Criança treina até descalça e com pé ferido, mas quem quiser pode doar chuteiras
Sem os calçados as chances de acidentes aumentam e a intenção do projeto é fazê-los treinar da forma correta
Criança e adolescente não perde treino de futebol. Pode ser até de chinelo de dedo, o sonho de virar profissional e mudar de vida supera, inclusive, a falta de chuteira. Mas pé machucado não faz bem, por isso, a Escola Pública de Futebol encarou um novo desafio: arrecadação de chuteira.
No projeto que existe desde 2017, a maioria das crianças sequer têm tênis e os pés normalmente estão feridos. O programa atua em cinco parques de Campo Grande e atende mais de 1,8 mil atletas. O Lado B foi até o Parque Tarsila do Amaral, onde as crianças treinam no contra turno da escola.
Yuri da Silva, de 14 anos, é um dos mais velhos do time. Ele é morador do Vida Nova, e tem outros três irmãos, de 6, 15 e 18 anos.
Apaixonado por futebol, o adolescente não perde um dia de treino. Sem chuteira, sonha com o calçado específico para os treinos. “Principalmente para não machucar os dedos”, garante.
Morador do Tarsila do Amaral, Marcos Vinícius Delmondes da Silva, de 10 anos, tem dois irmãos, um deles que também participa do projeto. A preocupação do garoto é que o ferimento o impossibilite de participar de algum jogo. “O chão arranca os courinhos dos dedos e se estiver machucado não pode participar do próximo jogo”, frisa.
O irmão de Marcos, Matheus Oliveira da Silva, de 7 anos, admite ter uma chuteira de trava, mas que precisa de uma no modelo society para os treinos na quadra. “Jogar descalço na quadra também pode machuca o pé”, garante.
No time todo mundo já esfolou a ponta do dedo e a prova dos acidentes é Gabriel da Silva Oliveira, de 10 anos, que mesmo com o dedão sangrando foi ao treino.
Ele tem outros três irmãos e mora no Vida Nova. “Abri meu dedo ontem. Isso que acontece quando a gente joga sem chuteira”, disse.
O destaque do time é a jogadora Ana Júlia Ribeiro, de 9 anos. Na posição de centroavante, a menina é elogiada até pelos colegas, coisa rara entre crianças nessa idade.
Enquanto a reportagem conversava com Ana, outros meninos apontavam: E ela joga, hein!.
Ana tem mais dois irmãos e, entre os participantes do projeto, é a que mora mais longe, no Bairro Nova Lima. “Minha mãe me incentiva e me acompanha”, garante.
A menina já machucou os pés várias vezes e quer tanto uma chuteira que não tem preferência de cor. “A que eu ganhar vou amar”, conta.
A mãe de Ana Júlia, Valquíria Dias Guedes, de 35 anos, leva a filha para todos os treinos. “Desde pequena gosta muito. Sempre pediu bolas e eu incentivo o sonho. Ela joga bem e os guris ficam chamando ela pra jogar. Eu trago ela de manhã e à tarde ela vai para escola”, diz.
A falta de costume também é outro desafio. O coordenador do projeto, o professor Bruno Nóbrega, explica que a intenção é fazê-los treinar da forma correta.
“Muitas crianças jogam descalças. Esses dias eu consegui algumas chuteiras e durante o intervalo algumas crianças pediram para jogar descalças. Eu ainda questionei o fato de poder estar apertada ou machucando, mas depois entendi que era a falta de costume, nunca tinham usado uma chuteira antes. Pensando nisso decidimos fazer a campanha de arrecadação de chuteiras”, conta.
O treinador Marcelo Delmondes da Silva está com a criançada todas terças e quintas-feiras, no Parque Tarsila do Amaral. Ele acompanha a evolução de alguns atletas e destaca outro problema.
“Além da falta de chuteiras, o problema é o transporte. Os pais têm dificuldade de levá-los, até mesmo para os treinos. Já teve vários já não foram, mas a gente tenta fazer o melhor possível para eles não ficarem nas ruas”, explica.
O trabalho desenvolvido por Bruno Nóbrega junto a crianças e adolescentes de 9 a 15 anos de idade tem polos distribuídos por toda Campo Grande. São cerca de 1,8 mil crianças e adolescentes atendidos.
O perfil do projeto é atender crianças e também dar a eles uma oportunidade de treinar com ex-jogadores que marcaram seus nomes na história do futebol local, como Copeu, Paulinho Rezende e Gilmar Calonga.
O projeto começou atendendo crianças nos principais parques da Capital, mas o trabalho expandiu, ganhou mais adeptos e hoje conta com até seleções das categorias sub-11, sub-13 e sub-15, masculino e feminino. No início do ano, o “baby fut” começou a receber crianças de 5 a 8 anos, no Belmar Fidalgo
A categoria sub-11 do projeto encarou a primeira competição oficial em março deste ano na: “Copa Campo-grandense de Futebol de Base”. A partida aconteceu no campo do Bairro Estrela do Sul contra o Vitória Esporte Clube.
Além do coordenador, compõe a comissão técnica do time atletas e treinadores de renome como: Paulo Rezende – com passagens em times dentro e fora do Estado – e “Copeu” – que já jogou ao lado de Pelé no Santos. O projeto atende também os distritos de Rochedinho e Anhanduí.
A preocupação é dentro e fora de campo, já que só podem participar do projeto alunos regularmente matriculados em escolas públicas ou privadas com bom desempenho. Além disso, o projeto conta com o apoio da distribuidora Copagaz e do banco Sicredi.
A campanha vai arrecadar chuteiras novas e usadas e tênis durante esse mês. Os interessados podem procurar os Parques Ayrton Senna, Jacques da Luz, Elias Gadia, Tarsila do Amaral e Guanandizão ou diretamente com o coordenador Bruno no WhatsApp (67) 9122-7340.