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Comportamento

Abdoral quis saber o que era bom em Campo Grande e se apaixonou

Há 40 anos, o nordestino deixou sua cidade natal, em Pernanbuco, após se apaixonar pela Capital Morena

Por Idaicy Solano | 26/08/2024 08:06
Campo Grande News - Conteúdo de Verdade
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“Eu saí de Araripina, no Pernambuco, dia 26 de junho de 1984. Em 29 de junho de 1984, eu cheguei em Campo Grande, 15 para as 4 da madrugada. Eu lembro até hoje, há quase 40 anos. Quando eu cheguei em Campo Grande, eu lembro que eu olhei o relógio e estava lá, um ponteiro ia para as quatro e o outro estava lá no 15 para as quatro. Eu não conhecia nada, eu nunca tinha andado para longe”, relata Abdoral Neri de Oliveira.

Há quatro décadas vivendo na Capital Morena, o mecânico Abdoral Neri de Oliveira, de 62 anos, inicia seu relato relembrando a primeira vez que colocou os pés na cidade, e explicando o que fez o nordestino deixar a terra natal e se mudar para quase três mil quilômetros de distância de casa. A primeira pessoa da família a vir para Campo Grande foi sua tia, e pouco tempo depois, quatro, dos 11 irmãos, também vieram morar na Capital Morena.

“Sempre que eu escrevia pra eles, perguntava ‘quando vocês vão voltar?’, e eles falavam, ‘só se for pra passear, pra morar, não tô querendo mais voltar pro Nordeste’. E aí eu, com curiosidade, pensei, ‘então vou lá, saber o que tem de bom desse lugar, que quem vai não quer mais voltar’. Aí vim e também fiquei. Nessa brincadeira já fazem 40 anos que eu moro em Mato Grosso do Sul e não tenho a mínima vontade também de mudar dessa Capital”, explica.

Em sua cidade natal, ele se tornou um dos melhores mecânicos da região, até tomar a decisão de se mudar para Campo Grande, influenciado pelos irmãos, e em busca de aperfeiçoar suas habilidades. “Eu sempre gostei da minha terra, mas eu precisava me profissionalizar pra não sair por aí dando murro em ponta de faca. Foi quando os meninos também falaram que não queriam voltar, e eu pensei ‘se esse lugar é tão bom assim, então eu tenho condição de evoluir’”, relata.

Ar puro e condições de trabalho 

Em solo campograndense, Abdoral encontrou a tal ‘oportunidade de evoluir’ que estava em busca quando deixou Araripina. Ele relata que passou anos trabalhando para um rapaz paulista, que lhe ensinou muitas habilidades no ramo da mecânica, e foi um dos responsáveis por lhe ajudar a conquistar a oficina que tem hoje.

“Ele tinha duas lojas de peças e uma oficina. Não dava conta de cuidar das três empresas, aí ele me arrendou a oficina. Fiquei 13 meses com a oficina arrendada, mas como eu queria montar um comércio próprio, parti para isso. Comprei terreno, construí e montei. Quando ele se aposentou, começou a indicar os clientes para mim. Tenho cliente desde a época que trabalhei na outra oficina”, relata.

Se boa parte dos moradores de Campo Grande acham que a cidade é uma ‘Capital chata’, Abdoral discorda completamente. Ele orgulhosamente se considera sul-mato-grossense, porque, segundo ele, ‘a idade já permite’.

"Campo Grande ainda é uma capital muito boa pra se viver, tanto na questão de segurança, além de ser um lugar ainda que tem um ar puru. Essa é uma cidade muito boa, e mesmo com as dificuldades que tem, eu achei muita gente boa pelo caminho. Eu sou de Campo Grande e quero nem saber, nem que me mandem embora, eu quero ficar é aqui’, expressa.

Simpatia em pessoa

Em sua oficina, Abdoral conta que é ‘conversador demais da conta’, e jura que tem cliente que vai até lá só para jogar conversa fora. Mesmo quando o tempo está curto e o serviço está grande, ele declara que faz questão de atender seu ‘povo’.

“Consegui formar um número de clientes que é muito grande. Eu falo que é a família mecânica Neri. Às vezes, brinco com as pessoas e falo que eu tenho um patrimônio muito grande em Mato Grosso do Sul. O pessoal fala, ‘mas eu não vejo tu com nada’, eu falo, ‘é os meus clientes’. Graças a Deus, é uma amizade muito grande”, declara.

O mecânico também já chegou a ser candidato a vereador em Campo Grande, nas eleições de  2012. Ele detalha que investiu pouco mais de mil reais na campanha, e conseguiu 625 votos, dos quais a maioria foram dos clientes. “Pra você chegar e ganhar a confiança de 625 pessoas, sem você estar dando nada em troca, não é fácil. Mas esses são os meus clientes, eu sei que eles confiam em mim”.

O segredo para tanta confiança, ele declara que está no ‘atendimento de qualidade’. “Eu não gosto muito de falar de preço.Eu gosto de falar de qualidade.E o atendimento é aquele que cativa as pessoas”, diz.

Sempre com um sorriso no rosto, Abdoral faz questão de atender cada cliente (Foto: Osmar Veiga)
Sempre com um sorriso no rosto, Abdoral faz questão de atender cada cliente (Foto: Osmar Veiga)
Com ajuda de boas pessoas que encontrou pelo caminho, conqusitou o sonho de ter uma oficina própria e melhorar de vida (Foto: Osmar Veiga)
Com ajuda de boas pessoas que encontrou pelo caminho, conqusitou o sonho de ter uma oficina própria e melhorar de vida (Foto: Osmar Veiga)

Vida no Nordeste 

Abdoral nasceu em uma região bastante pobre, onde a principal atividade econômica na época era na lavoura. Porém, por se tratar de uma região seca, as colheitas eram bem reduzidas. O mecânico relata que por lá, a mortalidade infantil também era alta, e de quinze irmãos, apenas onze conseguiram avançar para a idade adulta.

Embora tenha crescido e trabalhado na roça durante alguns anos, ele conta que tinha bastante habilidade para consertar objetos, como bicicletas, relógios e rádios, e conseguia tirar uma renda extra trabalhando no reparo destes e outros objetos.

Até que um dia ele ouviu em um programa da Rádio Nacional de São Paulo, o comercial do Instituto Universal Brasileiro, que era uma escola de ensino a longa distância, e decidiu se inscrever para o curso de mecânica.

“Naquela época nem telefone tinha. Eu escrevi para o Instituto Universal Brasileiro, que era a escola de formação. O material era pago, na época, através de vale-postal. E aí eu pagava esse custo mensalmente, e recebia o material didático. Eu fazia a prova, botava no correio, e era uma semana para chegar, e depois mais uma semana pra mim ter uma resposta”, detalha.

Abdoral se formou em 1978, à longa distância, deixou a casa da mãe aos 22 anos, e logo começou a trabalhar em oficinas de Araripina e de cidades vizinhas. Quando ele chegou na oficina, não tinha onde morar, então pediu ao dono se ele não poderia arrumar um espaço para ele ficar. O jeito foi ‘morar’ no banheiro e dormir numa rede no barracão da oficina.

“Esses tempos eu estava contando que tinha cinco banheiros em casa. Eu pensei, eu tenho banheiro para alugar agora”, brincou o mecânico, ao se recordar dos sete meses que passou morando no banheiro da oficina.

Sempre com um sorriso no rosto, o mecânico recebeu a equipe do Lado B para conversar (Foto: Osmar Veiga)
Sempre com um sorriso no rosto, o mecânico recebeu a equipe do Lado B para conversar (Foto: Osmar Veiga)

Um dos principais serviços que ele prestava, era o de retificar o motor. Porém, só era possível fazer esse serviço na cidade de Crato, no Ceará. Então Abdoral saia bem cedo, forrava a cabeça de papelão, e caminhava três quilômetros até a cidade, com o motor na cabeça.

“Eu ganhava bem pouco, não dava pra mim sobreviver. Aí levava os motores pra retificar e o dono do carro pagava todas as minhas despesas de ida e volta. Então pra ganhar um extra, eu pegava aquele motor, botava na cabeça e ia a pé, pra mim ganhar o dinheiro do táxi, que ele me pagava pra mim ir. Fazia isso pra economizar”, explica.

Sobre voltar para a terra natal, Abdoral é sincero em dizer que, após quatro décadas, já estabeleceu suas raízes em Campo Grande. Atualmente, ele vai de uma a duas vezes ao ano visitar a família.

“Na verdade, eu sempre fui lá por causa da minha mãe, e infelizmente ela faleceu faz quatro meses. Meu pai já é falecido há muito tempo. Mesmo assim, agora em agosto, já tô pronto pra ir novamente, porque aí tem minhas irmãs, tem meu irmão que mora lá também, tem meus primos. É muita parentaiada, a família é muito grande”, finaliza.

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