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Comportamento

Após 51 anos, com flores médico bate à porta da paciente que mais lhe marcou

Paula Maciulevicius | 26/03/2017 09:12
Nilza, a menina desenganada, Fandi, o médico que prescreveu amor e dona Carminda, a mãe de 94 anos. (Foto: Eduarda Rosa)
Nilza, a menina desenganada, Fandi, o médico que prescreveu amor e dona Carminda, a mãe de 94 anos. (Foto: Eduarda Rosa)

"Eu já tinha levado em três médicos. Desengaram ela. Me disseram para não sair de casa, não andar com ela na rua, porque ela podia morrer nos meus braços". Dos 14 filhos de dona Carminda, Nilza era a caçula. Metade deles homem, outra metade, mulher. O ano era 1965, a cidade era Dourados e o quarto consultório a abrir as portas para mãe e filha foi de Fandi Faquer, um recém formado à época.

Nilza nasceu no sítio onde a família Fernandes da Silva morava, na zona rural de Dourados. Cinco décadas atrás, dona Carminda que nunca tinha feito pré-Natal e nem tido os filhos fora de casa, soube pelo que ela chama de 'assistente' que passou pela propriedade que a menina nascida exigia mais cuidados. 

"Essa assistente falou para a minha mãe: 'cuida dessa menina que ela vai ter problema'. E eu perguntei o que era, mas para a minha mãe só disseram que ela parecia diferente", conta hoje a dona de casa Carminda Fernandes da Silva, de 94 anos.

Nilza no ensaio fotográfico feito nos seus 50 anos de idade. (Foto: Eduarda Rosa)
Nilza no ensaio fotográfico feito nos seus 50 anos de idade. (Foto: Eduarda Rosa)

O que a mãe percebeu era que o umbigo da menina tinha uma "bolinha d'água", como descreve ao Lado B. E foi por esse motivo, que ela procurou os médicos da cidade quando a menina completou dois meses de vida.

Depois das três primeiras tentativas, todas dizendo que a filha caçula não vingaria, dona Carminda se fechou em casa por dois, três dias. "Meu marido que foi na cidade e ele conhecia o pai do Fandi, um homem de negócios. Na verdade, a gente conhecia o Fandi de menino e chegando em casa ele falou, você vai levar no filho do Hayel Faquer", narra.

Na primeira consulta, que dona Carminda lembra como se fosse hoje, Fandi virou a menina de barriga para cima, chamou, chamou, mas ela não respondia. "Ele só mandou passar remédio e voltar. Quando eu voltei, ele colocou ela de bruço na mesa e ela já levantou o pescocinho e quando ele passou a lanterna, ela devolveu", recorda.

De recomendação, a mãe levou para casa remédios e a orientação para que tudo fosse feito com sentimento. "A situação era assim: era tomar um remédio, voltar lá e levar outro e que ela daria um pouco de trabalho, mas também alegria e na verdade, sempre deu para todos os irmãos. Ela é o xodó da família e de todo mundo que conhece", coruja a mãe.

Fã de Fábio Jr, ela vive para encher a família de alegria. (Foto: Eduarda Rosa)
Fã de Fábio Jr, ela vive para encher a família de alegria. (Foto: Eduarda Rosa)

Nilza não só viveu os primeiros meses, como chegou aos 51 anos pelos cuidados de Carminda, dos irmãos e sobrinhos. Fã de Fábio Jr, o diagnóstico que a mãe teve lá atrás foi o de Síndrome de Down, o mesmo que a tia de Nilza, que morreu ainda bebê. "Sabe que a minha mãe também teve uma menina assim? Mas ela morreu...", confidenciou dona Carminda, como quem lá sabe a sorte que teve da filha encontrar recursos materiais e humanos.

Nesta semana, quando se comemorou o Dia Internacional da Síndrome de Down, o médico que prescreveu amor na receita de mãe e filha, ouviu o anúncio da data no rádio, e resolveu prestar uma homenagem.

"Eu pensei em convidar minha filha, porque queria prestar uma pequena homenagem aquela criatura que eu atendi há tantos anos atrás. Até mesmo dentro da minha Medicina, eu achava improvável, sabe? Mas a força do amor da mãe e dos parentes desta moça trouxe uma lição de vida para todos nós", explica Fandi Faquer.

O médico que hoje tem 80 anos, trabalhou por quatro décadas em Dourados. Atendeu consultório na área de Pediatria e Ginecologia e Obstetrícia e foi sócio-fundador do Hospital Santa Rita. Filho de sírios que foram pioneiros na cidade, na década de 60 ele recém voltava para o município, depois de se formar na UFPR.

"Essa é uma história muito maravilhosa que aconteceu na minha trajetória profissional, porque essa criancinha, eu recém formado, há 50 anos... Ela recém nata foi trazida em meu consultório e disse: 'o senhor é médico novo na cidade, eu estou com a minha filha desenganada'. E assim procedeu e eu ao examinar, constatei que tinha Síndrome de Down. 

Na minha concepção, eu falei: 'olha essa criancinha pode desenvolver, pode dar muito trabalho, mas também vai dar muita alegria e Deus ouvi nossa premissa, e essa criança hoje está com 51 anos", descreve.

Fandi acompanhou Nilza praticamente até os 11 anos de idade da paciente, mas conta que sempre foi além do atendimento. Havia uma identificação entre ele e a família. "Eles foram os responsáveis pelo sucesso da minha profissão nessa cidade, porque eles acreditaram em mim", atribui.

A intenção dele, ao bater à porta da casa com flores, era de fazer uma homenagem simples. "Longe de mim querer aparecer, mas o caso dela foi uma vitória e dos momentos mais alegres e eu não posso esquecer na vida", afirma.

Aposentado desde 2004, Fandi continua atendendo no consultório, com uma carga horária bem reduzida e também está como médico no Detran. Com histórias que dariam um livro, ele fala que agora "vivo para as minhas duas netas maravilhosas" e também de carinho para com sua paciente mais querida, Nilza.

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"Essa é uma história muito maravilhosa que aconteceu na minha trajetória profissional, porque essa criancinha, eu recém formado, há 50 anos..."(Foto: Eduarda Rosa)
"Essa é uma história muito maravilhosa que aconteceu na minha trajetória profissional, porque essa criancinha, eu recém formado, há 50 anos..."(Foto: Eduarda Rosa)
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