Maior galã da fotografia em MS, Tião foi de fogueteiro a lambe-lambe
Mineiro, Sebastião Nascimento Guimarães começou na fotografia aos 19 anos e se especializou na área política
Dos antigos comícios que lotavam ruas até “Fuscociata” comemorando a criação de Mato Grosso do Sul, Sebastião Nascimento Guimarães, ou Tiãozinho, viu e registrou com suas câmeras um pouco de tudo. Hoje, com 81 anos, o galã da fotografia sul-mato-grossense, que já foi de fogueteiro até lambe-lambe, continua na ativa com memória intensa sobre assuntos desde os bastidores da política até a evolução dos registros fotográficos.
“Eu morava em Carangola e, quando tinha 16 anos, meu pai me mandou para Aparecida do Norte por medo de eu me envolver com coisas erradas, então me mandou para Nossa Senhora me proteger. E protegeu”. Foi assim, saindo do Interior de Minas Gerais e se mudando para a cidade turística que recebe romeiros, que Tião começou sua vida na fotografia.
E, foi naquele período em que ele começou a ganhar a fama de galã das lentes. "Eu era galã mesmo, as fotos não me deixam mentir", conta rindo.
Antes disso, Sebastião morava na roça com a família e trabalhou na lavoura de café. Ainda no período em que vivia com os pais, também foi fogueteiro (pirotécnico) e, apontando para a mão, mostrou que perdeu uma parte do dedo indicador, “foi assim que ganhei isso aqui. Até por isso que meu pai também me mandou para Aparecida. Não sei o que mais poderia ter acontecido se eu ficasse por lá”, explica.
Já em Aparecida, longe de ter uma vida luxuosa, chegou à cidade trabalhando como faxineiro. Por três anos, aprendeu a arrumar as camas, fazer limpeza, ser porteiro e até se meter em encrenca.
Tinha uma regra nos hotéis de que a gente não poderia se envolver com as romeiras. Um dia, uma delas se interessou por mim e eu por ela, então fomos assistir um hotel bem longe. Ninguém viu, então ninguém sabia, mas depois deu dor de cabeça, conta Tião.
Relembrando a época de galã, ele conta que, no episódio da romeira, um dos colegas de trabalho viu a conversa mais próxima com a mulher e, após denúncia para o chefe, até demissão aconteceu. “Ele ia me demitir, mas eu fiquei com raiva e pedi demissão antes”, brinca.
Apesar das encrencas, Tião narra que conseguiu continuar no ramo hoteleiro e justamente através desse trabalho é que conseguiu a primeira câmera. “Vou ser sincero, nunca me achei artista. Não foi por isso que quis começar a fotografar, foi porque eu via aquelas pessoas ganhando o dinheirinho cada vez que tiravam uma foto e achei interessante”.
Precisando ganhar, pelo menos, 10 vezes mais do que recebia de salário para comprar uma máquina da época, a ideia do então gerente de pensão foi pedir ajuda para seus superiores na empresa. “Eu cheguei no meu chefe e falei ‘quero trabalhar com isso aí também, trago a câmera e deixo aí na frente’. Foi aí que ele me levou para o banco, abri minha conta e fiz um empréstimo. Nem a conta no banco eu tinha ainda”, relembra.
Sobre o trabalho de fotógrafo na época, Sebastião explica que tudo era bem diferente de hoje. “Você não podia pegar a câmera e sair fotografando por aí, como é hoje. Você precisava comprar ou alugar um ponto, assim como taxista. Na época eu trabalhava na ladeira da Praça da Basílica, era lambe-lambe”, diz.
De lambe-lambe à política
Em 1959, quando começou a carreira de fotógrafo, ainda foi categorizado como fotógrafo lambe-lambe. Explicando sobre o tempo, ele detalha que o conceito começou com os profissionais que estavam popularizando a fotografia e, nos momentos de revelação das fotos, lambiam as imagens para fixar a “impressão”.
“Eu nunca precisei lamber nada ou soltar aquele flash com explosão, mas fazia as fotos em praça pública e desde o registro até a revelação era feito na câmera mesmo. Hoje conto sobre isso e as pessoas ficam sem acreditar”, conta Sebastião.
Antes de sair de São Paulo e vir para Mato Grosso do Sul, que ainda era Mato Grosso, o jovem Tião abriu seus próprios estúdios em Aparecida do Norte e criou sua equipe. “O problema de Aparecida é que em algumas épocas ficava parado, sem romeiros. Se não tinha romeiro, não tinha trabalho, então a gente precisava ir em busca de outros lugares”.
Aconselhado por um colega da equipe a vir para Campo Grande, ele brinca que, assim como muita gente, pensava que jacaré atravessava a faixa de pedestres por aqui. “Esse meu colega disse que aqui a gente teria trabalho e que as pessoas tinham dinheiro. Então vim para passar um tempo e depois iria voltar para Aparecida, mas fiquei”.
Sem conhecer ninguém próximo, Tião trouxe sua equipe de fotógrafos para cá e, apenas com a ajuda de uma mulher que conhecia um de seus colegas, começou a bater de porta em porta vendendo as fotos. “Sabe vendedor de livro? Era assim. Eu sempre tive dificuldade em vender, mas nessa época já tinha um vendedor muito bom na equipe e a gente trabalhava assim”, detalha.
Por coincidência, indo nas casas para vender as fotos é que ele conseguiu seu primeiro emprego no ramo político, que nunca mais abandonou. “Eu fui na casa do Levy Dias, nem sabia quem ele era, e ofereci as fotos. Fiz tudo bem feito e ele gostou do meu trabalho. Aí perguntou se eu aceitaria trabalhar na campanha dele”.
Até então, a ideia de Tião era voltar para Aparecida, mas com a nova proposta resolveu permanecer por aqui. Ele conta que o acordo da época era que ele trabalharia na campanha sem cobrar nada e, caso o candidato vencesse, faria parte de sua equipe como fotógrafo.
“Ele venceu e depois de um tempo fui até ele, então comecei a trabalhar na equipe. Desde então vi vários prefeitos, governadores e senadores. Trabalhei em campanha, na assessoria e só agora, por causa da covid e de outras questões de saúde, é que estou de molho”, diz Tião.
Com a memória viva, ele se especializou no campo das coberturas políticas e, por ter visto, acompanhado e dado pitacos nesse tempo todo, guarda até hoje lembranças e nomes que fizeram e seguem fazendo parte de Mato Grosso do Sul. “Eu sempre falei para todo mundo que, se você promete entregar 10, entregue 11. Faça mais que o retorno vem. Nunca tive problema em ensinar, conversar e repassar meus conhecimentos. Faço isso até hoje”, completa.
Agora, se preparando para mais uma campanha, Tião conta que já começou a se preparar para voltar com as lentes nas ruas. “Sem modéstia, eu sempre fiz meu trabalho muito bem feito. Minhas fotos são boas mesmo. Agora preciso começar a rever as coisas porque a tecnologia tem avançado muito rápido, mas isso não é problema”.
Memória campo-grandense
De tempos em tempos, para fazer alegria a si mesmo e também para divertir sua rede de amigos nas redes sociais, Tião tira algumas fotos da memória para postar na Internet. Garantindo que não guarda “coisas velhas” e que doou todo seu acervo, ele ainda manteve parte digitalizada.
“Eu não gosto de coisa velha, essas câmeras aqui mesmo são do meu filho. Eu usei todas, claro, mas não fico guardando não. A história é importante sim, mas a gente não pode ficar nela em todos os momentos”, explica o fotógrafo.
Mesmo assim, ele se diverte relembrando os episódios que fotografou quando os registros ainda eram em preto e branco. “Tenho foto do Belmar Fidalgo quando não era praça, da cidade começando a receber asfalto e de ruas principais alagadas. Registrei aqueles comícios que enchiam as ruas e até Fuscociata quando Mato Grosso do Sul foi criado, é bacana sim”, completa Tião.
E, depois de tanta conversa e lembrança, Tião ainda teria que falar por dias seguidos e não finalizaria todo o acervo que guarda na memória e nas fotografias. Até porque como ele mesmo disse, ele viu um pouco de tudo acontecendo.
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