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Comportamento

Quilombo São João Batista: um lugar de sincretismo e resistência

Com 20 anos de existência, comunidade São João Batista une crenças católicas à cultura ancestral africana

Lucas Mamédio | 20/11/2020 08:09
Rosana, João, Dejanira e Vanessa (Foto: Paulo Francis)
Rosana, João, Dejanira e Vanessa (Foto: Paulo Francis)

O quilombo São João Batista, no Bairro Pioneiros, vive um momento especial. Com 20 anos recém-completados, no dia 15 de novembro, a instituição tem um trabalho consolidado de apoio à comunidade negra e também à região onde está inserida.

Sonho antigo de heróis “desconhecidos”, como seu José Reginaldo Anunciação e sua esposa, Maridalva Anunciação, patriarca e matriarca, São João Batista nasce de uma tradição cristã católica misturada à cultura africana, sendo a representação do sincretismo religioso e cultural tradicionais do Brasil.

Sentada debaixo de uma das várias mangueiras do quilombo, Rosana Anunciação, uma dos dez filhos do casal de patriarcas e presidente de honra da comunidade, fala sobre essa mistura que caracteriza o São João Batista.

Rosana é presidente de honra do quilombo (Foto: Paulo Francis)
Rosana é presidente de honra do quilombo (Foto: Paulo Francis)

“Nós ensinamos aqui as pessoas a respeitarem todas as religiões. Apesar de nossa tradição católica, nós oramos como os evangélicos, rezamos como os católicos e ainda ensinamos as crianças sobre as religiões de matrizes africanas”.

Não precisamos nem dizer que esse ano foi atípico na vida da comunidade por conta da pandemia. Porém, normalmente, o quilombo atende mais de 10 crianças da região. Eles possuem parceria com três escolas municipais e uma estadual se financiam a partir de um convênio da prefeitura, bem como recebem doações de empresas e também de pessoas físicas.

“Nós recebemos aqui as crianças no contra turno da escola. É um espaço de recreação, convivência, ensino religioso, onde buscamos por meio da ancestralidade, típico da tradição dos quilombos, educar as crianças”, diz Rosana. O quilombo atende crianças de 6 a 15 anos das 7h às 11h pela manhã e à tarde das 13h às 17h, isso de segunda à sexta.

Rosana e árvore de bocaíba (Foto: Paulo Francis)
Rosana e árvore de bocaíba (Foto: Paulo Francis)
Jovens durante atividade no quilombo (Foto: Arquivo Pessoal)
Jovens durante atividade no quilombo (Foto: Arquivo Pessoal)

Além do atendimento à comunidade, o quilombo para Rosana é um espaço importante de resistência. “Aqui nós valorizamos a cultura afro por meio das roupas, da música, da história nossa história, e isso é importante para o jovem negro entender o lugar dele no mundo, de resistir às injustiças do mundo”.

Rosana também faz uma crítica a como as escolas, tanto públicas quanto particulares lidam com o racismo. “Vemos com frequência crianças com comportamento racista aqui, mas tudo é questão de educação. As escolas não estão preparadas para corrigir casos de racismo, nem para preveni-los”.

A família Anunciação vem de uma tradição de resistência desde o começo do século passado, em 1925 quando vieram pra Campo Grande. Seu José, junto da esposa e outro casal, buscaram durante toda a década de 90 um espaço para criar o quilombo, conquistado legalmente em 15 de novembro do ano 200.

Seu João com Rosana e outros membros do quilombo (Foto: Arquivo Pessoal)
Seu João com Rosana e outros membros do quilombo (Foto: Arquivo Pessoal)

“Meu pai sempre foi um exemplo de resistência. Ele criou sozinho uma fábrica de artefatos de cimento, numa época onde os negros quase não empreendiam. E ele sofreu preconceito várias vezes com isso. Várias vezes ele ia fazer entrega e achavam que ele e meus irmão eram funcionários, pediam pra falar com o dono, sendo que ele era o proprietário”.

Se José faleceu esse em 13 de abril deste ano aos 83 anos. “Ele se foi, mas deixou muitos ensinamentos”.

Outro personagem do quilombo São João Batista é uma árvore, isso mesmo, uma árvore. Antes de quilombo ter suas instalações de material, com ambientes para secretaria e crianças, as festividades e reuniões eram feitas debaixo de um lindo pé de copaíba.

“Ele tem esse sombra gostosa e é bem grande, então antes tudo era feito debaixo dele, nós tocávamos atabaque, dançávamos, conversávamos, tudo aqui”, lembra Rosana ao lado da arvora.

Juventude negra – Vestidos com roupas típicas da cultura africana, três jovens negros contam como o quilombo ajudou a construir uma consciência que resiste aos desafios que o mundo os impõe.

Vanessa Nascimento de 19 anos, João Anunciação de 21 anos e Dejanira Anunciação de 23 anos, nasceram e cresceram dentro do quilombo praticamente.

Para eles, o jovem negro já nasce desacreditado. “Nós já nascemos atrás nessa corrida da vida. Temos muitos mais desafios a serem ultrapassados do que crianças e jovens brancos”, diz João.

João, Vanessa e Dejanira estão desde criança no quiolombo (Foto: Paulo Francis)
João, Vanessa e Dejanira estão desde criança no quiolombo (Foto: Paulo Francis)

Dejanira acredita que a convivência no quilombo fez eles entenderem isso mais cedo. “Desde criança seu quais seriam meus desafios e sempre fui muito forte porque a comunidade me tornou forte”.

Vanessa acredita que o debate, a conversa entre jovens negros também [e muito importante. “E não precisa ser algo super profundo, complexo, a conversa sobre nossa negritude pode ser sobre uma maquiagem nova que lançaram pra nossa pele, sobre o sorte de cabelo que queremos ter, tudo isso é valorização da cultura negra”, finaliza.

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