Afeto brasileiro conquistou padre indiano que aprendeu português com pedreiros
Alegria de Jesudhas é lembrar dos pedreiros que trabalhavam na construção da paróquia e lhe ensinaram falar português
Em uma sala pequena da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, nas Moreninhas, o padre Jesudhas Jesuadimai Fernando, de 63 anos, recebe o povo com sorriso acolhedor. Ele veio da Índia em 1975, para ser missionário em Campo Grande. Hoje, fala do que deixou para trás e do que não foi possível trazer na bagagem, mas sempre com gratidão por tudo que aprendeu no Brasil.
Entre lembranças da terra natal, surgem as dificuldades e também alegrias de se viver longe no ponto mais alto do sul da Índia, em Kanyakumari, onde nasceu. "Eu cheguei aqui emprestado. Dom Vitório Pavanello foi quem me chamou. Mas um dos motivos que me fez aceitar foi quando li um artigo em um jornal da Índia que falava que quase 100 mil católicos se tornam evangélicos no Brasil por falta de sacerdotes. Sei que não ia mudar o mundo, mas esse foi início da minha missão por aqui", lembra.
Ele fala com alegria do jeito que foi recebido pelo povo campo-grandense, principalmente, pelos trabalhadores, os primeiros a lhe estenderem a mão diante dos problemas com o idioma. "Eu não sabia nada de português e o padre que me recebeu não arrumava professor para me ensinar a falar".
Durante a construção da igreja ele encontrou a chance de aprender. "Eu passava de três a quatros horas ao lado dos pedreiros e aprendia a língua. Foi observando eles falarem e tentando absorver. Eles conversavam comigo e as primeiras palavras foram saindo. Posso dizer que aprendi o português com os trabalhadores", diz orgulhoso.
Depois foi progredindo no idioma com ajuda dos alunos de catequese, mas a dificuldade em falar ainda provocava risadas durante as missas, ele conta. "As pessoas riam quando eu falava. No começo até pensava que elas estavam gostando da minha missa. Mas depois percebi que era do meu jeito enrolado".
O medo receio de falar mudou quando um ministro da igreja que observava de longe o progresso de Jesudhas, fez ele encarar de vez o público. "Tinham 300 pessoas olhando o meu drama no altar. Era um dia de missa lotada e o ministro pediu para que eu pregasse. E não tive como negar. Tanto que até hoje não sei como consegui falar e todo mundo aplaudiu de pé", lembra.
Mas a chegada revelou outras surpresas ao indiano, principalmente com a gastronomia e o comportamento daqui. "Quando eu via as mulheres chegando de mini saia na minha missa, eu achava que aquilo significava pobreza e que aquelas pessoas não tinham condições de comprar uma roupa. Só depois fui entender que aquilo era moda por aqui", ri.
Depois o choque cultural veio com a comida. Até hoje Jesudhas não consegue comer o arroz e o feijão tradicional no cardápio brasileiro. "A comida daqui tem um tempero suave. Na Índia os temperos são fortes, usamos muito açafrão, cominho, coentro e pimenta".
Por isso, de vez em quando ele vai para à cozinha, preparar alguns pratos indianos para outros sacerdotes. Uma maneira de cessar a saudade do país. "Um dos pratos que faço é o "Sambar", semelhante a uma sopa de legumes com molho bem picante. É o que mais faço para outros padres indianos ou brasileiros sempre que vão à minha casa aqui nas Moreninhas", conta.
Quanto ao churrasco foi mais uma surpresa. Principalmente, porque na Índia para quem segue o induísmo o gado é sagrado. "Mas como minha família é católica, consumimos carne de gado, mas em pouca quantidade. Inclusive, na minha região é a carne mais barata. O mais caro é o carneiro e o que predomina na mesa é o peixe".
Mas foi em Roma, na Itália, que ele descobriu a tradição brasileira do churrasco. "Conheci essa cultura na década 70, era 1º de maio, Dia do Trabalhador e padres brasileiros se reuniam em Roma para um churrasco naquele dia. Foi uma surpresa ver tudo aquilo de carne assando".
O menino danado que decidiu ser padre - Jesudhas veio de uma família católica na Índia. Cinco primos e um dos irmãos também são padres. Mas ele era o que os pais menos acreditavam que seguiriam o caminha da religião. "Eu era um menino terrível e danado. Tanto que meus irmãos iam e voltavam todos os dias da escola de ônibus. Eu era o único que ficava no internato durante a semana", lembra.
Mas foi depois de formar em Biologia que Jesudhas decidiu ser um sacerdote. "Eu contei para os meus pais que desacreditaram. A família não achou que um menino danado como eu seguiria com fé a vida religiosa".
E Jesudhas mostrou em missão qual era o seu sonho. "Entrei para o seminário aos 21 anos e me tornei padre pela Diocese de Nagaland, um dos estados da Índia".
O padre serviu à comunidade indiana durante 13 anos até chegar no Brasil. O sonho também foi ser missionário na África, mas que não realizou. Hoje, a vontade é ainda voltar para Índia e ajudar às comunidades de lá. "Ainda tenho vontade de voltar para minha região e ajudar o povo".
Mas declara admiração aos brasileiros. "O povo do Brasil é um povo que quando sabe à verdade, vai à luta. Muitas coisas ruins acontecem por falta de conhecimento, mas eu tenho certeza que quando todo o povo saber como caminhar, ele vai lutar por um país melhor. Porque o povo daqui luta e tem afeto".
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