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Comportamento

Grupo cria festa para "homens que curtem homens", mas que garantem ser héteros

Elverson Cardozo | 14/10/2014 06:44
Festa acontece neste espaço, dentro de um motel. (Foto: Divulgação)
Festa acontece neste espaço, dentro de um motel. (Foto: Divulgação)

Em Campo Grande, uma festa privê, destinada ao público masculino, não abre espaço para gays, nem g0ys (homens que fazem de tudo com outros homens, menos sexo) e muito menos aos afeminados, porque é exclusiva para “héteros que curtem héteros”.

A primeira edição do "evento" aconteceu há menos de um mês, em um motel, e reuniu 63 homens. A maioria deles tem algum envolvimento com mulher. São casados ou namorados e, por isso, precisam manter uma aparência mais máscula, viril, para não levantar suspeitas.

“É uma festa gay, de gay que não curte gay. Tem que ser gay hétero”, resume, em uma explicação meio confusa, o organizador, Rafael Alencar, de 26 anos. “Um amigo meu, que tem até namorada grávida, foi. Ele não se considera gay”, exemplifica.

Os frequentadores pensam assim mesmo, diz. Não gostam de ser chamados de gays e nem se definem como g0ys porque, ao contrário desse grupo, entre eles tudo é liberado, inclusive o sexo anal, prática condenada pelos adeptos do “bromance” (brother + romance).

Alguns se apresentam, no máximo, como bissexuais. As palavras gay e homossexual não agradam. “Soa afeminado”, justifica um jovem de 25 anos, que pediu anonimato. “Machos que curtem machos não aceitam esses nomes”, esclarece.

Ambiente recebe iluminação e decoração, como em uma balada. (Foto: Divulgação)
Ambiente recebe iluminação e decoração, como em uma balada. (Foto: Divulgação)

Não aceitam “esses nomes”, mas transam com pessoas do mesmo sexo. Não é, no mínimo, incoerente? Para ele, não. “Esse negócio de macho com macho é só para sexo e nada mais. É só diversão sem envolvimento afetivo”, defende.

Mas esse mesmo rapaz, que foge de um envolvimento afetivo dessa natureza, tem um caso de 3 anos com outro jovem. “Mas nada sério”, alivia. Além de frequentar festas como a de Rafael, ele também vai à sauna, em busca de sexo com outros homens, pelo menos duas vezes por mês, mas, mesmo assim, não se diz gay.

“Fico com outros machos porque eles sabem onde pegar e tocar. Muitas vezes, com mulher, você não pode pedir isso por medo do preconceito”, argumenta, citando como exemplo o falado fio-terra. “Caras machos que se dizem héteros mas curtem outros caras vem de muito tempo, só que hoje, com a internet, ficou mais fácil achar”, comenta.

Ficou mais fácil achar e reunir vários em um único lugar. Rafael que o diga. Ele aluga um espaço que tem capacidade para comportar 200 pessoas porque sabe que, nas próximas festas, o número de participantes pode aumentar. É bem provável que isso aconteça, porque a prática é extremamente comum, confirma.

O organizador acredita ser possível hétero “gostar” de hétero porque ele mesmo se define assim. “Não curto gay. Acho promíscuo ser gay e me rotular como gay. Acho que sou hétero que curte hétero porque não curto gay”.

O discurso não é nada seguro. Ora ele ele diz ter consciência de que, sim, é homossexual, ora teima em dizer que não: é heterossexual. E quando adota essa postura, parece não enxergar a agressividade que dispara entre uma frase e outra.

Rafael não gosta de gays mais afeminados. “Quero bem longe. Não sinto raiva. Só não quero por perto. Tenho amigos assim, só que nem convido para vir em casa”. A figura do gay, para ele, está associada a uma imagem feminina e, como disse, promíscua.

Maquiador Gustavo Martins dispensa rótulos. (Foto: Marcelo Calazans)
Maquiador Gustavo Martins dispensa rótulos. (Foto: Marcelo Calazans)

Não é só ele que pensa assim. O maquiador Gustavo Martins Sorrilha, de 23 anos, tem a mesma opinião e, por isso, se diz, em alguns momentos, “socialmente hétero” e, em outros, “meio termo”. “Não vou ser hipócrita de dizer que sou completamente hétero. Não tenho comportamento hétero, mas também não tenho comportamento gay”, argumenta.

Apesar de ficar com homens desde os 12 anos, o rapaz dispensa rótulos. “Eu gosto do ser humano. É assim que eu me vejo. Não gosto de homem ou de mulher, mas do ser humano”, reforça.

Alguns diriam que Gustavo é o típico gay enrustido, mas ele discorda. “Gay enrustido é totalmente diferente. Não quer que ninguém saiba, se esconde da própria família. É totalmente o contrário do que sou. Minha família sabe, meus amigos sabem, as pessoas com quem eu convivo sabem. E eu não tenho problema com isso. Um enrustido tem problema de expor isso. Ele bate o pé, afirma que é hétero até o fim. Ele acredita nisso. Eu não sou, não sou, não sou hétero”, declara.

Mas, no final, se contradiz: “Se fosse para colocar em uma classificação social, eu me definiria como hétero pelo meio no qual vivo, pelo respeito que gosto de ter. Eu defino hétero assim. Beleza. Sou hétero. Mas também não me incomoda ser chamado de, é... Se eu me classificasse como gay também não teria problema”.

O maquiador reconhece que tem um discurso com muitos pontos soltos e bastante incoerente. Rafael Alencar também tem essa consciência, e por isso, brinca que precisa aprender a ser gay.  O jovem de 25 anos, que não quer se identificar, tenta deixa mais claro o que pensa: “Somos todos gays, mas nos rotulamos como 'héteros' para ficar com outros 'héteros'”. Hétero, na cabeça dele, é homem “macho, rústico, casado ou não, que bebe cerveja, curte jogar bola, playstation 3 e que seja peludo”.

O que diz a psicologia? - O Lado B procurou a psicanalista Isloany Dias Machado para tentar entender, à luz da psicologia, o que motiva ou justifica comportamentos assim.

Ela começa citando um famoso texto de Freud, de 1905: “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. Dentre as várias questões abordadas pelo autor, que desmistifica a sexualidade humana, a psicóloga se detém sobre a homossexualidade, no estudo dos “invertidos”. De maneira resumida, destaca três tipos elencados por Freud:

Os “absolutos”, cujo objeto sexual só pode ser do mesmo sexo, os “anfígenos ou hermafroditas sexuais”, que tem como objeto sexual tanto o mesmo sexo quanto outro, e os “ocasionais” que, em certas condições, podem tomar como objeto sexual uma pessoa do mesmo sexo.

“O autor tenta buscar explicação para a inversão. Cita a possibilidade de ser de caráter inato ou adquirido e, enfim, descarta ambas na tentativa de explicar sua natureza”, diz. Freud recorre, então, à bissexualidade como explicação. Segundo Isloany, “para a psicanálise, no inconsciente, todos os seres seriam bissexuais, pois esta instância psíquica não comporta oposições”.

No entanto, ela prossegue, há motivações sociais que muitas vezes levam algumas pessoas, bissexuais, a não quererem carregar o peso que isso implica em termo de convívio social. Para a psicanalista, outra questão tem a ver com homens que gostam de homens, mas se atraem pelo aspecto viril e não por características femininas.

Sobre isso, a explicação parece simples: “A sexualidade humana comporta muitas diversidades. [...] O mais importante é que cada um saiba respeitar a opção do outro, não atacando ou achando que a sua escolha é a melhor e que as outras não deveriam existir”, afirma.

É como diz a música “Masculino e Feminino” de Pepeu Gomes, cita. “Ser um homem feminino não fere o meu lado masculino. Se Deus é menina e menino, sou masculino e feminino..."

(Editada em 14/10/2014, às 10h26)

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