A 144 km da Capital, Perdigão é distrito de encontros e memórias
Paisagem bucólica e distância da vida urbana proporcionam uma viagem no tempo para quem ouve e lê as histórias do lugar
Doces memórias “habitam” as lembranças e o coração de quem vive ou já se despediu do distrito Perdigão, localizado a 20 quilômetros de Rio Negro, município a 144 quilômetros de Campo Grande. Ali o que conta é a relação com a terra, com a comida, com o clima e outras culturas. Quem chegou ao distrito, muitos e muitos anos atrás, hoje se orgulha da vida que ficou marcada pelo progresso e a irmandade entre vizinhos.
Lembrada pela terra fértil, com as plantações de feijão, milho, arroz e a crescente pecuária na região, Perdigão tem escola, bares, conveniência, mercadinho e uma igreja católica. A cada pergunta se é um lugar bom para viver ou se há lembrança boa da região, a resposta é antecedida por muitos elogios.
Quem viu a família fincar raízes e erguer paredes décadas atrás para fazer do lugar uma civilização guarda o passado com carinho. Do clima fresco das madrugadas de colheita às festas tradicionais promovidas pelos moradores. Dolírio Barbosa do Amaral, 57 anos, não se esquece dos momentos vivenciados no distrito e carrega no peito o orgulho de ser o neto mais velho do fundador, seu Peri Rodrigues do Amaral.
O neto conta que quando Peri, por volta de 1963, resolveu lotear parte de sua fazenda, nasceu Perdigão. O nome oficial do distrito é Nova Esperança, porém ninguém acostumou a chamá-lo assim, e prevalece Perdigão, nome da propriedade do fundador, terra que à época também era ninho de perdizes.
Quem chegou primeiro e deu vida àquela nova região também foram os trabalhadores de lavouras. Nicolau Hiroto Koga, 50 anos, nasceu e cresceu em Perdigão. Ele passou 20 anos da sua vida morando e trabalhando no Japão, mas quando voltou ao Brasil não cogitou outro lugar para viver que não fosse ali.
“Aqui é um lugar tranquilo para morar. Tive uma infância boa e tranquila, tenho amigos verdadeiros que hoje não se encontra mais”, esclarece Nicolau. Ele voltou a morar no local em 2015 quando chegou do Japão. Para ele, a calmaria do lugar é bem-vinda e abraça quem volta em busca tranquilidade.
Com a professora e escritora Adriete Cruz do Nascimento, 41 anos, não foi diferente. Ela morou no distrito até os 20 anos, mas sua família continuou por lá, o que manteve firme sua relação com Perdigão. “Ao menos uma vez por mês eu o frequento, com muito orgulho”, diz.
De tão tranquilo não há situação que passe despercebido no distrito. “Se acontece alguma coisa com um dos moradores todo mundo fica sabendo. Coisa de cidade pequena...”, acrescenta Nicolau.
Agora, ele aproveita o sossego para cuidar da pecuária desenvolvida na chácara do pai que está 87 anos de vida e cresceu produzindo na região. Pelo distrito, com tamanho de vila, se contabiliza algumas dezenas de casas e comércios, mas a maior riqueza do lugar está nas histórias.
O lugar até parece que vive de lembranças e ninguém vê mal nisso. Seu Dolírio ama contar o que se lembra do que viveu até os 12 anos em Perdigão, lugar que não dava espaço para “passar dos limites”. “Meu avô era tão conhecido, que quando alguém fazia bagunça na região e era pego pela polícia, os policiais levavam o indivíduo até meu avô, que dava um sermão daqueles e a pessoa nunca mais fazia bagunça”, lembra.
Mas bagunça era acontecimento isolado. Em Perdigão, a bandeira da felicidade “abraçou” as famílias por muitos anos e é assim até hoje quando filhos e netos retornam ao local para visitas. Desde o início, formado por famílias sul-mato-grossenses, o distrito também recebeu muito imigrantes japoneses. Neto do fundador se lembra de uma das festas em que as bandeiras japonesa e brasileira ficavam lado a lado hasteadas na frente da igreja. “Era muito bonito ver. À época ocorria uma festa e uma gincana, com corrida de ovos na colher, corrida de sem metros e muito festa”, conta.
Perdigão também sempre foi campo bom para futebol, ainda hoje, apesar de muita gente ter ido embora, o campinho continua para receber torneios de amigos e moradores sempre que há festas na região. “Ainda naquele tempo Perdigão conseguia formar uns cinco times. Hoje, quando há o nosso encontro, a turma faz questão de reviver o futebol”.
E não é só o bate bola que deixou saudade. As festas na igreja também foram muito especiais. “Impossível não se lembrar das festas de junho, que aconteciam sempre em três noites de festa, sendo 13 de junho a data principal, por ser o Dia de Santo Antônio, padroeiro do local. Essa festa literalmente era divina”, lembra Adriete.
A professora também atribui os bons momentos a mãe, que foi professora e lecionava na escola rural. “Ela ensinava, fazia a merenda, limpava a escola e ainda brincava no recreio conosco”, recorda. Ao lado das amigas, limpavam os frangos e perus, no rio da Senhora Buga, personagem marcante da região pelo rio que passava no quintal. “Esse fato foi marcante porque os recursos do local sempre poucos e obrigava seus moradores a trabalharem em comunhão”.
Nos domingos de missa, os moradores vestiam as melhores roupas, à tarde o futebol dava continuidade à diversão. “O senhor Dedé, senhor Neto (meu pai) e o senhor Anacleto eram os desportistas da minha época”, enfatiza Adriate.
Apesar da distância da vida urbana e a paisagem bucólica pelo distrito, há pontos inesquecíveis que viram poesia na vida de quem foi embora mas guarda no coração, no cheiro das árvores, na música das festas e no cafezinho com os moradores a saudade.
“Morei em Perdigão de 1963 até 1979. Fui professora e também farmacêutica, dona de bolicho e costureira. À época me chamava de Fugência, uma referência ao personagem de um livro que fazia de tudo. Foi uma época muito boa da minha vida”, descreve a professora aposentada e poetisa Nevez Herculana Ramos, 77 anos.
Para ela, Perdigão era, naquele tempo, “um pedacinho de céu”. “Lembro-me da escola feita de tábua e uma varanda no meio, com uma cozinha ao lado onde havia um balde que servia para pegar água no córrego e beber. Era tão interessante aquilo e parece-me que era o pedaço de céu que a gente viveu, onde o aluno era amigo da gente e a festas que a gente fazia eram as melhores da vida”.
Com tantas lembranças, há três anos ex-moradores criaram uma festa que reúne atuais e antigos moradores de Perdigão. O evento ocorre durante o feriado no mês de outubro e reúne centenas de famílias. “É um momento para matar a saudade e provar que, embora o tempo passe, o que é bom fica e vale a pena ser lembrado”, diz Nevez.
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