Aos 40 anos, Karen ganhou mãe, casa e vida nova longe das ruas
Desde dezembro, ela vive na casa da assistente social que tem projeto para resgatar pessoas em situação de rua
“Ela tá me ensinando tudo, cada dia parece uma novidade para mim, ela era tudo que eu queria e Deus me deu”, conta Karen Pinheiro. Aos 40 anos, ela ganhou mãe, casa e a chance de viver uma vida bem diferente da que precisou levar desde que foi abandonada pela primeira família.
Natural de Santa Bárbara d'Oeste (SP), Karen sempre soube que era diferente e que gostava de meninos. Aos 12 anos falou para o pai que queria ser travesti e como resposta recebeu um soco na boca. Depois, a família a encaminhou para uma instituição onde deveria ‘aprender a ser homem’.
“Me levaram para uma igreja que era tipo para recuperar usuário de drogas. Me pegaram beijando um menino e ligaram para minha família. Foi onde meu pai me jogou na rua, fiquei morando na rua, aí peguei carona e fui pra capital”, recorda.
Aos 14 anos, Karen colocou o primeiro silicone e passou a ‘ralar’ na prostituição. “Mas nunca roubei ninguém”, faz questão de dizer. Na mesma época, ela também escolheu o nome que hoje usa, o nome que a seguiria na vida onde não precisaria virar homem, mas que exigiria um preço alto em troca.
Nas ruas de São Paulo, ela conheceu uma travesti que é lembrada durante a conversa. Essa amiga descrita como uma pessoa ‘muito legal’ era de Campo Grande e foi assim que Karen veio parar na cidade há 20 anos. “É a cidade que eu amo, onde as pessoas conversam comigo, é um máximo”, diz.
Na Capital de Mato Grosso do Sul, ela ‘rodou’ pelas ruas onde continuou se prostituindo, catando latinha para vender e usando o pouco dinheiro que tinha para comprar drogas. Foi nessa condição que a assistente social, Sonia Wolff, de 60 anos, a conheceu a quatro anos atrás.
No Bairro Guanandi, a assistente social trabalha na Ceaca (Associação Apoia a Criança), que atende crianças de cinco meses a oito anos. “Eu abri esse outro lugar aqui na esquina para crianças de 6 a 15 anos. Foi onde ela passava e eu acolhia porque já estava no meu projeto", comenta.
O projeto mencionado pela assistente social é a ADV (Associação Dignidade à Vida). Desde 2022, Sonia está à frente do projeto que oferece cursos de corte e costura e apoio psicológico para pessoas que vivem em condição de rua.
No bairro, ela transformou uma casa abandonada na sede da ADV. O lugar, que estava praticamente em ruínas e servindo de ponto para pessoas consumirem drogas, ganhou outros ares desde que a assistente social chegou.
Voltando a história de como se conheceram, a assistente social lembra que Karen sempre aparecia na Ceaca suja e com fome. “Ela tomava banho lá, eu deixava a roupa separada e ela comia. Depois ia embora e aparecia toda detonada de novo. Nisso foram quatro anos”, afirma.
Durante esse tempo, Sonia conversava, tentava a convencer a mudar e oferecia ajuda para isso. Karen lembra como era tratada e pontua que só a assistente social tinha essa atitude. "Eu ia tomar banho no projeto e ela segurava na minha mão e ficava assim: ‘Queria tanto que você viesse dormir aqui para não dormir na rua’. Eu falava que não queria, que gostava de dormir debaixo da árvore, mas teve um dia que cansei. É raro alguém falar pra você mudar de vida e te estender a mão”, fala.
Em dezembro de 2023, Karen passou mais uma vez na sede do projeto para ver Sônia. Naquele dia, ela foi convidada a passar o Natal na casa da assistente social e por pouco não aceitou. Karen tinha comprado drogas, planejava usar assim que saísse do lugar, porém mudou de ideia.
Ela vendeu a droga e com o dinheiro comprou doces na padaria para a assistente social. Desde o Natal, a assistente social acolheu Karen que agora tem casa e uma cama quentinha para dormir. Os dias nas ruas, consumindo drogas, catando latinha e dormindo embaixo de árvores ficaram para trás.
Ao lembrar desse dia em dezembro, ambas choram. “Eu sei que não sou uma pessoa perfeita, mas eu tenho um amor tão grande por ela”, declara Karen. Já assistente social relata como é ter ganhado mais uma filha. “Eu falo que é um presente de Deus porque meu ninho estava vazio. Meus filhos todos casaram, perdi um na Covid e estava só eu e meu marido. Estou preenchendo meu ninho de novo, o filho do coração a gente não escolhe, Deus dá”, destaca.
Sobre o motivo de ter escolhido Karen, ela explica que na verdade não é bem assim. “Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos. Muitos não aceitam, tive várias pessoas que passaram por aqui, mas preferem o mundo. Ela escolheu e aceitou a escolha de viver uma vida”, diz.
A intenção de Sonia é poder continuar ajudando pessoas como a Karen através do projeto ADV. Agora, Karen planeja estudar e, assim como a mãe, ser assistente social.
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