Na casa que refez a vida, placa relembra Hortência o país que deixou
Em bairro que era uma pobreza 'danada', costureira criou dois filhos e ajudou a fundar igreja
Vestido roxo, cabelo penteado para trás e um semblante sério por trás dos óculos. É assim que Hortência Rodrigues Barbosa, de 83 anos, surge na porta da casa de madeira. A costureira do Bairro Planalto aparenta ser séria apenas no primeiro contato. É preciso atravessar o portão para conhecer a verdadeira dona Hortência e a história que atravessa fronteiras.
Nascida no Paraguai e criada em Pedro Juan, ela foi a primeira e única da família a sair do país. Aos 18 anos, Hortência escolheu Campo Grande para começar uma vida diferente e foi em busca de oportunidades que embarcou no trem.
Na varanda da casa marcada pela tinta amarela, a costureira relembra como foi o começo da trajetória na Capital. “Eu vim só. O Paraguai naquela época era meio difícil, era uma pobreza muito forte e resolvi sair do país. Vim com a promessa de emprego, uma pessoa facilitou de pagar a passagem. Cheguei no Brasil endividada por causa da passagem”, diz.
Na cidade, a paraguaia conta que começou a ‘pelejar com a vida’. Sem ter estudo, o trabalho que conseguiu foi como doméstica na casa das pessoas. Hortência precisou se virar e devagar foi aprendendo a lidar com eletrodomésticos que nunca tinha manuseado. “Não sabia ler, não sabia mexer com telefone, fogão à gás. Pra arrumar serviço quem ia querer uma pessoa igual a eu?”, indaga.
Não demorou para que ela se casasse e dessa relação veio o casal de filhos. Apesar do primeiro relacionamento, foi no segundo, com Dinamérico, que a costureira dividiu 50 anos da vida. Os dois ficaram casados durante meio século, criaram os dois filhos, frequentaram a igreja, viajaram para pescar e dividiram a mesma casa de madeira que agora só tem Hortência de companhia.
No ano passado, a costureira ficou viúva após 45 dias vendo o marido entrar e sair do hospital. A morte dele não é a primeira perda da mulher, que durante a pandemia chorou pelo filho que faleceu em decorrência da Covid-19.
Ao falar sobre o filho mais velho, ela menciona como fez de tudo para que o mesmo se formasse em Medicina Veterinária na faculdade pública. “Era outro sacrifício porque a gente não tinha dinheiro para o ônibus, pra ele lanchar. Aí eu pregava um zíper, fazia uma barra de calça e pedindo pra Deus segurar o estômago do meu filho até a hora do almoço. Assim ele formou”, comenta.
Diferente do trabalho como doméstica, a costura é uma função que Hortência desempenha com gosto até hoje. Próximo a porta da casa está a máquina de costura rodeada de tecidos que cobrem boa parte da mesa. Tecido, ela tem os montes não só na sala, já que alguns estão na cozinha. Hortência brinca que não seria surpresa encontrar um pedaço de pano nas panelas no almoço.
A brincadeira e o riso fazem parte de Hortência que não esconde os momentos difíceis que enfrentou, mas também não deixa de celebrar os dias tranquilos que vive. “Hoje graças a Deus tenho paz, sou bem cuidada pela filha (Sandra) e pelos netos”, afirma.
A conversa com a anfitriã ocorre na pequena varanda onde viu filhos, netos e agora bisnetos crescerem. Do quintal para fora, a rua é quase a mesma que ela vê há mais de 50 anos desde que chegou no endereço. Tudo e todos na região mudaram menos Hortência, que relata como era o bairro antigamente.
“Aqui não tinha essas casas bonitas, aqui era uma casa de tábua, era uma pobreza danada. A melhorzinha da vida aqui era eu, então eu tinha que fazer bastante comida. Meu marido vinha almoçar e depois que ia embora já tinha gente lá na esquina esperando um restinho de comida para dar aos filhos”, diz.
Bienvenidos - Na fachada da casa um adereço em especial chama a atenção. A placa de madeira ‘Bienvenidos’ está pendurada no lado direito da varanda. Por causa dela surgiu o interesse de descobrir quem era a pessoa que deixava a mensagem constante de ‘bem-vindos’. Quando pergunto o motivo dela estar ali, Hortência não poderia ser mais direta. “É por causa das pessoas que chegam aqui”, declara.
A placa veio direto do Paraguai há tempo demais para se falar com exatidão. Ela é uma lembrança da terra natal de Hortência que sempre que tem oportunidade viaja para o país onde moram os irmãos.
Outra atividade que faz parte da rotina são as idas à Igreja Cristã Maranata. A igreja, segundo Hortência, começou na casa dela após o marido se converter à religião durante uma viagem em Vitória (ES). “Começou assim, eram três vezes na semana e não tinha nem obreiro. Aqui em casa foram mais ou menos três anos, aí foi indo”, recorda.
No final da conversa, Hortência entrega um papel com o endereço e dias de culto da igreja e faz o convite para uma visita à igreja. “Vou ficar muito contente se você for, você vai gostar”, diz. Assim como Hortência ficou em dívida quando pôs os pés na cidade, saio da casa dela com uma também.
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