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Comportamento

Cris vira página com playlist para perdoar 17 ex-namorados

Por trás de cada canção, ela revela as histórias sobre os relacionamentos tóxicos que vivenciou

Jéssica Fernandes | 30/01/2022 09:25
Composição do Kid Abelha integrou playlist do perdão. (Foto: Jéssica Fernandes)
Composição do Kid Abelha integrou playlist do perdão. (Foto: Jéssica Fernandes)

Para alguns perdoar é algo fácil de ser feito, enquanto para outros é um desafio e tanto. Nesta semana, o Campo Grande News fez uma enquete com o seguinte questionamento: "Você tem dificuldade para perdoar?” O resultado foi apertado e revelou o quanto o assunto é delicado e divide opiniões. Entre os leitores, 51% escolheram o sim como resposta ante aos 49% que optaram pelo não.

No Voz da Experiência de hoje, o Lado B apresenta a história da Cris* que criou uma playlist para perdoar diversos homens que passaram pela sua vida. Ela conta que, com a maioria dos 17 ex-namorados, vivenciou relacionamentos tóxicos e abusivos.

A ideia de desenvolver a playlist ocorreu após regressar das férias e no início de 2022. Apesar do “detox musical” ser focado aos ex-companheiros, Cris quis incluir o primeiro homem com quem teve uma relação conturbada: o pai.

“Meu pai foi muito presente na minha vida até os 10 anos. Na época, ele era militar e quando ficava o dia todo no quartel, trazia uma maçã argentina para mim, porque era a sobremesa do quartel. Chegou uma hora, que não sei dizer em que determinado tempo, ele deixou de levar maçã para mim. 

Para mim, na adolescência, ele se transformou em outra pessoa. Ele era extremamente exigente, censurador, não deixava eu sair. Um dia, escrevi uma carta dizendo para ele o quanto eu me sentia abandonada, o quanto era triste. Ele corrigiu toda minha carta de vermelho, colocou na geladeira e colocou uma observação: antes de falar, aprenda a escrever. Acabou comigo. 

Desde então, a minha vontade era de me livrar daquela prisão, virei uma mentirosa profissional para poder sair com os amigos. Eu lembrei disso e penso que essa é a origem do que algumas pessoas chamam de dedo podre. Sempre procurei uma pessoa que era o oposto do meu pai. Eu não queria gente séria, queria gente doida, que não gostasse de regras. Para ele, escolhi “Amor de Índio", porque lembro que ele me deu o cd do Milton Nascimento e é a música que gosto.

Eu coloquei meu primeiro namorado da infância, comecei a namorar com ele aos 10 anos e meu primeiro beijo foi aos 11. Para ele, escolhi uma música do Kid Abelha que fazia muito sucesso na época. Com ele, só visualizei e agradeci muito por ter sido o meu primeiro namorado e por termos descoberto tantas coisas juntos.

Rita Lee fez parte da lista de músicas da Cris. (Foto: Reprodução/ Redes sociais)
Rita Lee fez parte da lista de músicas da Cris. (Foto: Reprodução/ Redes sociais)

Eu morava em uma vila e todo mundo se relacionava. Um dia, muito jovem, resolvi que iria trabalhar na escolinha e conheci um menino que trabalha na locadora. Toda tarde, eu inventava uma desculpa para ver ele. Hoje, vejo que inventei na minha cabeça a nossa relação. Ele me colocava no colo dele, eu era muito inocente, então tem umas coisas muito sexualizadas que ele fazia e eu não conseguia interpretar. Eu inventei que era uma relação romântica, mas ele era um porra louca, fumava com 14 anos. Ele gostava de Rita Lee, então coloquei uma música dela para ele.

Depois vim para Campo Grande e conheci o Rodrigo** em um clube. Eu via ele como namorado, mas ele não me via como namorada, nunca me assumiu, ficava com todo mundo. O amigo dele namorava a minha melhor amiga, então ele estava comigo só por causa disso, ele não gostava de mim. Na playlist, para ele, escolhi Losing My Religion. Tocava muito essa música nas matinês, porque era anos oitenta. Eu nem sei se é uma música da época que estava com ele, mas foi a que veio na minha cabeça. 

Eu coloquei essa música e falei: tem coisas que não se fazem com uma menina de 15 anos. Aí esculhambei ele, falei: eu tenho certeza que hoje você é um merda, que não virou nada que preste na sua vida, porque na adolescência você já era um cara aproveitador.

Depois dele, veio o cara com quem perdi a minha virgindade, ele era mais velho que eu. Eu era uma menina de 17 anos, era apaixonada por ele, todo mundo falava que ele me traia e eu não acreditava. Ele passou na minha vida duas vezes. Na primeira, enquanto namorava comigo, ele engravidou a ex-mulher dele.

Dez anos depois, ele voltou e eu não quis. No dia do meu aniversário, ele me mandou uma carta e tinha a letra em português da Always on My Mind, que é uma música do Elvis Presley. Na estrofe, fala: Talvez eu não tenha te tratado bem, talvez eu não tenha te amado com tanta frequência. O último contato que tive com ele foi esse, quando ele me mandou essa carta. Com ele, tanto perdoei, como pedi perdão.

Ex-namorado escreveu carta com canção do Elvis. (Foto: Reprodução/ Redes sociais)
Ex-namorado escreveu carta com canção do Elvis. (Foto: Reprodução/ Redes sociais)

Aí casei com outro cara, esse sim foi o maior porra louca que passou na minha vida, totalmente o oposto ao meu pai. Ele tinha 16 anos a mais que eu. Engravidei depois de dois meses de namoro, eu achava que iria me libertar. Fiquei nove meses com a minha filha na barriga vendo ele se drogar. Às vezes, ele chegava em casa tão drogado que eu tinha que me trancar no quarto. Depois de dois anos juntos, eu me separei dele. 

Para ele escolhi Chão de Giz. Eu lembrei do quanto eu gostava dele e de como um acabou destruindo o outro, porque eu não aguentei. Quando fui embora, ele se destruiu. Não foi minha intenção, porque eu salvava minha filha ou salvava ele. 

Quando me separei, o Pedro* foi a primeira pessoa que me ligou. Ele era extremamente egocêntrico, mas eu achava que ele era apaixonado por mim, achei que era amor. Por ele, fiz tanta coisa romântica, um dia coloquei Esotérico do Gilberto Gil que diz: não adianta nem me abandonar, porque mistério sempre há de pintar por aí. O cara era tão escroto que um dia fomos na festa de um amigo e ele apareceu com outra menina. Então, era só relação doentia, nunca tive nada saudável na minha vida". 

Após três relacionamentos breves, Cris conheceu outra pessoa com quem ficou cinco anos entre idas e vindas.

“Eu conheci um colega de faculdade, sempre fomos muito amigos e teve uma hora que ficamos juntos. De novo, pensei que estava namorando. Esse daí foi um dos que mais me deixou doente. Primeiro, porque nunca me assumiu. Segundo, porque foram muitos anos de envolvimento. Às vezes, ele chegava e dizia que eu não tinha pernas para usar minissaia. Daqui a pouco, colocava uma música superfofa para tocar para mim. 

Ele acabou com a minha autoestima, chegou uma hora que eu tinha que beber para poder lidar. Eu me sentia muito inferior a ele, achava que ele era muito inteligente para mim. Foi algo totalmente tóxico, ele me criticava muito em todos os aspectos. Para ele, escolhi Canteiros que é uma música do Fagner.

Eu fiquei com o Jorge*, ele era fazendeiro, mais velho que eu. Com ele que aprendi a gozar, depois todos esses homens, foi ele que me ensinou. Mas ele fez uma coisa brutal. Não tem nada a ver com mulher, não tem nada de violência doméstica, mas nunca mais quis olhar na cara dele. Para ele, coloquei a música Mochileira que tem uma parte que fala: Você tem o dom de viver em qualquer lugar.

Com "Sentimental" do Los Hermandos, ela pediu perdão ao ex. (Foto: Reprodução/ Redes sociais)
Com "Sentimental" do Los Hermandos, ela pediu perdão ao ex. (Foto: Reprodução/ Redes sociais)

Eu sai de Campo Grande a trabalho e conheci um engenheiro. Foi um homem importante, porque foi a única relação saudável que tive. Ele me educou. Quando eu tentava transformar nossa relação em algo tóxico, ele olhava no meu olho e falava: isso não vai ser bom para nós. Era época dos Los Hermanos, escolhi Sentimental e pedi desculpas para ele. Eu estava namorando com ele, mas quando ele estava longe, engravidei de outra pessoa.

O pai da minha filha mais nova, era dependente químico, então eu repeti o ciclo. Depois de dois anos meu casamento acabou, ele foi uma das pessoas mais difíceis de perdoar. Para ele, escolhi uma música que não tem nada a ver com a nossa história, mas toda vez que escuto lembro dele. É Sereníssima do Legião Urbana. O refrão é: tínhamos a ideia, mas você mudou os planos. Porque era isso, sabe?! Eu achava que seria para sempre, parar, fazer uma família. 

Isso tem mais de dez anos, depois disso não quis ficar com mais ninguém, larguei mão. Eu me entreguei ao trabalho e achei um chefe tão opressor quanto o meu pai".

Para encerrar a história, Cris fala sobre um grande amigo, o Ricardo, e uma frase dele que a marcou. 

"Ele teve câncer. Dias antes dele falecer, eu tinha me separado e ele falou para mim:

ninguém merece viver sozinho, se afasta das pessoas que te fazem mal, você é uma pessoa que merece ter a melhor do seu lado.

Então, agora, neste momento, fiz tudo isso para me despedir das pessoas que por algum motivo não me fizeram bem. A gente sempre tem essa coisa de pegar o passado como desculpa, mas isso não existe. Resolvi fazer esse detox musical para agora me abrir de novo para pessoas saudáveis", finaliza.

*Cris é um nome fictício criado para preservar a identidade da personagem e também de terceiros.

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