Formado em 2016, foi depois de uma crise de identidade que o currículo dele foi indicado para uma vaga em Campo Grande e o paranaense pegou as malas rumo à Capital.
"Quando vim para cá, achei que fosse trabalhar e a minha vida ia ser construída em volta disso. Era o que eu queria e dizia para todo mundo, que era minha vocação. Eu era terapeuta. Mas quando eu vim, tive outra crise e comecei a perceber que não. Eu fiz Terapia Ocupacional, mas eu sou o Tauan", dividiu os papeis.
Separando o que era trabalho de quem ele era, Tauan passou a desenhar de novo e receber pedido de amigos, até criar a sua marca e empresa, Ilustrauan. A experiência de vender arte já tinha acontecido anos atrás, ainda durante a faculdade na cidade de Marília. Como o pai é militar, Tauan já morou até em Boa Vista e filho de uma mulher que é tudo o que ela pode ser, o garoto põe no papel o que lhe foi ensinado. "Você não precisa ser uma coisa só. Você pode ser tudo o que quiser, dependendo da situação", reproduz.
Em Campo Grande, as flores que estampam um vestido ou blusa, como convir a quem for usar, foram feitos para a marca Canarito, em um dia em que ele tirou para pensar na vida lá no Parque das Nações Indígenas.
"O que me inspira? Você me inspira, você, o desenho deste tapete, o padrão do piso, o calor. Enfim, acho que a vida me inspira como um todo", reflete. E a maneira como isso acontece é explicada didaticamente: um papel amassado no chão que para a gente pode ser lixo, para ele é fonte para criatividade. "Vou enxergar várias possibilidades ali. Tudo conversa comigo de algum jeito e mesmo que aquilo não te represente nada, representa para mim. Acho que a gente vê o mundo do jeito que a gente é".
Tauan atraiu a positividade para si, fazendo o descarte das reclamações diárias. Exercício difícil, que exige esforço, mas que se transforma rapidamente em desenho. "Às vezes estou num lugar e não consigo nem conversar, porque eu estou vendo tanta coisa ao mesmo tempo, tanta gente e quero transformar aquilo num desenho, num escrito, em alguma coisa", inquieta-se.
Os trabalhos são feitos para surpreender, a começar pelo número de embalagem e o barulho do desembrulhar, que remetem à infância do menino que guardava os papeis de presente embaixo da cama, como reza a lenda, a fim de atrair mais.
"Você sempre começa desatando um nó. Vai ter o laço que você tira e enquanto vai abrindo o desenho, vai olhando o que está pintado. E assim você abre mente, coração", explica.
Distante 600 quilômetros de tudo aquilo que lhe é familiar, a mudança para Campo Grande fez o ilustrador se agarrar a ideia de que aqui ele poderia ser quem era, inclusive abraçando seus defeitos. "Eu posso e vou transformar a minha vida. Vim para cá distante de tudo e de todos e essa é a chance que eu tenho de ser, exatamente, a pessoa que eu quero ser, quem eu gostaria de esbarrar na rua de repente e compartilhar alguma coisa", relaciona.
O que foi é bem aceito, mas o que vem, mais que isso, é bem vindo. "Eu tento me transformar todos os dias numa mudança de hábito, no que eu quero. Eu quero ser feliz? Então eu vou e o 'ser', ganhou uma proporção tão grande na minha vida que hoje o que mais me atrai em alguém é a conexão que eu faço", descreve.
E as conexões são passadas para o papel com maestria. No ápice de um relacionamento desgastante, Tauan se permitiu sentir e colocar no papel o que veio à cabeça. O presente não foi bem aceito pela outra parte. Era um coração humano rodeado por uma bomba e uma granada. Prestes a explodir, o que ele queria dizer com isso era que se o outro permitisse a explosão, o peito se transformaria em amor.
Rejeitado, o presente foi anunciado nas redes sociais e arrematado por uma desconhecida. Junto do desenho, Tauan escreveu suas justificativas e motivações em uma carta e dias depois, teve o feedback.
"Ela me contou que estava sentindo uma coisa muito intensa quando viu o desenho e que vivia um período de divórcio. Aquela era a situação dela também, de se deixar explodir para se encher de amor", explica.
Tauan gosta de desenhar para quem ele conhece e também para quem percebe que precisa, de certa forma. "Gosto de trabalhar com afeto. Você não está comprando um desenho, está comprando emoção, uma experiência. Então por isso o pacote, o jeito de abrir, o barulho. E não quero que seja só um pedaço de papel na sua parede. Isso vai ser um ponto, dentro de você, de alguma coisa. Precisa se comunicar e te afetar, de algum jeito".
Acompanhe o trabalho de Tauan pelo Facebook "Ilustauan".
Curta o Lado B no Facebook.