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Comportamento

No pós-pandemia, vai dar para medir a amizade pelo tempo no velório?

Para quem trabalha em funerária, o velório de 2h veio para ficar e tempo deve continuar mesmo no pós-pandemia

Paula Maciulevicius Brasil | 14/07/2021 06:10
Estrutura montada para sepultamento, depois de 2h de velório, em cemitério. (Foto: Marcos Maluf)
Estrutura montada para sepultamento, depois de 2h de velório, em cemitério. (Foto: Marcos Maluf)

Tenho um amigo que passou os últimos 10 anos dizendo que amigão verdadeiro mesmo é aquele que passa a noite inteira no seu velório. Em tempos de pandemia, quando a despedida foi abreviada, me peguei pensando no que virou esse ditado que por anos definiu o valor de uma amizade.

Quem já passou a noite em velório sabe que apesar do frio que pode fazer na capela, não faltam piadas e histórias engraçadas que resgatam a alegria que a pessoa falecida deixou em vida.

Depois que a Vigilância Sanitária limitou o velório a duas horas por conta da pandemia, será que as despedidas longas ficaram no passado? Para quem trabalha em funerária, o prazo de 2h veio para ficar, e apesar dos mais velhos estranharem, a praticidade vai virar moda.

Gerente de funerária, Janes diz que velórios curtos vieram para ficar. (Foto: Marcos Maluf)
Gerente de funerária, Janes diz que velórios curtos vieram para ficar. (Foto: Marcos Maluf)

Gerente de funerária há 13 anos, Janes Nato Borges Quadros enumera o aumento expressivo de serviço no último ano. No cemitério Memorial Park, por exemplo, da média de 80 sepultamentos por mês, a pandemia fez o número saltar para 250.

"Mudou a rotina de todo mundo, e não é diferente nos velórios", observa.

De início, o velório curto até causou certa estranheza, e nos casos de vítimas de covid, nem era permitido. A autorização do velório "tardio", expressão dada quando o morto não transmite mais a doença, só veio a partir do mês de agosto, e ainda assim é preciso que o médico que atestou o óbito preencha um documento específico.

As duas horas de velório se incorporaram tanto à rotina que Janes afirma que será difícil, no pós-pandemia, este rito voltar a perdurar por mais tempo.

"Acredito que seja tendência, até porque em alguns casos, a família vem já tratando da pessoa que esteve internada muito tempo, é uma dor que, digamos assim, você quer encerrar logo", sustenta.

Longas despedidas vão dar lugar a velórios breves mesmo no pós-pandemia, aposta o setor. (Foto: Arquivo/Henrique Kawaminami)
Longas despedidas vão dar lugar a velórios breves mesmo no pós-pandemia, aposta o setor. (Foto: Arquivo/Henrique Kawaminami)

Além do tempo ser menor a partir de agora, o hábito de velar pessoas em igrejas ou centro comunitários também deve diminuir. E sim, ainda existem velórios assim.

"Apesar de termos algumas famílias que são bastante tradicionais, isso de velório à noite toda não teremos mais. Já eram poucos casos, só mesmo aqui e no Nordeste que ainda existia essa tradição, mas deve diminuir bastante".

Duas horas têm se mostrado um tempo bem trabalhado para os familiares, pelo menos é o que sente a gestora de uma floricultura que se especializou em coroas para velórios. Hozana Souza fala que a rapidez e a agilidade do trabalho das funerárias permitem que os velórios também aconteçam num período de tempo menor.

"Fazem a documentação, deixam tudo organizado para a pessoa ter mais calma e aproveitar as duas horas de velório. Acredito que as pessoas vão se acostumar e não voltam mais a fazer velório longo", diz.

Para ela, os que ainda defendem mais horas de despedida são os mais velhos, mas é algo que está ficando no passado das gerações anteriores. "As coisas vão mudando, evoluindo e dando outro significado. Se você perguntar para a minha mãe, de 70 anos, ela vai te falar que é difícil, mas para essa geração nova, não", alega.

Diretora da funerária, Raissa Ferreira vem de uma família que administra funerária Pax Real e o cemitério Memorial Park na Capital, além de ser psicóloga especializada em luto. Vivenciando a morte no dia a dia, ela explica pelo lado emocional que um velório mais curto não significa uma despedida menor.

"Ter menos tempo de velório de maneira nenhuma significa menos despedida. As pessoas se concentrarão em ir no horário específico e todo o ritual ficará menos cansativo para os enlutados e familiares mais próximos. As longas despedidas podem ser tão desgastantes quanto a falta de despedida", aponta.

Para Ingrid, que é cerimonialista, famílias até já estão adaptadas e preferem velório de 2h. (Foto: Marcos Maluf)
Para Ingrid, que é cerimonialista, famílias até já estão adaptadas e preferem velório de 2h. (Foto: Marcos Maluf)

Cerimonialista há dois anos, Ingrid Dauzacker, de 27, vivenciou um ano de velório sem regras e os últimos 16 meses de limitações. Para ela, as famílias já se acostumaram e até se cansam menos nas despedidas.

"É mais prático na verdade. Antigamente você tinha velório de 24h, era um cansaço para todo mundo da família. Acredito que vai virar hábito por ser menos doloroso. Na despedida, na verdade, você não tem mais a pessoa ali, é o corpo só. Duas horas, acredito que seja o suficiente", avalia.

Para quem media a amizade pelo tempo de permanência em velório, vai precisar de outra régua. "Acredito que as demonstrações como postagem de homenagens, coroas de flores, se fazer presente durante o velório contam mais do que o quanto de tempo ficariam na capela", finaliza a psicóloga Raissa.

Flores e homenagens vão substituir presença longa em velórios. (Foto: Marcos Maluf)
Flores e homenagens vão substituir presença longa em velórios. (Foto: Marcos Maluf)


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