Quilombo São João Batista: um lugar de sincretismo e resistência
Com 20 anos de existência, comunidade São João Batista une crenças católicas à cultura ancestral africana
O quilombo São João Batista, no Bairro Pioneiros, vive um momento especial. Com 20 anos recém-completados, no dia 15 de novembro, a instituição tem um trabalho consolidado de apoio à comunidade negra e também à região onde está inserida.
Sonho antigo de heróis “desconhecidos”, como seu José Reginaldo Anunciação e sua esposa, Maridalva Anunciação, patriarca e matriarca, São João Batista nasce de uma tradição cristã católica misturada à cultura africana, sendo a representação do sincretismo religioso e cultural tradicionais do Brasil.
Sentada debaixo de uma das várias mangueiras do quilombo, Rosana Anunciação, uma dos dez filhos do casal de patriarcas e presidente de honra da comunidade, fala sobre essa mistura que caracteriza o São João Batista.
“Nós ensinamos aqui as pessoas a respeitarem todas as religiões. Apesar de nossa tradição católica, nós oramos como os evangélicos, rezamos como os católicos e ainda ensinamos as crianças sobre as religiões de matrizes africanas”.
Não precisamos nem dizer que esse ano foi atípico na vida da comunidade por conta da pandemia. Porém, normalmente, o quilombo atende mais de 10 crianças da região. Eles possuem parceria com três escolas municipais e uma estadual se financiam a partir de um convênio da prefeitura, bem como recebem doações de empresas e também de pessoas físicas.
“Nós recebemos aqui as crianças no contra turno da escola. É um espaço de recreação, convivência, ensino religioso, onde buscamos por meio da ancestralidade, típico da tradição dos quilombos, educar as crianças”, diz Rosana. O quilombo atende crianças de 6 a 15 anos das 7h às 11h pela manhã e à tarde das 13h às 17h, isso de segunda à sexta.
Além do atendimento à comunidade, o quilombo para Rosana é um espaço importante de resistência. “Aqui nós valorizamos a cultura afro por meio das roupas, da música, da história nossa história, e isso é importante para o jovem negro entender o lugar dele no mundo, de resistir às injustiças do mundo”.
Rosana também faz uma crítica a como as escolas, tanto públicas quanto particulares lidam com o racismo. “Vemos com frequência crianças com comportamento racista aqui, mas tudo é questão de educação. As escolas não estão preparadas para corrigir casos de racismo, nem para preveni-los”.
A família Anunciação vem de uma tradição de resistência desde o começo do século passado, em 1925 quando vieram pra Campo Grande. Seu José, junto da esposa e outro casal, buscaram durante toda a década de 90 um espaço para criar o quilombo, conquistado legalmente em 15 de novembro do ano 200.
“Meu pai sempre foi um exemplo de resistência. Ele criou sozinho uma fábrica de artefatos de cimento, numa época onde os negros quase não empreendiam. E ele sofreu preconceito várias vezes com isso. Várias vezes ele ia fazer entrega e achavam que ele e meus irmão eram funcionários, pediam pra falar com o dono, sendo que ele era o proprietário”.
Se José faleceu esse em 13 de abril deste ano aos 83 anos. “Ele se foi, mas deixou muitos ensinamentos”.
Outro personagem do quilombo São João Batista é uma árvore, isso mesmo, uma árvore. Antes de quilombo ter suas instalações de material, com ambientes para secretaria e crianças, as festividades e reuniões eram feitas debaixo de um lindo pé de copaíba.
“Ele tem esse sombra gostosa e é bem grande, então antes tudo era feito debaixo dele, nós tocávamos atabaque, dançávamos, conversávamos, tudo aqui”, lembra Rosana ao lado da arvora.
Juventude negra – Vestidos com roupas típicas da cultura africana, três jovens negros contam como o quilombo ajudou a construir uma consciência que resiste aos desafios que o mundo os impõe.
Vanessa Nascimento de 19 anos, João Anunciação de 21 anos e Dejanira Anunciação de 23 anos, nasceram e cresceram dentro do quilombo praticamente.
Para eles, o jovem negro já nasce desacreditado. “Nós já nascemos atrás nessa corrida da vida. Temos muitos mais desafios a serem ultrapassados do que crianças e jovens brancos”, diz João.
Dejanira acredita que a convivência no quilombo fez eles entenderem isso mais cedo. “Desde criança seu quais seriam meus desafios e sempre fui muito forte porque a comunidade me tornou forte”.
Vanessa acredita que o debate, a conversa entre jovens negros também [e muito importante. “E não precisa ser algo super profundo, complexo, a conversa sobre nossa negritude pode ser sobre uma maquiagem nova que lançaram pra nossa pele, sobre o sorte de cabelo que queremos ter, tudo isso é valorização da cultura negra”, finaliza.
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