Nos intervalos do trabalho, pedreiro deixa obra para tocar trombone na rua
Raphael está no terceiro semestre do curso de Música e tenta conciliar o trabalho com os estudos
É sob o sol de meio-dia, sentado em um banco improvisado, de lata de tinta, que o pedreiro Raphael Clementino Martins se dedica a tocar trombone de vara. Ele é estudante de Música e, durante o intervalo do almoço, das 11h às 13h, deixa a obra de lado para treinar o instrumento, ao ar livre. Do erudito ao popular, o futuro músico carrega 100 folhas com partituras para praticar. O case (estojo para guardar trombone) vira a estante, para ler as notas na calçada da Avenida Mato Grosso.
Ele está no terceiro semestre da graduação e tenta conciliar o trabalho com os estudos. Atualmente, realiza em uma reforma no condomínio Johan Strauss, no bairro Jardim dos Estados, e quando chega o intervalo, senta na calçada ao lado do prédio para os exercícios. “Toco aqui fora porque não quero incomodar os moradores”, explica.
São duas horas de dedicação para aperfeiçoar as técnicas e dar conta de atender as expectativas do curso. “Tem seis meses que toco aqui. É o único tempo que tenho para estudar, pois entro às 8h e paro às 11h, almoço rápido e venho pra cá. Às 13h, volto para o serviço, fico até às 16h e depois corro para a universidade porque preciso me apresentar todos os dias. Retorno para casa por volta das 22h 50”, disse.
O pedreiro fala da disciplina “Instrumento musicalizador” do curso, que exige o treino diário dos repertórios. “Tem que exercitar todos os dias para ter uma embocadura boa. É difícil e tem que se esforçar para sair um som de qualidade”, diz.
O trombone que toca é com vara e tem sete posições que precisam ser seguidas para não sair do compasso. “Tem que fazer a posição certa e saber jogar o ar com a boca, para ter o som afinado. Precisa ter fôlego e existem alturas; média, grave, agudas para fazer”, conta. “É necessário um preparo físico, por isso almoço antes”, completa.
O instrumento é emprestado pela universidade e Raphael leva os estudos a sério. De um lado para o outro, carrega o trombone na garupa da sua moto e roda a cidade. “É da faculdade e só posso ficar com ele, enquanto estou cursando. Por conta disso, me acompanha a todo momento. Contudo, em julho vamos entrar de férias e terei que devolvê-lo. Quero comprar um baratinho e simples, mas não tenho condições ainda”, afirma.
Raphael diz que o trombone é usado para tocar em orquestras, casamentos e outros eventos. Por conta da graduação, precisou se apresentar em uma escola de Campo Grande para ter nota. “Foi a nossa primeira prova, toquei para os alunos. Agora a segunda etapa será na universidade mesmo. Tem que estudar, são muitas técnicas e tive que me virar para dar conta da matéria”, destaca.
Instrumento - A música surgiu na vida do pedreiro durante a infância. Na época, participou de um projeto da igreja onde teve seu primeiro contato com o instrumento. “Tocava o trombone de pisto aprendi muita coisa e agora estou aprimorando”, afirma. Em 2017, ele fez o Enem e com o incentivo da esposa, resolveu se inscrever no curso de Música. “Fiz a prova, passei e me matriculei. Nesse curso, o aluno tem que entrar com um instrumento, então escolhi o trombone”.
Por ser licenciatura, ele conta que a profissão será voltada para a disciplina de artes nas escolas. “Tem quatro pilares; música, teatro, dança e artes visuais. Na igreja, já ensino a tocar violino, flauta, clarinete, saxofone”, relata.
Dificuldade - Quem avista Raphael manuseando o trombone com facilidade, nem imagina como é difícil tocar o instrumento. “Tem que cuidar a sonoridade. O trabalho aqui também é pesado, não uso para relaxar”, afirma.
Ele fala que a música traz vários sentimentos. “Quando a pessoa está triste coloca uma canção para melhorar. Vai além do dinheiro, existe a razão de tocar e poder emocionar alguém. Representa alegria”, diz. “É uma das primeiras manifestações da humanidade, independente da etnia, raça e sempre está em inovação desde Aristóteles, Mozart, Beethoven, período da Renascença, Romantismo até hoje”, complementa.
Segundo Raphael, o pessoal gosta de ouvir a música popular. “É pelo fato de ser mais dançante. Já erudita, o público tem que conhecer o repertório e o compositor para conseguir extrair alguma coisa dela. Carrego 100 partituras para treinar, e tem vez que toco jazz, blues”.
Apesar da dedicação ao instrumento, o estudante ainda não conseguiu criar composições. “Toco as canções de outros compositores, tem a sonata de Mozart. No começo foi complicado, mas peguei rápido a leitura das partituras e tem que ter noção de altura e afinação”, explica.
Uma das canções que estão no repertório de Raphael é Cantiga Brasileira, composição de Gilberto Gagliardi e o Lado B gravou um vídeo estudante tocando. Confira a filmagem a seguir.
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