Aos 55 anos, uma das prostitutas há mais tempo na ativa hoje só investe no batom
O “nome de guerra” é Rosa, mas Rosângela dos Santos não tem vergonha e nem medo de mostrar o rosto e de dizer o que faz para ganhar a vida. Solteira, mãe, avó e “garota” de programa aos 55 anos, ela se orgulha da própria história: “sou uma mulher de sorte. Me prostituo, mas nunca roubei, nunca fui presa, não tenho passagem pela polícia e nunca usei drogas”, diz, a quem quiser ouvir.
Rosa é, também, uma mulher de garra, forte e sofrida o suficiente para enfrentar os obstáculos de cabeça erguida e não se importar com comentários maldosos e com a cobrança, sempre cruel, da sociedade. Faz programa, sim, mas não deve explicações a ninguém. Paga impostos como qualquer cidadão. Contribui, inclusive, com a Previdência Social porque quer, pelo menos, viver uma vida mais tranquila quando chegar a hora de se aposentar. “Falta só dois anos. Pago há 13”, revela.
Hoje ela vive desse jeito, tem o amparo dos filhos, mas, se pudesse escolher e voltar no tempo, seria advogada, promotora de justiça ou médica cardiologista. “Mas isso é um sonho impossível”, lamenta, ao lembrar que tem apenas a 2ª série e mal sabe ler e escrever.
O Lado B foi ao encontro de Rosângela em seu local de trabalho, em um bar que fica dentro da antiga rodoviária de Campo Grande, região central da cidade. A rotina da mulher, que diz ser uma das prostitutas mais velhas da área, é corrida. “Posso daqui uma hora. Estou saindo para um programa”, avisou, quando recebeu o pedido de entrevista por telefone.
De volta ao “ponto”, ela tirou alguns minutos para conversar com a reportagem e, sem qualquer receio, voltou ao passado para contar a própria história.
Passado difícil - Filha caçula de 22 irmãos, sendo 12 homens e 10 mulheres, Rose nasceu em Guaxupé, interior de Minas Gerais. Mudou-se para Mato Grosso do Sul, com os pais - que vieram em busca de melhores condições de vida e de oportunidades -, aos 10 anos de idade. Não aproveitou a infância, muito menos a adolescência.
Com 12 anos, engravidou. “Fui estuprada. Estava indo par a escola à tarde”. Aos 13, virou mãe. Os pais, conta, lhe tiraram da escola e lhe expulsaram de casa. Rose foi morar sozinha, na rua. Sozinha, movida pelo instinto de sobrevivência, aprendeu a mendigar, para alimentar a ela e ao filho.
Andando de rua em rua, encontrou, um dia, ajuda de um desconhecido. Era um dentista, relembra, que lhe deu teto. “Ele me viu pedindo e resolveu ajudar. Alugou duas peças, comprou móveis, enxoval. Fez o básico para mim”.
Fez o básico, mas a teve como mulher na cama. “Foi meu primeiro cliente. Tinha 14 anos”, conta. Até o bebê completar 6 meses, afirma, este homem, casado, lhe deu amparo, dormiu com ela, a levou para trabalhar como faxineira em seu consultório e, depois, anunciou, solenemente, que Rose já poderia andar com as próprias pernas.
O início - Decidido, a levou para rua, para a Avenida Costa e Silva. Mostrou a ela o caminho da prostituição. A menina enxergou, aceitou e, por 15 anos, viveu a rotina de todas as noites sair para fazer programa, enquanto, durante dia, cuidava da casa e dos filhos, mais três, que ela deu a luz em uma década.
Cansada, decidiu abandonar a avenida, mas não a vida de garota de programa. Passou a frequentar então a antiga rodoviária. Na época, há 20 anos, o local estava em plena movimentação e era um dos espaços mais visitados por campo-grandenses e turistas.
Se falando em prostituição, a área era, portanto, um dos pontos mais caros da Capital. O cinema pornô, que hoje não funciona mais, oferecia vantagem para o negócio das “meninas” e servia como chamariz.
Rose pegou a “boa fase”. Em forma, com tudo em cima, pesando 48 quilos, lucrou bastante, atendendo uma média de 10 a 15 clientes por dia. “Já cobrei R$ 200,00 por programa”. Mas quando o valor era esse, a imagem dela também era outra. “Usava salto, shorts, passava maquiagem. Era um violãozinho, de ir no salão mesmo”.
A vida agora e o futuro - Hoje, 35 quilos acima do peso, Rose cobra R$ 50,00, atende 2, 3 homens por dia, mas não costuma fazer mais nem a sobrancelha. Passa protetor solar para não piorar as manchas no rosto e porque está usando ácido à noite, mas, para trabalhar, usa, no máximo, um batom vermelho.
“Não me cuido tanto. Coloco calça colada, pulseira e meu relógio. Só. Resolvi largar mão. A gente vai chegando em uma idade e se desleixa”, admite. Alérgica à maquiagem, ela diz que cansou de ficar espirrando e com os olhos lacrimejando.
Rose não se arruma mais como antes, mas se orgulha do passado, do dinheiro que adquiriu trabalhando como garota de programa e da força que teve para criar os quatro filhos. Em casa, a profissão dela sempre ficou muito clara.
“Quando perguntavam como o que eu trabalhava eu respondia: 'a mamãe trabalha namorando''. E eles, garante, entendiam. Entendem, na verdade, até hoje, afirma. Apoiam a decisão dela de continuar nessa vida e dizem que, se algum dia Rose resolver parar, eles “dão um jeito” de arcar com as despesas. “Mas, se depender de mim, acho que vou até uns 65 anos”, diz a mulher, hoje órfã de pai e mãe.