No terror da cadeia sobrevive o mais equilibrado, mas sem perder fama de durão
Livro revela o dia a dia de um agente penitenciário que já assistiu até assassinato e teve que lidar com sangue no chão
O mundo atrás das grades é um filme de terror misturado ao drama e da pena de quem se desviou do caminho. É preciso ter pulso firme para aguentar a rotina atrás das grades, dentro de uma cela de 6 m² com 20 criminosos de todas as espécies. Gilberto Avelino Mendes, que já assistiu um assassinato e teve de lidar com o sangue, afirma que somente os mais equilibrados sobrevivem à loucura da cadeia.
“É preciso ter um suporte psicológico e se apegar a Deus para aguentar. Aqui não são os mais fortes que sobrevivem e sim os mais equilibrados”, diz. Ele é agente penitenciário há 15 anos na Penitenciária Estadual de Dourados, a 233 quilômetros de Campo Grande, e recentemente lançou o livro “No reino dos Cadeados” onde fala sobre o dia a dia de quem vive na prisão. “São crônicas que fiz de maneira que o leitor entre nesse universo sem se envolver com o local”, explica.
Formado em Ciências Contábeis e pós-graduado em gestão prisional, Gilberto resolveu seguir a carreira como agente já sabendo que nada seria fácil. A primeira vez que pisou dentro da cadeia, suas “boas-vindas” foram gritos e ameaça de morte. “Era uma bateção de porta e gritos de ‘vai morrer, vai morrer’. É um ambiente bruto, com gente de vários locais sem educação, religião, família. Junta tudo dentro de um caldeirão”.
O agente se assustou com “novo mundo”, porém foi à luta e já no primeiro plantão assistiu uma cena horrenda, cheia de sangue, dor e tragédia. “Um preso foi assassinado com mais de 60 facadas a luz do dia. Foi aterrorizante e é estranho quando uma pessoa tira a vida da outra”.
Ele lembra que tentou impedir que o fato acontecesse, mas a vítima não deu “ouvidos” porque achou que conseguiria resolver a situação na conversa com o pessoal da facção a qual fez parte. “Ficamos sabendo que aconteceria um assassinato, avisei os outros agentes e falamos para o preso que tínhamos fortes indícios. Oferecemos o seguro, para o mudar de local e evitar, porém não quis”.
No dia do crime, os detentos saíram para o banho de sol. Gilberto estava lá no pátio, em pé quando, de repente, viu o tumulto, golpes e sangue derramado no chão. “Foi um espetáculo de terror, fiquei apavorado e teve colega que viu aquilo e não aguentou, pediu para sair. Eu não podia porque já tinha mais de 30 anos e era a carreira que havia escolhido”, comenta.
Não teve escapatória e depois de tudo, o agente teve de ver o corpo. Seu dia acabou ali e nem o travesseiro macio da cama o fez dormir a noite. No plantão seguinte, conversou com profissionais antigos para aprender a lidar com os problemas e percebeu que ninguém mais falava do assunto, como se a vítima nunca tivesse nascido, muito menos morrido.
Outro momento de tensão foi na rebelião que aconteceu em 2006. Na época, Gilberto não estava de plantão, mas correu ao presídio para ajudar. “Aquilo foi mais uma loucura que começou às 12h de sábado e terminou às 17h do domingo. Oito colegas foram feitos reféns, entre eles uma enfermeira. Ninguém morreu, mas o trauma foi tanto que a maioria ficou impossibilitada de voltar ao trabalho”, recorda.
É como se fosse um jogo e a parte ruim é sair de casa sem saber se vai ganhar e voltar para ver a família. “Teve uma vez que estava de boa, mas um preso surtou e tive que ajudar meu colega a contê-lo. Nessa quebrei dois dentes e levei quatro pontos na boca”.
Deixe-me chorar por mamãe - Quando se é bandido, é preciso manter a “panca de durão”. Após o banho de sol um detento pediu seguro, mas isso não tem lógica já que o perigo maior acabou. No entanto, os agentes atenderam ao pedido e o colocaram numa cela disciplinar, onde ficou sozinho. Gilberto lembra que achou estranha a atitude do interno e foi ver o que estava acontecendo.
“Ouvi um choro sofrido e ele dizendo, ‘mamãe, por que a senhora se foi mamãe?’. Aquilo me apertou o coração, pois ele só queria chorar pela mãe dele, mas como é bandido não podia fazer isso na frente dos outros. Ficou uns dias lá até acabar o luto, depois voltou para a cela”, conta o escritor no livro.
No capítulo “Olhares e Outono”, Gilberto fala sobre o trabalho de missionários nos presídios. “São importantes porque é onde pensam em Deus. Lembro que num dia de visita, as mulheres estavam na fila cansadas e um missionário apareceu. No começo ninguém ligou, mas ele começou a rezar e elas fizeram uma roda e deram as mãos. Rezaram juntas, foi bonito aquilo”.
Lagrimas de promessa de cristal - Nesse, o agente relata a vez que viu um preso fazendo mil e uma promessas à mãe, que estava aos prantos. “Disse que ia melhorar e ela o abraçou tão sentida e depois foi embora chorando. Quando saiu do pavilhão a primeira coisa que o filho fez foi pegar o cigarro do bolso para fumar e voltou para a cela. Se enturmou com o pessoal e voltou ao normal, percebi que a promessa era da boca pra fora”, lembra o agente.
Ali dentro, 50% dos presos que são soltos, voltam para o local. “Isso acontece muito porque cometem crimes novos ou fazem quebra do regime. Alguns se regeneram e voltam a ter vida social, já os faccionados vêm o crime como profissão e retornam rápido”, conclui o autor.