Ô de casa! Tempos mudaram e palmas no portão viraram pesadelo e correria
Visita deixou de ser bem-vinda? Neurocientista explica que o isolamento social é característico da nova geração
Gente “interfonando” ou palmas no portão viraram pesadelo. A galera parece não estar mais afim de visitas já que a casa virou refúgio do mundo lá fora. Na internet, a quantidade de memes sobre o incômodo de precisar trocar de roupa nada mais é que uma expressão da realidade. Mas até que ponto essa necessidade de fugir do social é sadio?
A visita foi deixando de ser bem-vinda ainda na década de 1970, mas só agora o pessoal tem tido coragem de falar que prefere ficar só. A mudança chegou junto à evolução da mulher no mercado de trabalho.
Antigamente, o marido era o "provedor do lar" e a mulher ficava em casa cuidando dos filhos e das tarefas de casa. A chegada de uma visita era um válvula de escape para não “surtar”, ou seja, uma pessoa diferente para conversar. A passos lentos, o mundo aposta em valores feminino e a mulher deixa de ser apenas a “dona de casa”.
Para o neurocientista Ricardo Tiosso, que é mestre em psicologia experimental, não dá para afirmar que as pessoas não gostam mais de receber visita, porém garante que a escolha de se isolar está ligada ao avanço da globalização.
“Cravar uma explicação demandaria pesquisas e estatísticas, mas de acordo com a perspectiva psicológica, essa busca por “isolamento” está totalmente ligada ao avanço da globalização.
De uns tempos para cá, principalmente, com a questão dos direitos femininos, com o empoderamento das minorias, o “indivíduo sagrado”, mudou de lado, deixou de ser apenas a figura do homem”, pontua.
No Centro de Campo Grande, o Lado B achou todos os exemplos. A empresária Luciana Nogueira, por exemplo, foge de visitas. Amigas quando querem matar a saudade marcam em outro local. “Eu que lido com a rua todos os dias, chego em casa quero descansar. Minha irmã e família também pensam igual”, frisa.
Indagada sobre a preferência por visitas, a acadêmica de Engenharia Agronômica Camila Barbosa respondeu um “com certeza”, afirmando que não gosta. “Às vezes a gente não escapa e a pior é aquela que não vai embora”, pontua.
Ricardo pontua que parte da mudança comportamental está ligada à luta feminista por direitos iguais.
“A partir do momento da individualização do sujeito, que é isso que o feminismo luta, por exemplo, para que as mulheres sejam tratadas iguais, como um indivíduo, e não como aquela pessoa enclausurada dentro de casa, a gente começa a ver uma mudança de cultura, aquela que “cultua o indivíduo”. Percebo que isso interfere socialmente, porque o indivíduo hoje é o “sagrado”, o “imaculado”. Antigamente, se tentarmos enxergar da perspectiva do homem, era ele quem não gostava de receber visitas, porque ele era o “indivíduo”, com a tomada de que todos são iguais, as pessoas começam a entrar na onda do capitalismo moderno, de que o “indivíduo” é o ideal, e o que é a casa, senão a expressão material da individualidade?”, frisa.
E a recusa do recebimento de visitas vai mais fundo. As pessoas se sentem violadas quando alguém chega de surpresa e assemelham a ação ao assédio do homem na balada, por exemplo, que se aproxima sem ser chamado e começa a ser invasivo.
Mas há quem goste. A vendedora Joice Barros, de 33 anos, arrisca a dizer que visita surpresa deixa o almoço até mais gostoso.
“Eu gosto de receber qualquer tipo de visita. As marcadas, as surpresas. Você aumenta a refeição e tudo fica mais gostoso”, garante.
A diarista Maria das Graças, de 61 anos, afirma ser da “antigas” e preferir visitas em casa. “Ah, eu amo visita em casa. Casa cheia. O problema é que o povo não vai mais em casa”, afirma.
A jovem Ágata Cariely, de 20 anos, tem um bar em casa, então fica difícil de impedir a chegada de pessoas. "Meio que a gente é obrigada a receber e chega gente de todo tipo, as de surpresa e as que nunca vão embora. Mas no fim a gente acaba gostando", frisa.
Mas até que ponto pôr fim às visitas é sadio? O tal “respeito” a individualidade pode isolar demais.
“Tudo isso está ligado a um momento social e histórico que a gente vive. Nunca teve na história da humanidade um culto tão grande à individualidade. Por um lado isso é bom, já que as pessoas que eram tratadas como objeto são reconhecidas como um sujeito. Por outro lado, esse respeito à individualidade isola demais. Em cidades grandes como São Paulo, gera o famoso: todo mundo está tão perto, mas tão longe. São Paulo é o centro da individualidade e as pessoas respeitam muito isso. A gente tem de ir com muito cuidado, é preciso ter um cuidado crítico. Até que ponto o individual é possível dentro do social? A sociedade prega o individual mas se a gente faz essa inversão de valores e acha que o individual surge antes que o social, estamos criando o que? Ilhas?”, questiona Tiosso.