Poesia deixada por menino em árvore transforma tronco em “chat”
Uma das moradoras do bairro respondeu a plaquinha e torce para que Pedro apareça, espalhando mais poesia no ar
Em uma praça especial no Nova Bahia, troncos de árvores recebem plaquinhas com poesias há anos feitas pelo grupo de moradores responsável por transformar a área verde em espaço de convívio. Neste mês, uma surpresa aconteceu: uma nova plaquinha de papel, feita por um menino desconhecido chamado Pedro, apareceu em um dos troncos. Feliz com a intervenção e simplicidade do ato, uma das responsáveis pelo movimento da praça resolveu transformar a árvore em chat e responder o menino, torcendo para que ele apareça e o encontro leve ainda mais poesia para o ar.
Ao lado de um desenho feito com lápis de cor, letras de forma cunharam a frase: “Sempre tem um pôr do sol esperando para ser visto” na plaquinha assinada por Pedro. Alocada com fita em uma das árvores da Praça da Poesia, assim chamada pelos moradores, a plaquinha diferente das feitas por conhecidos despertou o coração crianceiro de Mirian Lange Noal, a Miroca.
Emocionada com, nas palavras dela, o carinho e a delicadeza da impermanência gerada pelo papel, Miroca recebeu a sugestão de responder a plaquinha de Pedro. Gostando da ideia, a professora criou sua própria plaquinha em papel com o desejo de chegar até o menino.
Com canetinhas coloridas, a folha em branco recebeu as flores e palavras do coração feitas pelas mãos de Mirian. “Oi Pedro. Adorei o teu desenho. A frase é linda. Meu coração ficou feliz.”
Já tendo deixado sua poesia por ali, ela também descobriu que as palavras escritas por Pedro são sabedorias atribuídas a Caio Fernando Abreu: “Tente. Sei lá, tem sempre um pôr do sol esperando para ser visto, uma árvore, um pássaro, um rio, uma nuvem. Pelo menos sorria, procure sentir amor. Imagine. Invente. Sonhe. Voe”.
Me emocionou muito porque a gente estava em algo mais perene com as plaquinhas de madeira, passando verniz e, de repente, ele fez aquele cartaz na fragilidade, na impermanência. Ele colocou lá com ajuda de algum adulto e já choveu, deu temporal, mas segue lá. Quando vi, fiquei emocionada", conta Mirian.
Desde que o encontro de desenhos ocorreu, já se passaram cerca de três semanas e, conforme a professora explica, até agora Pedro não apareceu. “Não tenho ideia de quem seja, mas de qualquer modo, o desenho está lá. Então mesmo sem ele aparecer, já é algo lindo”, ela diz.
Praça da Poesia
Localizada entre as ruas Mirandela, Rebouças, Arlíndo Sampaio Jorge e Marquês de Herval, a praça encantada já foi matéria do Lado B há alguns anos. Na época, o espaço já levava “poesia” no nome por sediar encontros de escritores e receber varais para exposição de suas criações, mas ainda não contava com as plaquinhas de madeira.
Idealizada por vários moradores, a praça foi deixando de ser apenas um espaço verde há 30 anos e com o passar do tempo, virou ponto de encontro do grupo e apoiadores dos movimentos feitos por ali. Durante esse tempo, foram os moradores que plantaram as árvores.
Entre os responsáveis, estão Miroca e seu marido, o professor de Filosofia e Sociologia, José Manfroi, de 70 anos.
Conforme Mirian detalha, desde que as árvores começaram a ser plantadas por eles, muitas intervenções comunitárias ocorreram por ali. De festas juninas até aniversários e criações artísticas, a quadra abraça quem se aproxima.
Foi assim, também de forma espontânea e colaborativa, que as plaquinhas poéticas começaram a se difundir. “Um vizinho nosso é artista e, do nada, ele fez uma placa com a poesia do Fernando Pessoa e colocou na praça”, ela resume.
Desde então, novas madeiras cheias de poesias passaram a ser criadas pelos moradores durante encontros de domingos e distribuídas pelas árvores. Além de produzir as peças, os participantes levam lanches, apresentam performances, contam histórias com as crianças e tocam músicas.
Outra ação feita pelo grupo é a criação de brinquedos que compõem a praça, tornando cada espaço um convite para as crianças. José foi quem adotou a ideia de implementar os balanços e transformar até as árvores caídas em recreação.
Relembrando como começou a transformar pneus em brinquedos, o professor narra que, assim como todas as outras atividades feitas na praça, a parte lúdica também surgiu durante conversas.
Hoje, nós seguimos conversando com as pessoas e sempre perguntamos o que elas têm em casa que pode nos ajudar a fazer os brinquedos", explica José.
Com os materiais em mãos e sem data prevista, José segue para a praça e, conforme ele detalha, espera pelas primeiras pessoas que aparecem na rua. “As primeiras pessoas que aparecem eu convido para ajudar, não começo sozinho. Pesquisamos na internet e vamos vendo o que podemos fazer. Foi assim que nasceram desde os balanços até a ideia de transformar as árvores caídas em espaço de brincadeira”, conta.
Além do casal, outros moradores do bairro permanecem sendo frequentadores fiéis da praça. Produtora cultural e contadora de histórias, Conceição Leite, de 62 anos, é uma destas pessoas.
Conceição explica que devido à pandemia, os eventos feitos no espaço precisaram ser suspendidos, mas que com a retomada gradual da vida cotidiana, as ações também estão retornando. “Além dos eventos que fazemos, a praça é frequentada diariamente por famílias e crianças. Ter esse espaço é um privilégio.”
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