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Consumo

De privada a jogo de chá, comércio não tem concorrente e todo mundo é amigo

Paula Maciulevicius | 08/08/2013 06:20
Em pleno século XXI, tem gente que ainda usa enceradeira. Item de limpeza à altura da demanda das lojas de móveis usados. (Fotos: Cleber Gellio)
Em pleno século XXI, tem gente que ainda usa enceradeira. Item de limpeza à altura da demanda das lojas de móveis usados. (Fotos: Cleber Gellio)

Bater perna pela rua Marechal Rondon, ou Cândido Mariano, como preferir chamar, é achar de raridades ao mais prático nos móveis usados. Mas isso todo mundo sabe, o curioso é que entre as lojas, algumas com mais de 20 anos, ninguém é concorrente e tem dono que até divide o frete para entregar mercadoria ao cliente.

Jurandir Evaristo, de 47 anos, já passou boa parte da vida por ali. Entre ser marceneiro e lidar com os consertos, na última década ele virou dono do próprio negócio de móveis usados e hoje vende de tudo um pouco, exceto uma privada ‘encalhada’ há oito meses na loja.

“Comprei numa mudança e virou mascote, daqui uns dias eu nem vendo mais”, brinca. A peça de banheiro sai a R$ 60. Mas brincadeiras à parte, ele diz que ali ninguém disputa cliente a tapa e se alguém compra dele uma cama e do vizinho um fogão, tem acordo para a entrega.

A 'encalhada'. Privada comprada durante mudança vale R$ 60, mas não tem procura há 8 meses.
A 'encalhada'. Privada comprada durante mudança vale R$ 60, mas não tem procura há 8 meses.

“Pra não sair dois fretes para o mesmo lugar a gente conversa. É que aqui o primeiro móveis usados foi a Perpétuo Socorro e depois disso foi expandindo, mas todos são amigos”, garante.

O público que se encaixa na venda das quinquilharias que tomam as calçadas de boa parte dos comércios da região é pautado por estudantes que aproveitam para montar casa pagando até 40% do valor do que sairia na loja.

É nisso que se resume os comércios de móveis usados que está há mais de duas décadas concentrando entre as quadras da avenida Ernesto Geisel até a cabeça de boi, na região da Júlio de Castilhos.

O que espantou o Lado B foi ver, entre o que todo mundo garante ter saída, uma enceradeira. Convenhamos, quem encera um chão vivendo no século XXI? E não é que para todo produto existe demanda?

Na região, entre a Ernesto Geisel e a cabeça de boi, há sofisticação do aparador de madeira de embuia e cedro, vendido a R$ 3,9 mil.
Na região, entre a Ernesto Geisel e a cabeça de boi, há sofisticação do aparador de madeira de embuia e cedro, vendido a R$ 3,9 mil.

“Quem gosta de antiguidade vem tudo atrás e o pessoal leva para uso mesmo e na fazenda. É muito procurado”, aponta a dona da enceradeira e da loja toda, Dioneide Torres, de 28 anos. O item de limpeza sai a R$ 80.

Ela garante que o pessoal que chega ali procura de tudo. “De fogão antigo, até fogão à lenha”, completa. Na maioria dos clientes estão estudantes que compram e depois vendem os mesmos produtos. Ou seja a rotatividade ali acaba trazendo muita coisa de volta.

“Tem coisa que não fica 20 minutos, eu paro o carro e não dá tempo de descer, o cliente já para e compra”, relata.
E do outro lado da rua, a loja trabalha mesmo com antiguidades. De rádio antigo, relógios e aparador de madeira de embuia e cedro e puxador de bronze de R$ 4 mil, revela que ali também tem requinte para quem tem paixão e bom bolso.

A empresária Brenda Cerqueiro, de 20 anos conta que a família sempre trabalhou com antiguidades. Do brechó que tinham passaram aos móveis de segunda, terceira, quarta mão há um ano.

Um tour pela loja e parte dela dá a impressão de estarmos dentro das salas de casas de várias épocas. Uma das peças mais caras da rua é um tajer manuelino, o aparador de madeira, que custa R$ 3,9 mil. A produção dele se encerrou há 100 anos e os donos do comércio calculam que o móvel tenha em torno de 150 anos de existência.

A família começou com as pessoas oferecendo e depois passou a viajar em busca de novidades, principalmente pelo Estado de São Paulo. O público é diferenciado, geralmente de classe média alta, donos de buffets e boates que levam parte dos produtos para decoração. Na loja, um jogo de chá custa R$ 700, porcelana pura vinda da Tchecoslováquia.

De volta à realidade, a gente se depara com muita coisa que marcou a infância, pelo menos a minha. Uma cadeira de balanço da avó, uma geladeira Brastemp modelo bem antigo e até dos ventiladores de chão marrom e bege, da Arno. Produto que pode ser comprado a R$ 50.

“Nada que está em bom estado vai encalhar”, assegura o dono do ventilador, Márcio Souza Queiroz, de 43 anos.

No passeio pela nostalgia, vale apenas frisar que alguns dos comércios fecham na hora do almoço. Mesmo que não vá se comprar nada, a ida vale a viagem ao tempo.

Da marca Arno, ventilador de chão é encontrado a R$ 50.
Da marca Arno, ventilador de chão é encontrado a R$ 50.
Jogo de chá da Tchecoslováquia por R$ 700, todo em porcelana.
Jogo de chá da Tchecoslováquia por R$ 700, todo em porcelana.
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