No Camelódromo, Ana é manicure que fez fama como "Nega do salão"
No local, ela é a única manicure e garante que tem clientes da periferia às "ricaças do Centro"
Ana Cláudia Barros Rodrigues, 41 anos, é o tipo de pessoa que sem intenção faz você rir. Uma figura que só, ela é famosa dentro do Camelódromo de Campo Grande e, por isso, sua história foi sugerida para ser contada no Lado B. Se você visitar o centro comercial, as pessoas dificilmente vão saber informar onde a manicure atende. No Camelódromo, a verdade é que ninguém conhece a Ana, mas todos sabem quem é a “Nega do salão”.
Às 8h, marquei uma entrevista com ela, porém estava confusa sobre o ponto exato onde poderia a encontrar. Assim que as portas do Camelódromo foram abertas, perguntei para o segurança onde a Ana Cláudia trabalhava. Primeiro, ele me olhou estranho, ficou sem entender e refletiu por um minuto. Só foi eu falar: “É a nega do salão”, que, prontamente, o homem indicou a direção. Neste momento, confirmei como verdadeiro o boato sobre o apelido e fama da manicure.
Em meio a tantos trabalhadores, entre os que foram e chegaram, Ana é a única manicure que conseguiu permanecer e vingar no ponto comercial. A história dela com o Camelódromo começou antes do espaço ser construído e inaugurado. A mãe, dona Maria, trabalhava junto com outros camelôs, que faziam da Rua Barão do Rio Branco espaço de comércio.
Ana recorda com carinho um pedaço da infância que deixou para sempre naquelas calçadas. “Eu sou camelô desde bebê, minha mãe trabalhava na Barão com a Ernesto Geisel, quase na esquina. Eu brincava, dormia em cima do paninho, porque lá o chão era de pedra. Eu não parava quieta, enchia o saco dos outros”, ri.
Antes de fazer o curso de manicure e podologia, a profissional trabalhou dos 14 aos 22 anos como empregada doméstica de uma família da Capital. Ana, aos 25 anos, mudou o ofício e chegou ao Camelódromo para trabalhar vendendo roupas com a mãe.
Em 2011, ela encontrou a profissão que a tornou uma pessoa realizada. “Eu fazia a minha mão e gostava tanto. Quando saía, as pessoas perguntavam: 'Quem fez sua unha?' e eu respondia que eu fazia sozinha. Em 2011, fiz o curso de manicure e amei”, conta.
Em busca de experiência, Ana procurou o salão de uma amiga e começou a conquistar a clientela. A manicure brinca que demorava horas para finalizar o atendimento. “Eu trabalhei um ano no salão da minha amiga, ela me deu oportunidade. Eu demorava três horas para fazer uma unha. Depois, vi que estava boa e pedi vaga para a Kênia, que tinha outro salão aqui embaixo no Camelódromo”, fala.
Neste outro salão, a podóloga atuou durante cinco anos até conseguir abrir um cantinho para si. No piso superior, na sala 13, ela recebe as clientes de terça a sábado, das 8h às 17h. Requisitada, vive com a agenda cheia e, enquanto dava entrevista ao Lado B, mexia nas unhas da primeira cliente. “Tem dias que eu não paro nem para almoçar”, revela.
Há anos no espaço, a mulher garante que já viu de tudo e o que mais tem é história para contar. A mais marcante, embora tenha sido assustadora no dia, hoje, é contada em meio a risadas e com tom de bom humor. “Aqui, essa parte elétrica é muito boa, né? A melhor do Brasil, por isso, a gente morre de medo disso aqui pegar fogo”, ri.
Devido à “qualidade” da instalação elétrica, Ana expõe que, certa vez, achou que um incêndio tinha começado no Camelódromo. “Um ônibus parou nesse posto aqui do lado, ele tava pegando fogo, um fumação. A fumaça entrou aqui no salão e minha amiga falou: 'Nega, corre, não pega nada, só corre'. Aí, eu peguei minha filha no braço e corri. Ainda bem que não era nada, porque a gente luta tanto para ter um espacinho e imagina se pegar fogo”, argumenta.
Apesar de afirmar que o Camelódromo já foi mais movimentado, ela garante que não perdeu a clientela. Para receber atendimento com Ana, a galera sai de bairros distantes, como o Noroeste. Questionada sobre o perfil dos clientes, a podóloga explica que atende de diversos tipos. “Eu tenho clientes de todos os níveis, da periferia até as ricaças do Centro. Eu tenho muito cliente, brigo com todo mundo, não sou boazinha não, viu?!”, brinca.
A fama - Ana entende melhor do que ninguém a popularidade que criou no estabelecimento. A profissional sabe do apelido que recebeu e advertiu que quem a procura, não acha pelo nome de batismo. “Se você perguntar por Ana Clara, você vai ficar rodando e não vai me achar. Aqui é só Nega”, enfatiza.
Por ser muito querida pelos companheiros de trabalho e clientes, Ana acabou sendo envolvida em uma rifa. O dinheiro arrecadado serviria para comprar uma peruca, pois, recentemente, o cabelo dela começou a cair. Diagnosticada com lúpus, a queda dos fios é uma consequência da doença.
No fim das contas, Ana ganhou a peruca que jura que irá usar para passear. “Não é para eu trabalhar, é para quando eu for sair, porque as pessoas ficam me olhando e fico com vergonha. A mulher quer sair bonita, é uma questão de autoestima, aí, ganhei a peruca”, diz.
No final da entrevista, perguntei se um dia ela pretende sair do Camelódromo. “Ah, eu penso em sair sim, abrir o negócio mais perto de casa, no Bairro Marcos Roberto”, adianta. Enquanto Ana não abandona a sala 13, a galera pode aproveitar para conhecer o espaço e dar umas boas risadas com as histórias da manicure.
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