Ramona casou aos 13 anos e só assim conquistou a família merecida
Abandonada pela mãe e oprimida pelo pai, a vida foi dura, até encontrar Valter
A infância de Ramona Alice Gonçalves Teodoreto, de 70 anos, acabou cedo. Aos 13 anos, ela atravessava a Igreja Nossa Senhora Perpétuo Socorro vestida de noiva para casar com Valter Teodoreto Braga, que na época tinha 27 anos. O casamento durou 52 anos e só chegou ao fim porque o companheiro faleceu. Apesar de a história soar estranha nos dias de hoje, para ela foi a forma de, finalmente, construir uma família de verdade.
Na sala de casa, Ramona mostra as fotos tiradas no cartório, na igreja e durante a festa de casamento. A união resultou em quatro filhos: Carlos Augusto, Arlete Gonçalves, Paulo Henrique e Joelson José. Além de mãe, Ramona também é avó de três meninas e um menino.
Natural de Rio Brilhante, a dona de casa foi criada dos 4 aos 12 anos no Rio de Janeiro pela professora do pai. Ela e os cinco irmãos foram separados na infância para serem criados por pessoas diferentes, pois nem a mãe ou o pai queriam ficar com a guarda.
Aos 12 anos, ela voltou à Capital com a expectativa de conhecer e morar com a mãe. A ideia não deu certo e Ramona terminou vivendo com o pai, com quem dividiria o mesmo teto por mais 1 ano até casar.
Ramona comenta que passou no colégio onde fez amizade com uma menina, que pouco tempo depois se transformaria em cunhada. “Eu fui morar com a minha mãe, mas não deu certo porque ela tinha um senhor e eu fugi dela. Daí comecei a estudar no General Malan, conhecia a irmã do meu marido e nós fazíamos trabalho de colégio juntos”, diz.
Ramona nem sequer conversava com Valter na época, mas... “Um dia fomos embora pra casa e meu pai falou: ‘quer namorar ou estudar?’ Eu apanhava muito dele e falei: ‘vou namorar’. Eu sabia que ia chegar em casa e apanhar e ele falou: 'Você fala pra irmã dele falar pra ele pedir sua mão em casamento'”, conta.
Para surpresa de Ramona, o futuro marido foi conversar com o pai na mesma semana. “Eu acho que ele gostava de mim e no sábado ele apareceu lá. Meu pai deu três meses pra gente casar. Eu fiquei surpresa. Aí casamos”, lembra.
Durante esses três meses, o que ficou marcado não foram os preparativos para a união e sim as surras que levou. “Eu apanhei umas quantas vezes. Meu pai ia trabalhar e eu me trancava em casa e ia dormir. Falavam pra ele que viam o Valter na rua de casa. Meu pai chegava em casa uma fera, falava pra ele que era mentira e apanhava”, fala.
Antes de a união ser oficializada, o pai de Ramona até mentiu que a filha tinha 15 anos. “Ele foi arrumar os documentos e o filho não aceitou por causa da idade, porque tinha que ter a autorização da mãe. Ele aumentou minha idade”, explica.
O vestido de noiva e o enxoval de casamento vieram como presente da professora que a criou durante oito anos. “Ela mandou uma carta ensinando sobre o casamento. Eu guardei durante muito tempo e depois joguei fora”, recorda.
Depois que o casamento foi oficializado, Ramona começou a conhecer Valter, já que antes disso podia sair com ele somente aos sábados e sempre acompanhada pelo irmão. O marido era bem diferente do pai. “Ele era uma pessoa muito boa”, afirma.
Mesmo casada, ela continuava lidando com a presença constante do pai que a impedia de cortar o cabelo e trabalhar. Frequentemente, ele ia à casa da filha e numa dessas visitas descobriu que Ramona estava tomando anticoncepcional.
“Minha cunhada falou: ‘Eu vou comprar os remédios para você não engravidar. Você é muito nova ainda’. Meu pai foi em casa, mexeu nas minhas coisas e achou. Só faltou me bater. Não me deixou tomar mais aí engravidei”, relata.
Depois de ter o primeiro, aos 14 anos, os demais vieram na sequência com exceção do caçula, que tem cinco anos de diferença do penúltimo. Em casa, Ramona cuidava das crianças e Valter trabalhava como taxista, uma felicidade que até então ela nunca havia experimentado A dinâmica seguiu assim durante anos até que Ramona deu um basta, mas não no esposo, e sim no pai.
“Um dia eu falei: ‘Não, chega. Ele não deixava eu cortar o cabelo, né?! De pirraça fui no salão e cortei bem no pé, mas ele chegou em casa e falou: ‘Pra quê você fez isso?’. Falei: 'Porque a partir de hoje eu sou emancipada de pai e mãe. Não quero saber de ninguém me mandando mais'”, conta.
Desse dia em diante, a vida de Ramona não se limitou ao papel de esposa e mãe. No bairro em que morava, ela começou a trabalhar lavando a roupa, depois foi parar até na cozinha de Pousada no Pantanal.
Os filhos já eram adultos quando Ramona se tornou cozinheira do lugar. “No Pantanal, eu era a que fazia o café da manhã e ajudava a moça a servir a janta, mas a sobremesa era minha. Foi outro mundo, era um sonho”, fala.
Ela também comandou o próprio restaurante na Rua 15 de Dezembro. No Vermelho Filé, a especialidade era a gastronomia portuguesa. Por ter ficado um tempo com a filha Arlete em Portugal, Ramona aprendeu receitas típicas.
Além do trabalho, a vida de Ramona foi marcada pelas viagens que fez. O marido gostava de ficar em casa, enquanto ela aproveitava para conhecer diferentes regiões. A mudança de atitude dele ocorreu ao receber o diagnóstico de câncer no cérebro.
Arlete Gonçalves, de 50 anos, é quem fala sobre o comportamento diferente que o pai assumiu. “Ele nunca viajava, fomos pra Cuiabá, começamos a ir pra fazenda. Foi uma coisa engraçada porque ele não gostava e todo fim de semana falava: ‘Vamos viajar’. Ele não comia sushi, tudo que não gostava começou a fazer. Depois que ficou doente ele mudou”, afirma.
Até colegas de escola os três foram. "Como eles não puderam estudar, um dia se matricularam na mesma escola e série que eu fazia. E eu até que gostei", diz.
Em 2021, Valter faleceu, aos 83 anos. Depois de passar 52 anos ao lado dele, Ramona não pretende casar novamente. Para ela, ter os filhos e netos é o suficiente.
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