Com banho milagroso, “Menino do Cascudo” ouvia vozes e dizia curar em 1944
Alcides Corrêa ganhou fama em Campo Grande em 1944, e pessoas de outros estados vinham para serem curados pelas mãos do "santo"
Na época em que quase tudo se resolvia com reza “brava”, a história de um menino milagroso tomou conta de Campo Grande. Alcides Corrêa ficou conhecido como o “Menino do Cascudo”, em 1944, e dizia curar doentes e deficientes que o procuravam. Dizia ouvir vozes misteriosas, que o mandavam cuidar dos enfermos.
A história foi resgatada pelo Lado B no Arca (Arquivo Histórico de Campo Grande), em publicações sobre o caso, feitas pelo Jornal do Comércio. Uma delas, no dia 8 de março de 1944. A matéria escrita por Heitor Cabral, falava das estranhas profecias do menino que morava no bairro Cascudo, hoje São Francisco.
O repórter foi conferir a história de perto e, na época, procurou pelo menino santo. “Uma fila extensa com centenas de pessoas aguardando a vez de receber o papelzinho com os sinais postos por Alcides para misturar na água e beber. Acho que havia mais gente que nos outros dias”, escreveu.
Heitor relatou que enquanto estava na fila para falar com o “santo”, ouvia o pai do menino, Manoel Corrêa contar os causos envolvendo Alcides. Antes da fama de milagroso, quando contou sobre as vozes que o mandava curar os enfermos, o pai não acreditou. Entretanto, a desconfiança parou quando o milagroso realizou o primeiro atendimento. O paciente era um lavrador, seu vizinho.
Manoel era ferroviário, chegou a trabalhar na empresa Noroeste do Brasil, mas largou a profissão e se tornou lavrador. Também auxiliava nos atendimentos. “Cascudo falava para o pai certas profecias. Nascerão crianças que logo andarão e falarão”, contou Heitor.
Após isso, os moradores da cidade passaram a procurá-lo na casa onde morava. A fama logo se espalhou na cidade. Na época, não existiam tantos recursos, mas as pessoas de São Paulo e Goiás vieram para à Capital em busca dos atendimentos. “Várias cidades como Lins (SP), Baurú (SP) e Jataí (GO). Os japoneses que demonstravam fé, choravam ao serem curados”, relatou na matéria.
O repórter comentou sobre o caso de duas crianças paralíticas, que aparecem na fotografia, e após serem avaliadas pelo milagroso, foram curadas. No mesmo ano, a cura também foi concedida a Maria Cândida Oliveira Barbosa. Ela morava numa fazenda em de Ribas do Rio Pardo, 97 quilômetros da Capital, com o esposo fazendeiro, Lino Barbosa.
Enfrentava problemas de saúde e até havia sido desenganada pelos médicos. Desesperado e em busca de socorro, seu marido Lino veio atrás do menino. Ao chegar no Cascudo, implorou pela cura e o “santo” respondeu. “Não se aflija. Quando chegar em casa, encontrará sua esposa completamente sã a descansar à sombra de uma mangueira”.
Posteriormente, Barbosa teria procurado o Jornal Comércio e falado sobre o caso. Contou que ao voltar pra casa, sua esposa estava sentada à sombra de uma mangueira, curada.
Banho milagroso - Outro ritual de cura do “Menino do Cascudo” era o “Banho Milagroso”. Heitor escreveu que existia um lugar apropriado para os doentes se banharem caso julgasse necessário. “Curou vários paralíticos e aleijados que entravam de muletas e saiam sem elas”, publicou.
Os atendimentos do menino eram um tanto duvidosos, e desafiavam a medicina. Após denúncias, o “santo” foi preso, no mês de outubro. Contudo, 25 dias depois, conseguiu um habeas corpus.
Tempo depois, o menino se mudou do bairro Cascudo, para a Avenida Mato Grosso com a família. “O pai do menino explicou que a mudança foi do desejo de atender os romeiros que chegavam de várias cidades”, contou Heitor no jornal.
Mudança - O menino se mudou com a família para Araçatuba, interior de São Paulo. Saiu de Campo Grande para atender sua “missão”.
Esquecimento - Hoje, 75 anos após, são poucas pessoas de Campo Grande que lembram do “Menino do Cascudo”. No bairro São Francisco mesmo, a reportagem passou por mais dez casas conversando com os moradores antigos, porém apenas a aposentada Aline Barbosa se lembrou do fato. “Anunciaram mesmo que tinha esse milagroso, que dava remédio e o povo ia lá”.
Aos 77 anos, Aline se recordou de poucos detalhes, já que se passaram décadas do ocorrido. No entanto, comentou que sua mãe conhecia os pais do menino e até saiu de casa em busca do milagre. “Ela sabia mais, mas faleceu há alguns anos. Ele atendia numa chácara onde agora é o Seminário. Eu era criança e teve uma vez que minha mãe estava indo pra lá, queria vê-lo porque faziam uma procissão para ir, mas choveu bastante e voltamos”, lembrou.
Agora, já crescida, ela comentou que duvidava que os milagres realmente aconteciam. “Milagre quem faz é só Deus. Aquilo era o meio dele de vida, o povo o procurava ansioso por cura, mas acho que nada acontecia. Depois, ele foi embora da cidade com a família”.
O motorista, Maxsuel do Nascimento, 45, relatou que ouviu falar sobre o caso há muitos anos. Lembrou-se vagamente dos detalhes. “Isso por volta da década de 90, quando trabalhava numa empresa de engenharia no bairro. Um senhorzinho que comentou sobre a história. Diz que na época, as pessoas vinham em carros de boi. Poucas coisas ficaram gravadas na minha memória”, disse. Se acredita ou não no caso, ele respondeu. “Sou mente aberta para muitas coisas. Penso que vai muito da fé”.
O aposentado, Adir Ambrósio, 79 anos relatou que morava em outro município quando soube da notícia. “Essas coisas se espalham rápido. Na época, morava em uma fazenda localizada em Três Lagoas, depois mudei-me para Campo Grande e fui morar no Monte Castelo. Isso já faz 40 anos, porém nunca cheguei ver foto e nem conheci alguém que tenha sido atendido por ele. Apenas sei que curava”, concluiu.