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Comportamento

Para quem não conseguia pegar um copo, tatuar fisioterapeuta é superação

Paula Maciulevicius Brasil | 06/11/2019 08:15
Cris e sua fisioterapeuta, Catiuscia, agora também cliente de tatuagem. (Foto: Paulo Francis)
Cris e sua fisioterapeuta, Catiuscia, agora também cliente de tatuagem. (Foto: Paulo Francis)

De fisioterapeuta para cliente de tatuagem. Os papeis de Catiuscia e Cris se inverteram na tarde dessa terça-feira. Na maca, em vez da paciente que fazia com todo o cuidado a rotina de exercícios, estava a Cris tatuadora aplicando o que sabe na pele da fisio. A nova profissão chegou agora, poucos meses depois da recuperação da cirurgia na cervical.

Cristina teve uma hérnia de disco entre a c6 e a c7 e, por conta dela, a medula foi comprimida. As consequências vieram ao longo de 10 meses, primeiro o formigamento, a dor e por fim, a perda de movimentos. 

"Começou leve e foi aumentando a intensidade dos formigamentos. No início eu achava que era posição, o braço apoiado na mesa para desenhar, depois pensei que era coração. Jamais imaginei que fosse a coluna", conta a designer Cristina Gasparetto, de 35 anos.

Tatuar é viver a superação no dia a dia, fazer um trabalho na pele de quem sempre a apoiou é mais que isso. (Foto: Paulo Francis)
Tatuar é viver a superação no dia a dia, fazer um trabalho na pele de quem sempre a apoiou é mais que isso. (Foto: Paulo Francis)

Ao cogitar que a culpa estaria no sedentarismo, Cris passou a se exercitar. A dor veio como companhia, mas numa medida além da já esperada para quem começa academia. Por ter escoliose, ela resolveu procurar um ortopedista que em uma ressonância descobriu a origem de todo o problema.

A fisioterapia entrou como aliada principal no antes, durante e pós-cirúrgico. A terapia e o médico psiquiatra, também. Era preciso apoio e um "norte" em meio a tantos comentários negativos, de que a operação pioraria o quadro em vez de melhorar.

Cristina não conseguia, por exemplo, pegar um copo. "Perdi um pouco do que chamam de movimento motor fino e grosso. Quando eu tentava pegar o copo, meu cérebro raciocinava, mas minha mão não fazia o movimento", descreve.

A cirurgia deu certo. Em três dias ela já estava em casa, mas a recuperação não condizia com o bem estar sentido pela paciente. Era preciso lembrar que apesar de se sentir muito disposta a fazer tudo, Cristina precisava seguir à risca a recomendação dos profissionais.

Por ter que ficar parada, a designer ouviu do marido a sugestão de pensar em seguir carreira na tatuagem. A ideia foi muito bem aceita, no entanto, era preciso que a fisioterapeuta e o médico também aprovassem. "Fui conversar com eles porque tatuar exige muito da cervical por conta da postura. Você passa muitas horas na mesma posição, de cabeça baixa e me orientaram que eu poderia começar se fizesse fisioterapia e pilates para fortalecer a cervical e os braços", relata.

Mais que ter o aval da equipe, a paciente ouviu da fisio que gostaria de ser tatuada por ela. "Como eu conheço o trabalho dela, os desenhos que ela sempre me mostrou, falei para trabalharmos força e, quando a Cris começou a ter mais destreza para traços finos, eu falei que era a hora da gente tatuar", conta a fisioterapeuta Catiuscia Aparecida Silva, de 32 anos.

Cris ao lado dos donos do estúdio, Gabriel e Amanda, que lhe deram a oportunidade. (Foto: Paulo Francis)
Cris ao lado dos donos do estúdio, Gabriel e Amanda, que lhe deram a oportunidade. (Foto: Paulo Francis)

Ao lado do tratamento, a cara de pau da designer entrou em ação. E é usando essas palavras mesmo que ela descreve a ousadia de fazer como tudo mundo que quer começar a tatuar, bater à porta dos estúdios. "Eu falei que queria aprender e perguntei: 'como a gente faz?' Em um mês eles me ensinaram todo o processo, a vivência de estúdio, como usar a máquina, a agulha, toda questão da biossegurança, a forma correta de descarte", enumera. Isso, além claro, do trieno em pele artificial até chegar na primeira "cobaia", a sogra.

Por sempre ter mexido com cores em telas e desenhos, não era diante da tatuagem que Cris iria fugir para o preto. Se arriscou a fazer, na primeira vez, uma peninha colorida. E ouviu elogios e, decidiu seguir pelo caminho das cores em aquarelas e degradês. Somando aprendizado e prática, são quatro meses e a alegria já veio no convite do estúdio Capittain 7, onde ela está seguindo aprendendo, para participar de um flash tattoo, evento no qual os tatuadores selecionam um desenho com tamanho específico para tatuar com um valor promocional durante um período.

"Normalmente eles colocam tatuadores para usar o trabalho como portfólio e como eu recém comecei, achei que não seria convidada. Afinal é a cara do estúdio que está indo ali e eu tenho tão pouco tempo, mas para mim é a evolução do meu trabalho e eu fiquei muito feliz", agradece.

Tatuar é viver a superação no dia a dia, fazer um trabalho na pele de quem sempre a apoiou é mais que isso. A fisioterapeuta saiu do estúdio com uma homenagem ao filho e a tatuadora, com o sentimento de dever cumprido.

"Além do exemplo de superação para mim mesma, quero poder mostrar que a vida continua depois de fazer uma cirurgia de coluna. Porque você imagina que tudo que fazia antes vai acabar... A melhor forma de eu fazer a diferença na vida das pessoas é através da minha arte, que é eterna", poetiza.

Cris segue divulgando um pouco do seu dia a dia no perfil @cris.ink7/ no Instagram. Sem nenhuma limitação, apesar do discurso médico soar como advertência, porque ela escolheu uma das piores profissões para quem tem problema na coluna cervical, se a tatuadora paciente for regrada, vai poder tatuar até os 80 anos. "E eu realmente me encontrei, estou amando o que estou fazendo".

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