Não é porque Maria Clara não está aqui que Vivi deixou de ser mãe
Domingo também é dia das mães que tiveram de se despedir dos filhos ainda na gestação ou no pós-nascimento
Vivian de Castro Alves Arruda é jornalista, tem 39 anos, e uma história de sobrevivência. A história de uma mãe que daria tudo, absolutamente tudo, para ter a filha Maria Clara nos braços. Planejada, sonhada e, desde o início, aflorando um sentimento enorme de amor por aquela vida, a confirmação da gestação veio em abril de 2019 e teve um desfecho que nenhuma mãe imagina. Saudável, Maria Clara partiu silenciosamente, ainda na barriga, na 40ª semana de gestação. Para este domingo, Dia das Mães, Vivi, como carinhosamente todos chamam a jornalista, contou sua trajetória na maternidade e no luto perinatal, ainda tão incompreendido.
Casada com o também jornalista Fabiano Arruda, Vivi já era mãe antes mesmo de engravidar. Aos 34 anos, floresceu a vontade no coração e ela se viu pronta. Muito controladora, como ela mesma se descreve, Vivi queria uma gestação planejada e organizada no momento certo. "A gente fez tudo certinho, eu fui ao médico, programei todos os exames necessários, e quando a gente resolveu: 'vamos tentar mesmo?' Foi tudo muito rápido", lembra.
Dois anos antes do positivo no teste de farmácia, o sentimento já havia ficado ainda mais forte depois de um sonho, que até hoje é lembrado. "Eu estava caminhando num lugar que parecia uma praia, com uma faixa de areia extensa, era à noite e eu carregava um bebê no colo que não tinha sexo. É engraçado porque eu me via caminhando como se eu estivesse no mar, e era tão escuro o lugar, mas o bebê emitia uma luz. Eu acordei com uma sensação de preenchimento que foi mágico. Não esqueci disso até hoje e a gente só vai entendendo os sinais depois. Hoje eu tenho certeza que naquele sonho, em algum lugar desse universo, eu fui buscar a minha filha e foi uma forma de Deus dizer: 'isso vai acontecer com você'".
Voltando a abril de 2019, mais precisamente depois da Páscoa, o ciclo menstrual vinha tão certinho que Vivi desconfiou de um atraso e teve a confirmação da gestação bem no comecinho, quando estava entre quatro e cinco semanas. "Fiquei 'pode ser, pode não ser', fiz o teste de gravidez na quinta, na sexta o exame de laboratório que confirmou", relata.
Ao ver o resultado do laboratório, Vivi só chorava e a primeira reação foi a de agradecer. Devota de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a jornalista atravessou a igreja ajoelhada em gratidão. "Eu não sei o que envolveu essa gravidez, mas desde o início foi uma coisa muito mágica. Eu só agradeci, agradeci, porque eu tinha muito medo de não acontecer. Você espera, toma anticoncepcional a vida inteira, e a hora que resolve acha que vai demorar, pensa que demorou muito tempo para tentar".
À época, Vivi estava com 37 anos e viu no beta a materialização de um sonho. Da igreja a jornalista foi direto para o shopping comprar uma roupinha e assim contar para o marido. Chegando em casa, deixou numa caixinha de presente à espera de Fabiano. Ela nem conseguiu filmar a reação dele devido à emoção. "A gente só chorava. Foi um misto de alegria e também de medo, eu era mãe de primeira viagem".
Eles preservaram as primeiras semanas só entre o casal por segurança. "A gente sabe que os três primeiros meses são mais sensíveis. Eu não queria contar para as pessoas e depois ter que viver aquela dor com todo mundo. Eu queria poder escolher, se acontecesse alguma coisa, eu poderia contar para as pessoas, mas poderia também viver com aquilo intimamente. Mas quis o destino que eu tivesse mesmo que compartilhar uma dor", narra.
O casal nunca teve preferência por menino ou menina, mas os olhinhos de Vivi brilhavam para uma menina. Com medo de verbalizar uma vontade, ela esperou a ultrassom confirmar. Na 20ª semana, eles descobriram. "Como eu sou devota, era devota, de Nossa Senhora, porque eu não tenho frequentado a igreja mais, isso foi um bloqueio que eu vivi depois da perda da Maria Clara, mas naquele momento eu estava ainda com o coração muito preenchido por isso, e decidida a chamar Maria".
Passados os meses, um dia Vivi acordou com "Clara" na cabeça e levou até um susto, porque já tinha escolhido o nome do bebê. Como seria possível mudar? Mas a composição casava perfeitamente e soou aos ouvidos da mãe com tanto amor que o sentimento foi este: ela tinha de se chamar Maria Clara.
A data prevista do parto era dia 29 de dezembro de 2019. A mãe não tinha cravado uma via de parto. Vivi estudou as possibilidades, mas não tinha medo do parto natural e estava pronta se tivesse de ser uma cesariana. O importante para o casal era a filha nascer com saúde.
A gestação havia corrido sem nenhuma intercorrência, sem dor, sem nenhum sangramento, enjoos, nada. Foi até considerada fora do comum tamanha benção pela tranquilidade. "Acho que às vezes ela sabendo o que viria pela frente, quis me poupar. 'Vou ficar aqui, boazinha, só curtindo esse momento nosso'".
Com uma gravidez saudável e uma mãe saudável também, Vivi tinha o aval do médico para esperar entrar em trabalho de parto. Nas duas últimas semanas, a jornalista ia ao hospital todos os dias para verificar batimentos cardíacos de Maria Clara e também as condições do líquido amniótico.
Sem ver evolução no trabalho de parto, Vivi começou a ficar angustiada. O sonho dela era viver o momento do trabalho de parto, as contrações chegando, a bolsa estourando e eles correndo para a maternidade. "Aquela emoção da transformação do casal em pais, mas isso nunca aconteceu comigo", diz.
No plantão do hospital, avaliada por vários médicos, Vivi sempre tinha a resposta de que a bebê estava saudável e que eles podiam muito bem esperar. O ano virou e na sexta-feira, dia 3 de janeiro de 2020, eles começaram a pensar na cesariana. No final de semana, tomaram a decisão pela cirurgia e já aprontaram a mala da maternidade. Do médico de Vivi eles iriam direto para o hospital na segunda-feira, dia 6.
No domingo, dia 5, o casal foi ao hospital novamente checar como estava Maria Clara. Com batimentos a 158 por minuto, estava tudo bem. À noite, perceberam redução dos movimentos do bebê e já imaginaram que um trabalho de parto estaria a caminho. Com o médico avisado, a mãe passou a madrugada caminhando e fazendo exercícios que pudessem ajudar. Na manhã daquela segunda-feira, dia 6, ao acordar, Vivi conta que amanheceu com um sentimento de nostalgia. "Foi uma coisa muito estranha assim, eu já estava um pouco preocupada, angustiada. Final de gravidez é como no início, você tem um turbilhão de emoções na sua cabeça".
Monitorando os movimentos da bebê, a mãe lembra que eles estavam mais suaves, diferentes de antes. Na hora de irem ao consultório do médico, Vivi já saiu de casa com o coração muito apertado. "Você não quer achar que tem alguma coisa errada, mas tinha alguma coisa ali me tirando do eixo", lembra.
No consultório, quando o médico foi ouvir os batimentos do bebê, o aparelho apontou silêncio. A mãe já olhou para o marido com o coração acelerado. O médico continuou procurando pelos batimentos e disse que a ausência de leitura deveria ser uma falha técnica no aparelho. Como a clínica onde o casal fazia ultrassom era exatamente ao lado do consultório médico, eles correram para lá.
"Eu já saí sendo amparada para conseguir caminhar e completamente desesperada. Quando a gente sentou e ele colocou o aparelho de ultrassom e eu olhei o monitor, na hora eu vi só aquela listrinha assim [em linha reta]. Naquilo o meu corpo gelou, eu não consegui sentir a circulação. Eu só dizia: 'eu não estou acreditando nisso, eu não estou acreditando nisso' e ele falou assim: 'vamos, agora, para o hospital fazer cesariana de emergência e tentar uma reanimação. Quando ele falou aquilo 'tentar reanimação' foi uma facada no meu coração".
Desesperada, a jornalista relata que só pedia: 'Senhor, salva minha fila! Maria, salva minha filha!'. Chegando ao hospital, começou o pesadelo.
Neste momento da entrevista, Vivian faz uma pausa, respira fundo e diz: "Eu vou tentar". O tentar significa descrever as horas no centro cirúrgico sem que as lágrimas tomem conta.
"Naquele momento começou a ficar mais real, aquela minha angústia começou a se materializar num filme de terror. Me prepararam muito rápido e quando eu vi, já estava no centro cirúrgico. Eu só ficava pedindo para Deus salvar a minha filha".
Quando a pediatra que receberia Maria Clara entrou, abaixou e encostou a testa em Vivian se apresentando e dizendo "não sei qual tua religião, tua fé, mas você reza um Pai Nosso comigo?" As duas rezaram e, a partir daí, Vivi não lembra mais de tantos detalhes.
"Era tudo muito silencioso, eu dizia para o Fabiano 'tá tão silencioso, eu tô desesperada' e ele só olhava pra mim e baixava a cabeça. É muito difícil sabe reagir numa situação como essa".
O parto foi realizado, o silêncio continuou. Sem ter muita noção de quanto tempo havia passado, a mãe viu a pediatra voltar, dando a pior notícia que poderia. Com voz firme, talvez para que Vivi compreendesse, a médica disse: "Ela já estava em óbito, eu tentei reanimar, mas não tinha mais jeito".
A partir daí, Vivi conta que tudo ficou muito difuso e confuso, em parte também pela medicação. Se sentindo dopada, a mãe lembra de ter acordado, ainda no centro cirúrgico, e ouvido da pediatra a pergunta se queria que lhe trouxesse Maria Clara.
"Balancei a cabeça que sim e ela trouxe. E aquele foi o momento do encontro. Ela era perfeita, ela era linda. Eu só conseguia falar isso: 'minha filha, você é linda, você é perfeita'. Porque a gente queria tanto vê-la, tentamos fazer aquela ultrassom 3D, mas ela não se mostrou pra gente. Quando consegui tê-la nos meus braços e olhar aquele rostinho... Era tudo tão perfeito, narizinho, olhinho, queixo. Ela era uma boneca e eu só conseguia falar isso pra ela: 'você é linda, você é perfeita'.
Vivi começou a passar mal de novo. Maria Clara foi para os braços do pai. A mãe só conseguia dizer que a vida dela tinha acabado: "Era o sentimento que eu tinha naquele momento".
Outra pausa toma o coração de Vivian e suspende a entrevista por um breve período.
O parto foi feito na tarde do dia 6 de janeiro e, à noite, quando já estava no quarto, flashes voltam à memória da mãe. "O médico entrava no quarto e eu perguntava 'por que? por que?' Eu não sei te dizer, porque nunca falei sobre isso com nenhuma mãe, mas eu não sei se alguém consegue pensar num desfecho como esse. Você tem medo do bebê nascer com alguma coisa, ter problema de saúde, essa é a nossa preocupação. Você não pensa na possibilidade de ter que se separar do seu bebê. Isso não passa na cabeça de uma mãe. Nem nos meus piores pesadelos de mãe de primeira viagem esse desfecho trágico passou pela minha cabeça".
No dia seguinte, Vivian foi acordada perto das 11h da manhã para ir ao enterro da filha. Entre choro e muita dificuldade de se manter acordada, a mãe ouviu do médico que geralmente as puérperas ficavam um pouco mais de tempo no hospital pelo bebê, mas que no caso dela, já poderia ir para casa.
"Aí tudo começa a ficar mais real, cruelmente real. Porque você fala: 'Nossa, eu não tenho o meu bebê...' É quase que você ser excluído de algum universo, porque você não tem mais o direito de ficar aqui".
A família já havia preparado todo o funeral de modo que Vivi ficasse o menor tempo possível no cemitério. Enquanto esperava, pelo carro do marido na frente do hospital, a mãe de Maria Clara, com o colo vazio, foi aos prantos. Entre um sentimento de dor, vergonha e incompletude, revivia a saída da maternidade tão sonhada. "Eu comprei roupa pra sair da maternidade, pra mim e pra ela. Eu também programei esse capítulo pós-nascimento na minha cabeça e estava acontecendo tudo completamente diferente".
Sentada num banquinho, a jornalista que sempre foi tão reservada, só deixava as lágrimas correrem. Um senhor que estava próximo a ela acompanhava a cena, e quase que num gesto desesperador, Vivi queria pedir colo para qualquer pessoa até mesmo um desconhecido.
"Você se sente tão desamparado numa situação como essa, tão sozinho, por mais que você saiba que toda a sua família está sofrendo com você, é um coisa instintiva da mãe com o seu bebê e eu não estava com o meu ali. O natural seria eu estar com ele. E aquela saída da maternidade foi muito dolorida, muito sofrida".
O fato de que o carro se dirigia para o cemitério só veio à consciência de Vivi quando eles passaram pelos portões e, assim que entraram, o carro da funerária tomou a frente, quase como um momento orquestrado. Em seguida, vieram vários amigos e familiares num cortejo. Momento em que Vivi desabou de novo. "Eu saí do hospital para o cortejo da minha filha".
Quando desceu do carro e se deparou com o caixãozinho, tão pequeno, a mãe conta que entrou em completo desespero. Gritando que não era ali que Maria Clara tinha que estar e sim no berço dela. "Foi muito doloroso, muito, muito, muito doloroso, mas é tão importante você viver aquilo, por mais que seja dolorosa essa despedida, ela é muito importante para marcar o que aconteceu e você conseguir evoluir no processo do luto de forma mais natural. Claro que eu não tinha consciência na hora. Era só dor e sofrimento".
A mãe lembra de ter ouvido a pergunta se a família queria que o caixão fosse aberto. Mais do que depressa, Vivi gritou em negativa. Ela já tinha visto a filha, o pai também. O desejo era de ter uma fila de gente na porta de casa para ver Maria Clara no carrinho ou no bercinho, nunca num caixão.
"Eu me cobrava tanto. Por que ela? Por que ela? Eu daria a minha vida por ela. Por que Deus não me levou? Não me escolheu? E foi escolher ela, que tinha uma vida pela frente, sempre foi tão saudável, trouxe tanta alegria para a gente, por que levá-la tão cedo? Como se a gente pudesse escolher... Não é a gente que decide, então a gente tem que aceitar mesmo".
De volta à casa, o quarto de Maria Clara que estava prontinho era onde Vivi encontrava paz. Sentindo como se tivesse terminado um filme onde se sofre e chora demais, a mãe sentia um vazio e um angústia. A única vontade era de se distanciar um pouco de tudo o que havia acontecido.
Por uma semana a mãe nem pegou no celular. A orientação do local onde o casal trabalha era para que ninguém procurasse pelos pais. Preocupação compartilhada também pelos familiares, que queriam que Vivian e Fabiano tivessem seu tempo de processar tudo aquilo.
"Quando eu peguei meu celular eu fui me dar conta de toda a procura. A nossa gravidez foi vivida por muita gente. A gente diz que foi quase um BBB, mesmo que a gente quisesse preservar, as pessoas tinham tanto carinho... Eu não culpo. Era amor por nós, sempre queriam saber da Maria Clara, da gestação", contextualiza.
Vinte dias depois do parto, por insistência de uma amiga, Vivi saiu de casa pela primeira vez, para ir a um encontro de pessoas enlutadas que acontece na Arquitécnica, o Gaepe.
"Foi a primeira vez que eu saí do meu casulo e me deparei com essa realidade nova. Eu era uma mãe enlutada. Aquele momento foi transformador. Antes, eu não tenho vergonha de dizer, que eu só pensava em morte. Eu só pensava em ficar sozinha e como eu ia conseguir resolver isso, embora eu achasse que não tivesse coragem de fazer. Isso rondava a minha cabeça, porque não fazia mais sentido ficar aqui. Eu só pensava em encontrar um lugar onde eu pudesse vê-la de olho aberto, interagir com ela e sentir o cheirinho dela. Só nisso que eu pensava", revela.
A ida ao encontro foi anterior à pandemia. Vivi e Fabiano se sentiram tão acolhidos por até então desconhecidos que, para a mãe, aquilo foi transformador. "Tinha inclusive uma parteira e lembro que ela me disse: 'você foi instrumento para a transformação da sua filha e você respeitou o tempo dela. Não se cobre porque você não antecipou o parto. Você respeitou o tempo dela'. Embora as pessoas não compreendam, a gente sabe o quanto isso é importante e aquilo foi uma paz pra mim", diz Vivi.
Toda mãe se cobra. "Nasce uma mãe, nasce uma culpa", diz a conhecida frase. E, até hoje, em momentos de recaída, Vivi se pega envolta de questionamentos: "e se eu tivesse feito isso, e se eu tivesse feito aquilo?"
"Uma folha não cai de um galho sem que Deus queira que seja assim. Eu acho que é isso, e me custou muito chegar nessa conclusão, porque é muito doloroso pensar que isso seja assim, é mais uma vez você saindo do controle da situação. Mas por muitos meses eu sofri, eu vivi um ano inteiro de buscas, uma busca dolorosa, íntima e silenciosa, por respostas".
Questionada se achou o que procurava, Vivi diz que não. A busca envolveu idas em especialistas, exames e uma investigação médica profunda que durou um ano. Não tem nada de errado com a mãe, não tem explicação para o que aconteceu.
No pós-parto, o obstetra que acompanhou a gravidez prescreveu exames na placenta e no cordão umbilical. Nada foi identificado. "Quarenta dias depois do parto eu fui até ele, com muita raiva, era o momento da raiva, e eu queria que ele me falasse o que tinha acontecido, porque não era possível uma gravidez perfeita terminar desse jeito".
Com os exames em mãos, o médico disse que nada justificava o desfecho, e que o que poderia demonstrar o que aconteceu seria uma autópsia no corpinho de Maria Clara. A família não havia autorizado o procedimento, e Vivi, que estava dopada no momento pós-parto, não julga. "Embora fosse um alívio a gente ter uma resposta para o que aconteceu, eles agiram conforme o coração mandou e talvez naquele momento eu tivesse feito a mesma coisa. Nada ia mudar o que aconteceu, só ia cobrir um pedacinho deste sofrimento, que era a dúvida".
No encontro de luto, Vivi conheceu pessoas que convivem com esse sentimento profundo há anos e recebeu força para seguir na trajetória dessa carga pesada e tão solitária. "Embora você consiga encontrar empatia em pessoas que tenham vivido aquilo, a dor é só sua e você vai vivê-la de um jeito diferente de outra pessoa. Você não vai conseguir administrar isso em palavras o tempo todo", esclarece.
Como uma montanha russa de sentimentos, Vivi descreve que tem dias em que está tudo bem, outros em que você desmorona, relatando o quanto é difícil encontrar linearidade no luto, especialmente o perinatal, tão incompreendido. "Porque as pessoas, assim como você, elas querem respostas. E quando você perde uma pessoa que as pessoas viram é praticamente uma coisa que todo mundo sente, mas ela estava aqui dentro da minha barriga, só eu senti ela crescendo, só eu lidava com ela todos os dias. Então acaba que a gente vive isso de forma solitária, e eu não culpo as pessoas, isso é uma coisa forte até mesmo na família. É difícil as pessoas reconhecerem que você é uma mãe que infelizmente não está com o seu bebê aqui", explica.
Vivi também enxergou o quanto o universo materno exclui as mães de colo vazio. "Pode ser só um sentimento individual, mas foi o que eu senti: a exclusão. Já que você não realizou, porque para as outras pessoas você não realizou a maternidade, embora eu seja mãe, só que a minha filha não está comigo, ela morreu. E até dizer que ela morreu é difícil. Por muito tempo eu dizia que perdi minha filha no final da gestação. Eu não conseguia falar 'morreu'. Depois me dei conta de que eu encontrei a minha filha e foi o encontro mais lindo da minha vida. Porque ela realmente me transformou. Ela veio me salvar de alguma coisa que eu não sei o que é. Ela veio e a gente precisava ter esse encontro. Foram 40 semanas, mas foram 40 semanas lindas e maravilhosas, de sonho".
No Dia das Mães do ano passado, Vivi preferia riscar o segundo domingo de maio do calendário, dormindo no dia anterior e só acordando na segunda-feira. "Mas no dia eu recebi tanto amor, tanto carinho das pessoas, da minha família. Quem me procurou naquele dia, seja só para me dar um abraço virtual, me mandar um beijo, essas pessoas estão guardadas. Eu não vou esquecer nunca. O dia acabou sendo de paz pra mim. Teve sofrimento, claro, mas não foi aquele sofrimento desesperador".
Neste segundo Dia das Mães, Vivi, que pensava que estaria até mais fortalecida depois de tanto tempo e também administrando melhor todos os sentimentos, voltou a viver uma angústia que vem com as datas comemorativas.
"Já venho sofrendo. Há vários dias eu não consigo ver propaganda de TV. Esse mercado publicitário é muito cruel com as mães enlutadas neste momento. Este é um período de sofrimento, mas eu aprendi nesse tempo todo de administração do meu luto, de elaboração do meu luto, que eu tenho que deixar as coisas acontecerem. Na verdade, a morte da Maria Clara, entre tantas coisas, me mostrou que eu não tenho controle de tudo, que eu preciso deixar a vida seguir o seu fluxo, por mais que vá me causar sofrimento no meio do caminho. Costumo dizer que, desde então, eu venho sobrevivendo, com muito esforço, com muita luta, porque é uma luta diária e não tem um dia em que eu não pense na minha filha".
Pergunto se eu devo desejar a ela um Feliz Dia das Mães. A resposta, embora singela, é tão profunda que só uma mãe pode dar:
"Deve! Você deve. Eu sou uma mãe que perdeu o seu bebê. A mulher não é mãe só quando leva o filho na escola, não é mãe só quando corre para um hospital porque a criança está com febre. Ela é mãe desde o momento em que descobre a gravidez e eu diria até antes, quando este sonho nasce no coração".
A jornalista se viu como mãe antes mesmo de tentar engravidar. E continua sendo, mesmo estando dentro de uma maternidade não compreendida, mesmo sabendo que não são todos que vão reconhecer essa figura nela.
"Isso é uma dor muito grande, só que o ser humano é complexo e imperfeito, e quem sou eu pra julgar? Não posso desejar que ele viva aquilo para sentir o que eu estou sentindo. O que me resta é lidar com isso e ficar feliz e agradecida para quem conseguir reconhecer essa maternidade que é como todas as outras".
Se Vivi pensa em ser mãe de novo? A resposta é sim. "Não posso te dizer que eu já processei todo o meu luto, porque não processei. Todos os meus dia das mães, podem vir quantos filhos forem vir, daqui pra frente sempre vai ter um pedacinho de dor. Vou ter que conviver com estes dois sentimentos, tudo vai me lembrar da minha primeira filha. O sonho da maternidade eu realizei, eu engravidei, eu tive a minha filha, que infelizmente não está comigo, mas ela existiu, ela tem um nome, um registro. Mas ter um bebê aqui é totalmente diferente, você tem a necessidade de preencher o seu colo, de voltar para a casa e ter um bebê te esperando".
Um Feliz Dia das Mães a todas aquelas que estão de colos vazios, mas de corações cheios de amor.