Amigas com câncer raspam o cabelo de Emily com remix e luzes
Além de sensível, ato foi misto de dança, amor, risadas e emoção com trilha da novela Laços de Família
Apesar de ser a segunda vez que a cabeleireira Emily Coffacci precisa raspar os cabelos por causa do câncer, quando os fios caem no chão e os olhos falam sem palavras, ela chora pela primeira vez. O momento podia ser apenas uma cena triste de quem perdeu os cabelos para a doença, mas para ela e as amigas, Eliza Montes e Ilma Teodoro – que também lutam contra o câncer – o ato, além de sensível, foi um misto de dança, amor, risadas e até remix da música-tema de Laços de Família.
O grupo inseparável, que se batizou de “meninas superpoderosas” ou “oncofriends”, comemorou mais um ano de vida de Emily e raspou a cabeça dela ao som de Love by Grace, trilha sonora famosa da atriz Carolina Dieckmann na novela. Inclusive, Emily fez questão de que a música tocasse, mas de um jeito diferente.
A filha foi quem participou da estreia da mãe no mundo “livre de pressões”, como elas chamam. Na época, ela precisou ser forte pela criança, que também segurou o choro. Agora, ela se permitiu derramar.
As lágrimas não são apenas pelo cabelo, mas pela volta de um câncer que ela achou que não veria tão cedo. No chá da tarde organizado pelas três, o assunto na mesa variou de felicidade, aceitação, raiva, medo e paz. Segundo Emily, pacientes oncológicos têm “picos” de sentimentos extremos: em um dia querem morrer, no outro viver e viajar.
Sobre a trilha sonora, ela conta que escolheu a dedo e que queria ter o momento “Carolina Dieckmann”.
“A primeira vez que raspei a cabeça foi minha filha que raspou. Ela era uma criança de 12 anos. Na hora que ela raspou eu não consegui chorar, eu comecei a rir porque ela foi tão forte. Dessa vez vai ser com minhas amigas e vou poder ter esse momento.”

Uma é boleira, a outra, jornalista, estilista e atriz; e a última, corredora e cabeleireira. Juntas, elas formam um trio imbatível e fazem questão de manter a fama. A corrida chegou na vida de Emily para tirá ela do sobrepeso. Desde então, se tornou paixão e o motivo de ter descoberto o segundo câncer.
“Eu achei tão bonito a corrida, falei para o meu marido e começamos. Depois de 6 meses, corremos 3 km em uma prova. Foi onde ganhei a primeira medalha da minha vida. Hoje virei meia maratonista. A gente viaja para correr. Quando eu descobri o primeiro câncer, foi pesado. Eu estava em uma fase boa de treinamento, me alimentava bem, treinava. Nunca imaginei que poderia desenvolver e não tenho histórico na minha família".
A descoberta do primeiro câncer veio através do autoexame, um caroço na mama. O segundo, com um cansaço excessivo após uma prova de corrida e uma bolinha na axila.
“Depois da primeira químio, corri 6 km e criei uma hashtag: ‘vou botar esse câncer para correr’. Falava que era pra ver quem iria cansar primeiro. Na segunda vez, não senti nada externamente. Algum tempo depois descobri uma metástase no fígado.”
Ela explica que o primeiro diagnóstico foi um baque, que viveu o luto e tentou aceitar e ressignificar o período, mas que o segundo pegou ela de surpresa.
“Agora o psicológico ficou muito abalado. Passei dias tentando entender e aceitar. Foi muito rápido.” Para ela, as amigas são irmãs que o câncer deu, com vínculo forte e sem explicação. Todas se conhecem no Hospital Alfredo Abrahão, em Campo Grande.
“A paciente oncológica é uma montanha-russa. Hoje ela tá bem, amanhã ela quer morrer, depois de amanhã quer viajar e viver. A gente se entende e se apoia. É um vínculo de irmãs. As pessoas veem a paciente oncológica e acham que ela tem que estar xoxa, capenga e ter a cara do câncer e a gente não tem. A gente se arruma, faz festa, faz chá. Fazemos karaokê, canta e colocamos tudo para fora.”
Sem cura
“A gente tem pressa de viver. Quando você olha no espelho e lembra da doença, é como se a morte te visitasse todo dia para te lembrar que você não é eterna. Você está vivendo o que você quer viver? O diagnóstico não é o fim, é o início de uma nova jornada.”
Essas são frases da jornalista e atriz, Eliza Montes, que descobriu o câncer, sem cura, em 2022, com 38 anos. Na época, ela custou a acreditar porque era jovem.
“Na minha cabeça não combinava muito. Câncer? Mas, infelizmente, hoje é comum mulheres jovens terem. Quando descobri ele já era metastático, estava avançado. Naquele momento eu achei que iria morrer, porque era estágio 4. Estava no pulmão, axila, mama e fígado.”
Para evitar que a doença fique fora de controle, Eliza precisou retirar os ovários e fazer protocolos de bloqueadores hormonais, pois o tipo da doença nela é o hormonal. A medicação que ela precisa tomar a cada três semanas custa R$ 75 mil a dose.
“Não tem no SUS, tive que entrar de forma judicial. Ela tem químio com imunoterapia. Ano passado, tomei 7 de 17 que era para tomar. Acabou de chegar, estava há 3 meses atrasado. O médico falou que, se eu não tomar, posso morrer.”
Fora dos problemas que ameaçam a vida de Eliza, a jornalista busca focar nas coisas que gosta e descobrir novas vontades. Este ano foi a primeira vez que ela esteve no Carnaval de Corumbá e amou.
“Já entendi que não tenho controle. Fui para o Carnaval com o meu marido. Minha família é religiosa, mas decidi que eu iria viver do meu jeito. Já vivo um inferno todo dia tratando um câncer que não tem cura e ainda vou viver na opinião dos outros? Aí a coisa ficou leve. A cura começa dentro de você quando você sabe de todos os problemas e não ignora eles, mas vive com alegria, encontrando graça em tudo o que vê. Você consegue sorrir, planejar, isso é viver. Poderia ficar trancada no quarto chorando.”
Nem tudo sempre foi assim. Ela também chegou a questionar se morrer seria menos doloroso, mas com ajuda da rede de apoio e de psicólogos a opinião mudou. Embora ainda queira, de vez em quando, interromper o tratamento que a mantém viva.

Agressivo
A história de Ilma Teodoro, de 52 anos, com o câncer é parecida. Ela descobriu em 2021 e precisou retirar uma das mamas. O dela não é hormonal, mas é agressivo. Como ela descobriu no começo, houve tempo para o tratamento. Ilma está no que os médicos chamam de “remissão da doença” há dois anos.
“Pra mim tem dois pontos que senti que foram muito difíceis. O primeiro foi ler o diagnóstico, mesmo depois de o médico ter dito. Peguei o exame e vi ‘maligno’ no nome. Quando li a palavra, chocou, me abalou bastante. Depois consegui levar com muita leveza e fé. Quando meu cabelo caiu, eu gostei. Foi libertador até, não me preocupar. Nós três gostamos. Eu não tinha vergonha.”
A segunda vez que Ilma sentiu o mundo estremecer foi após a cirurgia. “Me ver sem mama é muito difícil e triste. Eu falo e me emociono, porque foram duas coisas que me chocaram.”
As reuniões e chás da tarde são feitas na casa dela. Até karaokê acontece de vez em quando. O espaço é um ponto de apoio para mulheres com câncer e elas acolhem todas.
“Sempre falamos de tomar café com as meninas. Isso aproxima, é uma roda de conversa. Tem mulheres tristes com o diagnóstico. Elas precisam ser ouvidas, é como um abraço. A gente fala que somos as Meninas Superpoderosas, o trio imbatível. Nem todo mundo passa por isso igual. Umas sentem mais, outras menos. Perder o cabelo é diferente pra todas. A gente sempre se encontra e dá força uma pra outra e pra outras mulheres.”
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