Em oficina rudimentar, Pedro faz facas com materiais 100% recicláveis
Do cabo à bainha, produtos são feitos com materiais de descarte e forjados com marreta, lima e forno à lenha
Nas mãos do cuteleiro Pedro Pereira de Araújo, de 52 anos, serrotes descartáveis, molas de carro quebradas, enxadas, foices, serrotes traçadores, sabres de motosserra e até discos de arado são transformados em facas, feitas 100% de materiais recicláveis, incluindo o cabo e a bainha.
Pedro detalha que sua oficina, que carinhosamente chama de "ferro velho das facas", é completamente rudimentar, e o equipamento mais moderno que possui para fazer as facas é uma lixadeira de mão. O resto é feito com marreta, lima e um forno à lenha.
O cabo é confeccionado com madeira de demolição, e o material utilizado nas bainhas é, em sua grande maioria, proveniente de doações de pedaços de sofás velhos e couro bovino e de bode.
“Eu pego algo que não tem utilidade nenhuma, que ia para o lixo, e faço algo funcional. Como artesão, o mais importante nem é tanto o dinheiro, mas sim aquilo que você transforma. Você pega algo que não tinha valor nenhum e transforma”, expressa.
O cuteleiro relata que todo seu conhecimento foi adquirido de forma bruta, através da prática e do contato com os materiais. De maneira simples, ele dispensa nomes técnicos ao explicar como produz seus produtos e revela que já recebeu até pedidos para ensinar suas "manhas", mas confessa:
“Eu sou autodidata. Ao longo dos anos, fui pegando a prática. Sou igual àquelas cozinheiras antigas, que não usam receita, porque está no cérebro delas; se você pedir para colocar no caderno, elas não sabem. Esse é o meu caso. Eu sou o cuteleiro do tempo em que se abria buraco no chão, fazia o fogo e produzia a peça, e eu faço assim ainda, no fogo a lenha”, resume.
Pedro ainda adverte que nem todo ferro dá pra virar faca, e que sabe apenas pelo tinido do material se é possível forjar ou não. Com o material em mãos, ele detalha que esquenta o ferro no fogão à lenha, até avermelhar.
O processo de revenimento, que consiste em esquentar e depois resfriar uma peça, é o mais importante, porque é preciso evitar que a faca fique mole demais, ou dura demais. “Se ela ficar dura demais, quebra, mas se ela ficar mole, não tem corte. Eu preciso achar o ponto X entre o mole e o duro da peça, e isso é técnica”, conta.
Ele também explica que trabalha com cerca de 12 tipos de aços, e que cada um tem que ser trabalhado em uma temperatura específica. Sem equipamentos modernos que regulam a temperatura, ele revela que aprendeu a regular sozinho, e sabe exatamente como trabalhar cada peça.
Pedro conta que aprendeu a forjar as facas aos 12 anos de idade, com um vizinho que era ferreiro. Inicialmente, o cuteleiro trabalhava para o homem, ajudando a limpar as peças que ele produzia, e com o tempo foi aprendendo a criar as próprias peças também.
Ele relata que nem sequer sabia que a sua atual profissão tinha um nome, e o título de ‘cuteleiro’ veio apenas anos depois de fazer a primeira faca. “Naquela época, o ferreiro fazia de tudo, desde a ferradura do cavalo, até enxada”, explica.
Antes de se dedicar exclusivamente à profissão, Pedro conta que já trabalhou como pintor, padeiro e mecânico, mas que o que ele gosta mesmo é de fazer as facas.
“Hoje eu faço o que eu gosto, ganho menos, mas faço o que eu gosto. E é um negócio que não perece, porque se eu não vender hoje, daqui um ano eu vendo. Quando você faz a primeira faca, você se apaixona. Tudo que você vê, você quer fazer uma peça. É igual o pintor que pega tinta e um pincel, e quer pintar toda a superfície para expor o que sente”.
Pedro também destaca que possui um projeto chamado ‘resgate de memórias’, que consiste na ressignificação de objetos e materiais. Basicamente, ele aceita encomendas em que o cliente peça para recriar alguma peça.
O trabalho que mais lhe marcou foi o pedido de um senhor de 80 anos, que pediu para que ele transformasse o serrote traçado que era seu objeto de trabalho em facas para os filhos e os netos. “Com esse serrote ele fez todo o curral e casa para a família”, completa.
Ele também grava nomes nas facas, caso o cliente peça. Quem quiser conhecer o trabalho de Pedro, basta acessar o perfil do Instagram @domatocutelaria.
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