Fotos antigas lembram baile, obras e amigos de um “bairro esquecido”
Para quem ainda mora no Indubrasil, a maior das distâncias não é relativa ao Centro, mas do tempo que se foi
A distância que separa o bairro do Indubrasil do centro de Campo Grande – aproximadamente de 15 quilômetros – pouco mudou. Igualmente são as memórias de quem ainda resiste vivendo por lá. Uma seleção de fotos em um documentário revelam os primórdios do "bairro esquecido" e emocionam quem há muito tempo viu o lugar ganhar forma.
Por mais de 40 anos, o pintor Mário Ortega, 58, viu o Indubrasil mudar. Um dos nomes tradicionais do bairro no início dos anos 80, sua relação com o lugar começou por meio da vara de pescar. "Eu vinha pra cá curtir o mato e pescar nos riachos da redondeza. Não tinha nem asfalto, era pura estrada de chão batido. E tudo começou na BR-262. De casinhas, formou-se uma vila e na sequência o bairro propriamente dito", conta.
Para fugir dos problemas "do Centro", onde os pais de Mário moravam, o irmão conseguiu alguns terrenos com tamanho de chácara no Indubrasil. Na investida, os pais foram e o resto dos 18 filhos ficaram para trás. "Mas acabou que não conseguimos ficar 1 mês longe dos meus 'velhos', e fomos morar com eles", diz. Hoje em dia, quem habita a casa que foi construída são as irmãs caçulas. O resto da família se encontrar espalhada por outros bairros menos afastados de Campo Grande ou então fora da cidade.
O Indubrasil nasceu do desmembramento da fazenda de Antônio Nogueira da Fonseca – que inclusive é patrono da escola estadual de mesmo nome, em Terenos – por volta de 1942. Já em 77, pela distância e também do ramal do Trem do Pantanal que passava por lá, o lugar tinha características industriais. Sementeiras, empresas de couro, graxaria, fábrica de óleo, de refrigerante e cerveja, indústria têxtil, fábrica de produtos químicos, de ração animal, fabricação de piscinas e até caixas d'água hoje fazem parte do polo industrial.
"Realmente bastante coisa. Inclusive, durante 8 anos da minha vida trabalhei como pintor industrial na fábrica de óleo de soja bem ao lado de casa. Eram 2 minutos à pé. Nunca tive justificativa por atrasos!", brinca seu Ortega.
Na época de Mário, tudo ainda era bem precário. "Tanto de iluminação, quanto de água, pois como eram poucas casas, cada uma tinha o seu próprio poço artesiano. Mas o maior problema era ir até o Centro quando fosse preciso. Pegávamos um ônibus que saía das antiga rodoviária às 7h e o de volta pontualmente às 17h, lá na rodoviária. Quando perdia, ou o jeito era dormir na cidade ou vir à pé", afirma.
Alguns jovens se arriscavam na rabeira do trem como "carona". "E eu confesso que já fiz muito disso. Ficávamos todos escondidos e, quando não tinha mais nenhum fiscal patrulhando, subíamos no trem. Era bem divertido. Uma vez fiz isso para poder assistir a um jogo no Morenão. Valeu a pena!", relembra.
Quando rapaz, com seus 18 anos, a diversão era rara (ainda é), mas pelo menos a comunidade – por ainda ser pequena – vivia unida. "Antes do bairro se popularizar, cada um fazia festinha na casa um do outro e assim curtíamos todos juntos. Era um espírito de comunidade porque conhecíamos todo mundo. Não tínhamos problemas ou desentendimentos, desses costumeiros aos campo-grandenses. Disso, tenho muita saudade", revela.
Do conhecido Barracão do Cação – que hoje só resta um palco velho improvisado ao ar livre – era um espaço onde todo mundo se encontrava, seja casamentos, aniversários, celebrações religiosas ou nos bailes que aconteciam por lá. "O nome foi dado ao que considerávamos como o primeiro 'presidente de bairro', do coração mesmo, que era o seu Cação. Um dos moradores das antigas, ele e sua esposa Laurinda também eram donos do de mesmo nome", explica.
"Era feito de madeira, onde aconteciam as festas bem tradicionais. Tinha leilão e tudo. Vinha muita gente de Campo Grande festejar por aqui. Até o Grupo Santo Chão e o Tradição – com o Michel Teló – já tocaram em uma das várias edições. Pena que isso acabou… vai ficar na memória", diz. Agora, o espaço dá lugar a um campo de futebol que é a salvação para os moradores do Indubrasil, além do Centro Comunitário do Indubrasil.
Foi na escola estadual na divisa entre Campo Grande e Terenos (mais para o município vizinho do que para a Capital, no caso) onde Ortega estudou e encontrou sua esposa. "De ontem, hoje e sempre!", revela o apaixonado. De lá pra cá, formou família e nunca sequer cogitou sair do bairro.
E assim, foi também no Indubrasil onde Rayanna Valeriano, professora de artes e filha de 28 anos de seu Ortega, fez sua infância, adolescência e agora vida adulta.
"A minha geração jogava bolinha de gude na rua, bete, pique esconde, todas aquelas brincadeiras raiz. Não tinha tumultos, todos se conheciam e era tudo muito bom, mesmo sendo simples e não tendo tantas atrações como em outros bairros mais próximos ao Centro. Aqui tem essa mistura campo e cidade, baixo índice de crimes, um lugar onde dá pra confiar nas pessoas (na rua da minha casa, por exemplo, você pode deixar sua casa aberta que os vizinhos cuidam), pode se sentar na frente e tomar aquele tereré sem maiores preocupações. Sem falar que até os muros das casas ainda são baixos e nem cerca tem", descreve.
Mesmo sem muito lazer ou nem caixa eletrônico, o bairro cresceu – muito disso em decorrência as indústrias que ainda se encontram instaladas. "E o esquecimento daqui por parte do poder público é o padrão. Mas a gente se vira como pode. A diversão de antes era sair para lanchar (me vem à memória o finado Tetinhas Lanches, um food truck onde o pessoal se reunia para paquerar) e, com a pandemia, nem isso pode mais", diz.
Além dos Ortega e os Cação, Rayanna conta que outras famílias tradicionais também fizeram e ainda fazem o Indubrasil. "Lembro dos Leocardio, família de um benzedor famoso por aqui, onde vinha gente do centro de Campo Grande só para ser atendido por ele. Isso sem falar das festas de São João que fazia em sua casa".
Documentário – Como parte de um projeto da Escola Estadual Antônio Nogueira da Fonseca, que acontece em 1 sábado letivo por mês, Rayanna – onde por lá estudou e acabou voltando como professora – acabou por montar um documentário contando um pouco do passado do Indubrasil, assim como mostrar como é que as coisas se encontram nos dias atuais.
"A coordenadora pedagógica Irlei Miranda propôs a mim e a professora Thais Rochete que fizéssemos um vídeo sobre o temos por aqui, tentar encontrar as histórias esquecidas e os 'bons tempos' vividos. Afinal, só pela escola, já se passaram muitas pessoas de ambos os municípios, tanto Terenos quanto Campo Grande. Então resolvemos mostrar essa integração e cooperação entre as duas, eu daqui, e Thais de lá", esclarece Rayanna.
Recordando o passado, alguns moradores também participaram do documentário. No Facebook, onde o vídeo foi compartilhado de forma on-line, teve quem comentou e até fez questão de deixar fotos e relatos sobre o tempo vivido.
"Já tivemos alguns retornos nos grupos de atividades dos alunos, tanto das crianças quanto dos próprios pais. Espero que alcance mais pessoas e possamos todos juntos montar o álbum de família do nosso Indubrasil. Quem sabe, mudar o lugar que tanto gostamos de morar para melhor", torce a professora.
Para assistir o documentário, você pode conferir via página do Facebook da escola estadual.
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