Lavadeira sem filtro na língua é a maior figura da Av. Bandeirantes
Casada aos 17 anos, maltratada pelo ex-marido, ela sempre batalhou como doméstica e lavadeira
Lavadeira das boas é dona Maria Joana. De segunda a domingo, ela trabalha na casinha branca da Avenida Bandeirantes, lugar cheio de inscrições sobre o poder de Deus espalhadas por muros, janelas e paredes.
As roupas no cabide, com cores vivas e outras branquinhas, bem passadas, mostram que ela é caprichosa. Já a paciência... isso não é fácil para Maria Joana Gotardo, de 74 anos.
Não é mulher de meia palavras, nem de repetir a mesma história duas vezes. Por tudo isso, é uma personagem do quarteirão, quase no cruzamento com a Rua 26 de Agosto. Se tiver sorte, você vai passar pela Avenida Bandeirantes e ver a lavadeira com um saco de plástico cobrindo todo o rosto, para limpar a calçada, sem respirar poeira. Por isso, o interesse em conversar com aquela figura.
“Tenho que me cuidar, já tive AVC, sofri infarto há 3 meses e Samu achou que eu estava morta. Também cai da moto e tô com a minha perna prejudicada”, conta mostrando as cicatrizes.
A mulher, que cria dois netos sozinha, trabalhou décadas como doméstica e ainda acorda cedo para atender clientes, que sumiram na pandemia e agora, começam a voltar pagando R$ 25 pela dúzia de roupas. "E uns ainda acham caro", protesta.
Ela diz que “tem fama de louca”. Mas é mesmo do tipo sem filtros e extremamente gentil. Abre as portas, conta coisas da vida, serve água geladinha, mas tem um ponto fraquíssimo. É só falar do ex-marido para a raiva saltar pelos olhos.
E vem daí o motivo da bronca do Lado B do Campo Grande News. Durante meses, tentamos falar sobre a mulher do saco na cabeça, que diz só ter um vício na vida: “o cigarro”. Tosse o tempo todo, mas jura que é “porque não pode tomar água gelada”.
Mas por coincidência, é justamente a ex-mulher de um outro personagem que apareceu no portal por indicação de vizinhos.
Por isso, toda vez que alguém aparecia com o crachá de jornalista, ela corria para pegar a matéria impressa, falava alguns desaforos e mandava a reportagem correr. Desta vez, foi diferente. Ao me ajudar a trocar um pneu furado, acabou abrindo o coração.
A revolta surgiu depois da publicação de matéria sobre o tal ex-marido. Na época, a razão da reportagem foi o fato de uma senhora ter emprestado uma casa para o homem viver, já que dizia ser morador de rua.
A história comoveu muita gente, ele começou a arrecadar sacolões e ganhou 8 botijões de gás. Aí pronto, a ira da ex-mulher se voltou contra o jornal. Enquanto sustentava a casa sozinha, o homem já recusava doações de gás, porque não tinha onde colocar.
“Por isso que eu tenho raiva. Ele nunca foi mendigo. Tem família que vive bem, mas fica aí contando essas histórias. Enganou a mulher que emprestou o quartinho para ele”, garante.
A mágoa piorou depois que pessoas começaram a chamá-la de “mendiga”, porque ligaram o nome do ex-marido à ela. “Eu sou trabalhadora. Casei com 17 anos com um homem que nunca me respeitou, que nunca me ajudou. Que olhava pra mim, virava a cara e cuspia. Agora, aparece como santo. Dói ouvir que você é louca ou mendiga por causa dele”, desabafa.
Maria diz que não tem mais vontade de sair ou namorar. Mas no trabalho, resiste firme e forte, apesar do sumiço de alguns clientes. “Eles compraram máquina de lavar”, suspeita. Não sabe dizer quanto ganha por mês, por ser muito variável. Mas não passa necessidade hoje. Na cozinha, mostra as panelas com arroz e macarrão e quando pode, dá uma incrementada.
“Quando tenho dinheiro, como carne, alface. Mas é bem diferente de quando eu morava na roça com os meus pais. Lá, eu tomava até leite de cabra. Agora, é como dá”.
Por fim, Dona Maria faz as pazes com o Lado B e até defende o jornal. "A culpa não é sua, é de gente que vive na mentira, que consegue enganar todo mundo, que gosta de fazer os outros sofrerem", diz.
Nós tentamos falar com o ex-marido de Maria Joana, na casa onde foi feita a matéria em 2020, mas não o encontramos.
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