ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
MARÇO, DOMINGO  16    CAMPO GRANDE 33º

Comportamento

Famílias também precisam de apoio na luta pela saúde mental

Grupo de apoio ajuda familiares a receber conforto e ajuda para lidar com a rotina de cuidados

Por Clayton Neves | 16/03/2025 07:45
Famílias também precisam de apoio na luta pela saúde mental
Falar e ouvir ajudam no processo de cuidado. (Foto: Clayton Neves)

Cuidar de alguém com transtornos psiquiátricos pode ser comparado a uma caminhada em um terreno instável, onde cada passo pode trazer uma nova surpresa. Quem vive essa realidade sabe que nem sempre é possível prever crises, compreender mudanças repentinas de humor ou lidar com os desafios, que acabam gerando uma responsabilidade a mais na rotina.

Foi inserida nesse contexto, que a professora Monique Shibuya, de 45 anos, descobriu que precisava de ajuda. Não apenas para a filha, diagnosticada com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) e deficiência intelectual – ela também precisava de apoio para si mesma.

Monique já havia enfrentado o suicídio do marido e, anos antes, acompanhou o internamento permanente de um primo com esquizofrenia. Ele começou a ouvir vozes que o mandavam matar e para proteger a família e a si mesmo, foi internado. Desde então, já são mais de 15 anos sem vê-lo. “Ele vive bem na clínica, trabalha no mercado do hospital, mas a gente não pode visitar porque isso desperta os gatilhos nele”, conta.

A história do marido, no entanto, teve um desfecho diferente. Durante anos, ele lutou contra a depressão e o vício em drogas. “Ele ficava seis meses sem usar, já chegou a ficar dois anos. Mas sempre vinha um gatilho, alguma lembrança, e ele recaía”, relembra. “Vendia tudo, e eu ia atrás tentando resolver.” Segundo ela, a oscilação emocional era intensa. “Estava tudo bem e, do nada, ele caía. Nessas quedas, entrava na depressão e queria tirar a própria vida”, relata.

Entre uma crise e outra, a descoberta do diagnóstico da filha foi um dos gatilhos mais difíceis. “Ele não aceitava que a filha fosse diferente. Foi um choque para ele”, conta Monique. Após 18 anos juntos, ela viu o marido perder a luta para a doença. Desde então, a professora lida com o luto, a solidão e a missão de criar os filhos sem o apoio que antes tinha.

A filha, hoje com 9 anos, sente a ausência do pai e verbaliza isso de maneira dolorosa. “Eles eram muito grudados”, conta a mãe, preocupada. Para ajudar no processo, a menina recebe acompanhamento psicológico e está aprendendo a identificar e expressar emoções. “A psicóloga disse que vai trabalhar com ela as emoções, ensiná-la a dizer ‘estou triste por isso’, ‘estou feliz por aquilo’, igual no filme Divertidamente”, pontua.

Para aprender a lidar com a situação, Monique buscou ajuda em um grupo de apoio, onde encontrou outras mães e familiares que enfrentam desafios parecidos. No mesmo espaço, a professora Marley também encontrou acolhimento.

Ela é mãe de uma jovem com borderline e entendeu que para ver a filha bem, também precisaria aprender a se cuidar. “Se você não estiver bem, não tem como ajudar ninguém”, reflete. E ela tem razão.

Em enquete do Campo Grande News, a maioria dos leitores, 78%, disse nunca ter participado de grupos de apoio à familiares de pessoas em tratamento de saúde mental, assim como o que uniu as duas professoras. Apenas 22% relatou ter conhecido e tirado uma boa experiência da participação, que aparece como suporte a quem lisa diariamente com a situação.

Segundo a psiquiatra Silvana Regina Konradt, compreender o diagnóstico, trocar experiências e ter com quem falar, facilita a trajetória que, na maioria das vezes, é por toda a vida.

De acordo com a especialista, a necessidade de tratamento contínuo é uma das maiores barreiras para as famílias. “Os pais têm dificuldade em aceitar que a doença exige acompanhamento constante e que os comportamentos variam”, explica. “O paciente pode ficar bem por um ano e, de repente, desestabilizar, precisando mudar toda a medicação”, explica.

Famílias também precisam de apoio na luta pela saúde mental
Dinâmina de acolhimento durante reunião do grupo de apoio para familiares.

Além disso, muitos transtornos, como esquizofrenia e bipolaridade, trazem comportamentos que podem parecer incompreensíveis. “Os pacientes podem ouvir vozes, acreditar que estão sendo perseguidos ou até ter surtos agressivos. Para a família, é muito difícil lidar com essas oscilações”, acrescenta.

A psiquiatra reforça que um dos maiores desafios para os familiares é conseguir separar a doença da pessoa. “Quando um paciente tem um comportamento agressivo ou impulsivo, não é ele, é a doença falando mais alto. Mas isso é difícil de aceitar”, afirma.

Para Monique, fazer essa separação ainda não é fácil. “A gente sofre muito porque não consegue ver apenas a doença, a gente vê a pessoa que ama ali”, desabafa.

Por isso, ter um grupo de apoio faz toda a diferença. “Se a família está bem, o paciente também está”, afirma Ariane Osshiro, mestranda em psicologia e fundadora do grupo “Vozes que Acolhem”, que presta atendimento gratuito para familiares de pessoas com transtornos psiquiátricos. Ela criou a iniciativa justamente por não ter tido esse suporte quando precisou. “Não queria que ninguém passasse pelo que eu passei”, conta.

Ariane reforça que a troca de experiências é essencial. “As pessoas acham que estão sozinhas na dor, mas quando compartilham, percebem que há outras passando pelo mesmo. Isso dá força para seguir em frente”, pontua.

O grupo de apoio não é apenas um espaço para desabafar, mas também um local de aprendizado. “Quando as famílias aprendem a identificar os primeiros sinais de crise, podemos evitar internações dessas pessoas ”, explica Silvana. “Se a pessoa começa a ouvir vozes ou apresenta mudanças de comportamento, é possível intervir antes de um quadro mais grave”, acrescenta.

A jornada de quem cuida de alguém com transtornos psiquiátricos é cheia de desafios, mas também de amor e resiliência. Monique, Marley e tantas outras pessoas encontram apoio umas nas outras para seguir adiante. No fim, elas aprendem que cuidar do outro começa, primeiro, por cuidar de si mesmas.

Nos siga no Google Notícias