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Comportamento

No meio do nada, banquinha de autoatendimento sobrevive da honestidade

Banca fica cheia de verduras a R$ 2,00, mas sem nenhum vendedor ou fiscalização; basta pegar e pagar

Guilherme Henri | 26/11/2018 06:56
No meio do nada, banquinha de autoatendimento sobrevive da honestidade
Banquinha fica em estrada de terra a 15km do Centro de Terenos (Foto: Guilherme Henri)

No fundão de Terenos, em meio ao nada, uma banquinha improvisada oferece todos os dias 10 saquinhos de legumes e verduras por R$ 2,00 cada. Não tem vendedor, não há fiscalização, por isso a forma de pagamento causa estranheza. O pequeno cofre azul, daqueles bem antigos, preso ao tronco que forma a banca, espera que a honestidade de quem compra garanta o depósito do valor pedido.

A visão é daquelas de esfregar os olhos para ter certeza se é verdade. Mas, a verdadeira história do lugar está a 800 metros a fundo da banca, onde mora o dono da vendinha inusitada.

Com as mãos vermelhas de barro, Alcione Paim Anastácio, 52 anos, recepciona a equipe desconfiado. “Como me acharam? Eu gosto de privacidade!”, disparada o homem.

Mas logo de saída resume a história dizendo que foi parar no lugar depois de não sentir mais propósito em morar na Europa. Largou tudo para viver com a esposa holandesa na paz oferecida pelo mato, mais especificamente 15 quilômetros adentro da área rural de Terenos, em região conhecida como Colônia Nova.

No meio do nada, banquinha de autoatendimento sobrevive da honestidade
Banquinha é feita com toras e já estava vazia quando a equipe chegou. (Foto: Guilherme Henri)
No meio do nada, banquinha de autoatendimento sobrevive da honestidade
Plaquinha informando autoatendimento e preço por R$ 2,00 (Foto: Guilherme Henri)

A vendinha, segundo ele, rende sagrados R$ 20,00 todos os dias. O lugar é tão longe que nem a desonestidade consegue chegar, já que há um ano, no fim do dia, o dinheiro está na “caixa registradora” inusitada, religiosamente.  

A dureza de quem desacostumou a ver gente só  é quebrada quando demonstrado o interesse pelo trabalho com a terra. Com semblante agora mais amigável, Alcione vira guia na propriedade com 6 hectares.

Ele conta que saiu de Aquidauana aos 20 anos, num intercâmbio da faculdade de Agronomia, que cursava em Dourados. A chance foi agarrada por ele e rendeu mais de 20 anos na Europa, largou agronomia e acabou se formando em radiodiagnóstico médico lá fora.

No meio do nada, banquinha de autoatendimento sobrevive da honestidade
Alcione Paim Anastácio, 52 anos (Foto: Guilherme Henri)

Casou, teve quatro filhos com a esposa holandesa e decidiu voltar ao Brasil há cerca de 10 anos para viver da terra. “Moramos há dois anos aqui, depois de sair de outra propriedade rural em Aquidauana. O lugar ainda parece acampamento. Queria ensinar os meus filhos que trabalho e mais trabalho não é tudo”, diz.

A banquinha, segundo ele, surgiu mais como forma de protesto em relação aos preços absurdos cobrados pela Ceasa e os supermercados, além do governo que taxa tudo e compromete a renda no campo.

“É tudo produzido aqui e de maneira consciente. Só não dá pra falar que é orgânico porque não tem selo mesmo”, detalha o homem, que em seguida mostra a única bombinha laranja, usada para borrifar manualmente o extrato de plantas produzido por ele mesmo para o controle de pragas.

No meio do nada, banquinha de autoatendimento sobrevive da honestidade
Bombinha laranja usada para borrifar extrato de planta (Foto: Guilherme Henri)

Na terra, Alcione mostra que no momento são cultivados berinjela, jiló e até feijão de corda. Mas, segundo ele, outros legumes como vagem também foram produzidos. “Tudo vai de acordo com a época né”, explica.

O plano, de acordo com Alcione, é um dia levar alguns produtores até o lugar e mostrar que é possível viver com o que se produz,. Talvez o sonho só não se concretize já que o homem diz já pensar em retornar a Europa para providenciar sua aposentadoria.

“Tenho quatro filhos. Dois deles moram na cidade para estudar no IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul). O mais velho mesmo, de 17 anos, diz que pretende voltar a Holanda e talvez ele vá até antes da gente”, conclui.

Sobre o valor arrecadado com os vizinhos chacareiros, o produtor revela que de fato não dá para sobreviver com R$ 20,00, mas “paga uma gasolina quando a gente precisa”, conta com bom humor.

Nunca faltou qualquer centavo no fechamento do caixa, diz Alcione. Por isso, quem paga tem crédito e assim, dia após dia, a reposição é feita na banquinha da honestidade.

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No meio do nada, banquinha de autoatendimento sobrevive da honestidade
Alcione mostra feijão de corda cultivado no lugar (Foto: Guilherme Henri)
No meio do nada, banquinha de autoatendimento sobrevive da honestidade
Propriedade tem 6 hectares (Foto: Guilherme Henri)
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