“Ser diferente” virou inspiração para professor que escreveu livro
Convívio da família foi o pontapé para exercer pedagogia mais inclusiva, que acabou até virando tema de livro
Desde pequeno, Ronaldo Rodrigues Moises aprendeu lições para uma vida inteira. Em sua família, dois de seus tios eram pessoas com deficiência intelectual e, convivendo naturalmente com cada um deles, descobriu que o "ser diferente" era mais uma questão para as pessoas do que para si próprio – afinal, o respeito que dedicava aos familiares não era o mesmo vindo dos outros. Nessa caminhada, presenciou situações de preconceito em sua pior forma, além do que a falta de inclusividade pode trazer.
Ele tinha 9 para 10 anos, conta. "Uma vez estava brincando na rua próximo a um desses tios. Do nada, um adolescente acende e atira uma bomba caseira em nós dois. Eu só não me feri feio porque meu tio pegou na mão o explosivo e conseguiu jogar rapidamente para longe. O susto foi grande, e ainda me lembro da sensação mista de medo, raiva e frustração por não poder fazer nada naquele momento", recorda.
Sem esquecer dessa e outras histórias, hoje, aos 38 anos de idade, ele é o professor doutor em educação especial para PCDs (pessoas com deficiência) com pesquisas voltadas à propiciar um ensino mais inclusivo em Mato Grosso do Sul. Segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas), 10% da população mundial possuem algum tipo de deficiência, seja ela física, visual, auditiva, intelectual, psicossocial ou múltipla.
"Acredito que grande parte dos pesquisadores no tema, como eu, só o são em virtude de seu histórico pessoal. Fiquei mais sensível à causa devido ao convívio com os meus familiares, que posteriormente contribuiu para minha prática docente. É triste e até revoltante dizer, mas tais pessoas estão sim mais sujeitas às situações de vulnerabilidade e violência", esclarece.
Ele sabe bem disso, e o caso do explosivo foi um dos pontapés em sua vida. O mais recente aconteceu alguns anos atrás, quando a caçula de Ronaldo nasceu. A filha possui um diagnóstico inconclusivo de TEA (transtorno do espectro autista), e ele – não mais só como sobrinho de dois PCDs e professor de educação especial – alcançou a responsabilidade de ser pai de um também.
"Creio que a maior dificuldade da sociedade perante as pessoas com deficiência e outras minorias seja a de exercer alteridade, a empatia, a capacidade de valorizar e respeitar o outro em suas singularidades. Lamentavelmente, vivemos uma síndrome social do coitadismo, onde a PCD carrega o pré-nome da sua deficiência, reforçando o estigma de limitação e incapacidade", justifica.
Ronaldo se formou profissional da educação física em 2006, tendo desde o início da carreira de professor o privilégio de participar efetivamente da educação especial. "Lembro-me que no primeiro ano de concursado, em 2008, recebi um estudante com deficiência intelectual e fui advertido pela coordenação da sua indisciplina e mau comportamento. O contato que tive com ele me provou exatamente o oposto".
"Certa vez, me vendo explicar uma atividade para esse estudante um outro professor me indagou: 'o que você está fazendo? Com este aí não tem jeito, tem que ser assim…', tirando a bola de minhas mãos e a chutando para longe. 'Vai lá, corre e pega', disse ao garoto. E o menino foi. Fiquei chocado, arrasado e irritado com aquela atitude vinda de um dito 'educador'", conta.
"Nós, 'os ditos normais', mesmo que às vezes de maneira involuntária, taxamos e discriminamos o outro colocando-o em uma situação inferior à nossa, quando na verdade não existe melhor ou pior, mas complementares. A educação escolarizada é um dos recursos fundantes para uma sociedade inclusiva. Por meio dela é que se pode pensar na formação de gerações futuras que respeitem e valorizem as diferenças", argumenta.
Enquanto professor, Ronaldo entende que desde a década de 90 já houve muito avanço no que tange a educação especial, porém ainda há muito o que dialogar, refletir e, sobretudo, fazer. "Há de se pensar em propostas que superem barreiras arquitetônicas, formativas e, principalmente, atitudinais. Em termos legalistas somos um dos países com escopo mais desenvolvido e MS está entre um dos estados destaque, todavia, é preciso avançar para além do campo teórico", opina.
Livro – Pensando nisso, a mais recente realização da carreira de Ronaldo veio na forma de uma obra infantil, "A Família Colorê". Na trama, uma família com membros de cores variadas (um pai vermelho, a mãe lilás, um filho verde, o cachorro branco e todos vivendo em uma casa amarela) é surpreendida pelo nascimento de uma filha azul. Uma menina azul? Sim, uma menina azul. Narrado em forma de rima, a publicação mostra as dificuldades, confusões e alegrias que essa família percorre ao testemunhar – da gestação ao nascimento – a nova integrante.
"Poderia ser na minha, na sua, ou em qualquer família brasileira. O livro traz elementos do cotidiano da minha vida pessoal e na docência, entre diálogos que tive com pais de crianças com deficiência até as aulas que já dei na educação especial, tudo isso colocado de forma sincera, verdadeira e reflexiva. São elementos identitários que dialogam com diferentes histórias", detalha.
Em "A Família Colorê", Ronaldo trabalha também um pouco da descendência nordestina (seus avós paternos são baianos e alagoanos), com uma linguagem textual e visual que lembra a literatura de cordel. Os desenhos foram feitos pela sua mãe, que ilustrou a obra.
"A reflexão maior que tento provocar é que as diferenças ou semelhanças não são exclusividades e que o ser humano deve ser respeitado e valorizado como é. Isso faz com que nos tornemos pessoas melhores, pois para vivermos em união precisamos conviver com o outro. O livro surge como culminância de minhas pesquisas e agora, em um momento difícil com crises políticas, violências contra minorias e onde todo o mundo passa por uma pandemia sem igual, acredito que a leitura seja importantíssima para o deleite, entendimento, respeito e aprendizagem. Isto é, para um mundo melhor", finaliza.
O livro está disponível on-line para quem quiser conferir.
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