Em 15 dias, Gabi viveu o deserto e o céu mais estrelado do mundo
De mochilão pela América do Sul, jornalista de MS percorreu os lugares mais inóspitos com belezas exuberantes
Apaixonada por natureza e assuntos relacionados ao meio ambiente, a jornalista do Campo Grande News Gabriela Couto colocou mochila e coragem nas costas para percorrer 3 países em 15 dias durante as férias neste mês de maio. Do encanto de ver o céu mais estrelado do mundo aos perrengues que exigiram muita vontade de seguir em frente, os 15 dias foram de pura aventura e a certeza que a América do Sul tem tesouros que mundo inteiro deveria ver de perto. Os desafios e os momentos mais divertidos dessa viagem ela relata aqui no Voz da Experiência.
Esta aventura começou muito antes da meia-noite do dia 5 de maio. Foram alguns meses de estudo, economias e planejamento para finalmente colocar uma mochila nas costas e partir para a fronteira do Brasil com a Bolívia, via Corumbá.
O primeiro objetivo era chegar ao maior deserto de sal do Planeta: o Salar de Uyuni, ao sul da Bolívia. Para isso, peguei dois ônibus de Campo Grande a Corumbá (R$ 188) e depois de passar pela aduana um ônibus de Puerto Quijarro a Santa Cruz de La Sierra (70 bolivianos).
A principal dica para toda essa jornada é sempre escolher hostels que ficam próximos as Plazas de Armas de cada cidade, pois você estará perto de tudo, inclusive das agências de turismo, museus e restaurantes. Fiz tudo a pé.
Depois de descansar em terra boliviana, aproveite a facilidade de voos muito baratos promovidos pela Boliviana de Aviación em todo o território. De Santa Cruz de La Sierra a Sucre foram apenas R$ 172 e 45 minutos de viagem. Foi a caminha de uma das capitais da Bolívia que encontrei Woolley (sim, a mãe dele deu o nome de Yelloow ao contrário), meu novo amigo.
Diferente de mim, ele não tinha planejado absolutamente nada da viagem. Eu levei US$ 300 em espécie para poder fazer o câmbio mais fácil quando chegasse nas cidades. Woolley só estava com o cartão (também chamado de tarjeta em espanhol).
Acredito que foi um encontro do universo. Porque nós dois estávamos viajando sozinhos, nos sentamos um ao lado do outro no aeroporto e tínhamos reservado o mesmo hostel em Sucre. Como dois estranhos desbravadores entramos em um táxi e descobrimos como o trânsito boliviano é uma loucura.
Ao final do dia, eu já tinha subido a maior Catedral do país (sim, na Bolívia há passeios turísticos em cima das igrejas) e estava dançando salsa com os novos amigos do hostel até a 1h.
No dia seguinte percorri o Mercado Central, Mirador de La Recoleta e visitei a Casa de la Libertad. Esta última é sem dúvida uma parada obrigatória para quem ama história. Para se ter uma ideia, foi no edifício onde Simón Bolívar declarou a proclamação da República da Bolívia que o museu funciona.
Lá é possível fazer uma visita ao passado e conhecer personagens importantes para a construção do país. Como uma reparação histórica há novas imagens como protagonistas. Além dos povos indígenas, têm um espaço especial para a mestiça Juana Azurduy.
Os restos mortais da heroína estão guardados embaixo das bandeiras da Bolívia e da Argentina, como forma de homenagem aos feitos dela pela independência dos países. A visita guiada custa apenas 40 bolivianos.
Salar de Uyuni
Apaixonada por natureza que sou, um dos meus sonhos era conhecer o maior deserto de sal do mundo. O objetivo era ver ao menos um flamingo, uma lhama selvagem e um vulcão. Mas a Bolívia, meus amigos, ela é surpreendente.
Wooley e eu saímos de Sucre, à noite, de ônibus, para a pequena cidade de Uyuni. Chegamos de madrugada, debaixo de -1ºC e já fomos abordados por vendedores do passeio que corta o salar.
Mas como bons brasileiros que somos, resolvemos pesquisar e pechinchar. Há preços diferentes para o mesmo passeio. Também há possibilidade de fazer em menos dias e retornar para Uyuni. Mas a nossa meta era chegar até o Atacama, no Chile.
A decisão mais acertada que tomamos foi conferir a avaliação das empresas no Google. Por apenas 850 bolivianos, equivalente a R$ 630,29 (na cotação de hoje), para três dias e duas noites, com alimentação e hospedagem inclusos.
A bordo do nosso carro 4x4 também estavam duas médicas espanholas, um casal de bancários brasileiros e o guia. A primeira parada foi logo na saída de Uyuni, no Cemitério de Trens. Ali eu percebi que há turistas que realmente só vão para tirar fotos, se arriscam e são capazes de tudo por uma imagem.
Em seguida entramos no salar e a beleza impressiona. Para todos os lados que se olha é um branco de doer os olhos. O guia percorreu pontos como o monumento Dakar, das bandeiras, vilarejos de vendedores de sal e hotel de sal, onde até a parede é de sal. O prato principal no almoço foi bisteca de pescoço de lhama. Uma delícia.
Em seguida fomos para Ilha do Pescado, onde cactos gigantes tomam contam da paisagem branca. Para visitar o local é preciso pagar 30 bolivianos para percorrer trilhas com cactos de até dez metros de altura, com mais de 600 anos de idade. É bem cansativo, mas compensador.
O dia terminou com fotos de ‘perspectivas’ com dinossauros, garrafas de vinho e coreografias. Vivências suficientes para que o grupo já tivesse se tornado uma ‘família’ e dividir os perrengues da falta de conforto que as noites em lugares inóspitos proporcionam. No primeiro dia, se você quisesse banho de água ‘caliente’ tinha que pagar. Já no segundo, não tinha chuveiro.
Depois de dormir em cama de sal, começamos a sair do salar, vimos uma cadeia de vulcões que fazem a divisa entre Bolívia, Chile e Argentina. Também vi o vulcão Ollagüe em erupção. Ali senti ‘Pachamama’ (‘Mãe Terra’, como chamam os povos indígenas dos Andes centrais) viva.
A paisagem foi se transformando a medida que o 4x4 seguia. Encontramos raposas, lhamas, alpacas, vicunhas, vicachas e um ‘mar rosa’ de flamingos em todas as lagunas que se formavam entre os vulcões. Um espetáculo da natureza que integra a Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaroa. Encerramos o dia passando pelo Deserto de Dalí, geisers a 4.850 metros acima do nível do mar e um banho de águas termais. No dia seguinte chegaríamos ao Chile.
San Pedro do Brasil?
Definitivamente, San Pedro do Atacama foi o lugar onde eu mais vi brasileiros. Em todo lugar. Os próprios chilenos brincam que o povoado é do Brasil. Apesar de estar exausta com a expedição boliviana, estar no deserto mais árido e alto do mundo era minha parada obrigatória na galeria de sonhos.
Apesar de saber que a moeda chilena é muito alta em relação ao Real, eu queria viver a experiência do passeio astronômico. Depois de já nos ambientar, Wooley e eu fomos pechinchar o passeio para a dupla. Achamos uma agência com um vendedor brasileiro que improvisou um recado na porta: “Aqui São-paulino tem desconto”. Apesar de ser gremista, conseguimos um belo desconto em relação aos valores praticados na Rua Caracoles, a artéria principal de San Pedro.
Pagamos cada um 45.000 pesos chilenos (R$ 141,69) no Valle de La Luna e 42.000 pesos chilenos (R$ 124,23) no passeio astronômico. Todos tinham um lanche incluso, com queijos, vinhos, pisco, frutas e doces.
Além de ir em dois passeios pela mesma agência, para conseguir descontos, a gente pesquisou quais valeriam mais a pena o investimento. Há outras atrações turísticas como Vallecito, Lagoas Altiplânicas, Geysers del Tatio. Também é possível alugar uma bicicleta e pedalar ao redor do povoado por conta própria.
De longe, foi a escolha mais acertada que fizemos. O guia que nos levou até a Reserva Natural Los Flamencos deu um show de conhecimento de geografia, história, química e física. A reserva onde fica o Valle de La Luna tem dunas preservadas e um cenário ‘de outro planeta’. O passeio inteiro foi indescritível. Só vivendo para entender tamanha dimensão da beleza.
À noite, aproveitamos que a Lua ainda estava na fase Nova (dica importante) para ver todas as estrelas possíveis no passeio astronômico. Foi o céu mais iluminado da minha vida. O astrônomo deu uma aula sobre estrelas, constelações e conhecimento espacial. Parecia um planetário a céu aberto, onde ele podia alcançar qualquer estrela com a luz da sua caneta laser. A observação também é feita por telescópio e o visitante tem direito a duas fotos profissionais com o fundo estrelado da Via Láctea.
Fui para o Atacama com objetivo de fazer exclusivamente o passeio astronômico. Desde criança, meu pai ensinou a gente a ser apaixonada por estrelas. Não é à toa que ele fundou o Clube de Astronomia de Santa Maria (RS). Mas diferente do Planetário da UFSM, eu tive a oportunidade de ver estrelas, constelações, nebulosas e a lua de pertinho. Era um planetário a céu aberto, onde o guia conseguia mirar as estrelas com apenas uma caneta laser, alcançando qualquer ponto da Via Láctea. Foi incrível!
Não é à toa que um grande grupo de astrônomos de todo mundo está construindo o maior telescópio óptico de todos os tempos - o ELT (Extremely Large Telescope ) - no Atacama. Quando a construção for concluída, ele poderá fornecer respostas que transformarão nosso conhecimento do Universo.
A última parada foi no Lola, um bar/restaurante que todo brasileiro bate ponto quando vai ao Atacama. Além de canecas de chopp gelada, há um karaokê que todos os desafinados se arriscam. Claro que cantei ‘Evidências’ para uma plateia super animada.
No dia seguinte eu precisava seguir viagem rumo ao último destino, Peru. Para sair de San Pedro do Atacama é preciso ir para Calama, de van. O percurso é de 15.000 pesos chilenos (R$ 84,88), deixando na porta do aeroporto. De lá, fui para Santiago, para fazer escala até Cusco. Mas antes, tive que me despedir de Wooley. Foi a parte mais triste da viagem.
Machu Picchu
Cusco foi a cidade mais linda de todas que visitei. Apesar de passar por uma longa fila de espera na aduana (sim, todos os turistas são rigorosamente entrevistados quando pisam no Perú), ver um centro histórico riquíssimo em detalhes foi compensador.
A cidade é ponto de parada de turistas do mundo inteiro que sonham em conhecer Machu Picchu. Parte deles também vem para percorrer trilhas, subir montanhas e conhecer mais sobre a civilização inca.
Sabendo que não tinha mais condições físicas para subir as montanhas colorida e Humantay, decidi apostar todas as fichas no passeio Inca Jungle Adventure que vi influenciadoras digitais de viagem divulgando. Nos vídeos elas estavam plenas e diziam que as trilhas eram planas e tranquilas (guardem essa informação e vocês vão entender mais a frente).
Como há várias formas de chegar até Machu Picchu, decidi fazer esse pacote de 4 dias e 3 noites, por US$ 215 (R$ 1.105,23). No passeio estavam inclusos hospedagem, alimentação e algumas atividades radicais.
O primeiro dia começou com uma descida de bicicleta pelos Andes peruanos. No começo parecia um sonho. Um caminho entre as nuvens, do topo da montanha. Meu grupo formado por 11 jovens canadenses, espanhóis e alemães disparou ladeira abaixo. Depois de horas, fazendo a transição para a amazônia peruana, concluímos o percurso e fomos para o rafting. Tudo era feito de uma forma muito simples e até improvisada, mas ainda estava divertido.
Foi então que tivemos que concluir o dia subindo 1h30 a montanha acima. No meio do mais completo nada, da cordilheira dos Andes, já escuro. Eu tinha certeza que ia morrer. As pernas já não respondiam e eu comecei a querer desistir. Sabe quando o sonho vira um pesadelo? Então. Estava acontecendo. Mas consegui e os ‘gringos’ passaram a me ver como o ‘problema’ do grupo.
O amanhecer no meio da montanha é espetacular. Começamos o dia tendo uma aula de produção de café orgânico peruano. As árvores de café espalhadas pelo Andes geram recursos para os quéchuas que lá vivem. Aprendemos sobre a fermentação, como é descascado, torrado e moído o grão até virar pó. A bebida tem um sabor único.
Depois ‘o bicho pegou’. Iniciamos os 21 km de trilha inca que fazia parte do roteiro. Eu nunca subi tanta montanha em toda a minha vida. Foram horas caminhando, subindo e descendo montanha. Não há proteção alguma e as trilhas são extremamente estreitas. Encerramos o percurso com um banho de águas termais de Cocalmayo, em Santa Tereza.
Do lado de fora do balneário, os grupos de turistas já integrados festejam a conclusão do dia com muita música. Diferente do meu grupo. Eles preferiram um jogo com garrafas que acabei ganhando no final, sem entender muito o que estava fazendo.
O terceiro dia começou com tirolesa às 5h. Em seguida partimos para a famosa trilha da hidrelétrica. Ao todo são 9 km andando por paisagens belíssimas até chegar a Águas Calientes, onde fica o Pueblo Machu Picchu.
Chegamos antes do meio-dia, porque parte do grupo não tinha ingressos para entrar na cidade no dia seguinte. Para isso, era preciso enfrentar fila, com senha por ordem de chegada. O mais importante era que toda a parte difícil e exaustiva tinha acabado. Todos precisavam descansar para ter a recompensa.
O ticket para entrar na cidade perdida é de 152 soles peruanos (R$ 112,71). Tem a possibilidade subir uma trilha de 2h até chegar ao topo da montanha, mas como já estava morta decidi pagar US$ 24 (R$ 122,96) pelo transporte de ônibus de ida e volta até o ponto turístico.
O guia que fez o percurso de 2h contando a história dos incas também foi muito preciso ao relatar como a civilização foi exterminada. Os espanhóis castelhanos financiados pela Inglaterra estavam à procura do caminho das Índias, quando chegaram à América Latina. Para pagar essa dívida com a coroa britânica, eles ‘conquistaram’ a todo e qualquer preço os territórios que eram dos incas, roubando todas suas riquezas.
Todo o conhecimento de astronomia, arquitetura, engenheira, que a civilização possuía foi apagado. Ainda falta saber muito sobre o passado do continente. E em meio a lendas de que haveria a última cidade Inca, que americano Hiram Bingham encontrou Machu Picchu.
O desbravador era patrocinado por universidades como Yale e Harvard para encontrar Vilcabamba, a última cidade inca. A lenda era que todo o ouro que a civilização tinha estava escondido neste lugar. Mas durante as buscas, Hiram encontrou o que é hoje considerado uma das sete maravilhas do mundo.
Depois de uma aula de história, sair de Macchu Picchu te faz refletir muito sobre como poderia ser, se tivesse sido diferente. Como latinos americanos devemos pensar mais sobre a colonização do nosso continente e o reflexo disso que pagamos até hoje.
Ao descer em Águas Calientes, peguei o trem até Ollantaytambo, que custou US$ 76 (R$ 386,36). Tem pessoas que escolhem voltar pela mesma trilha da hidrelétrica e pegar uma van até Cusco. De Ollantaytambo até Cusco já havia uma van me esperando, inclusa no pacote. Para quem não tiver adquirido o trecho, vi vendedores cobrando 10 soles peruanos (R$ 13,74). O retorno é marcado por todos dormindo, muito cansados.
Para voltar para casa, peguei um avião de Cusco para La Paz, já na Bolívia. Não tinha mais saúde, nem pés para conhecer a outra capital do país vizinho. Decidi pegar o primeiro avião de La Paz para Santa Cruz de La Sierra e de lá pegar o ônibus até Puerto Quirrajo, na fronteira com Corumbá.
Ao todo foram 15 dias intensos de aventura, três países, muita cultura e cerca de R$ 10 mil gastos. Acredito que há a opção mais confortável para fazer e com mais tempo, mas tudo depende da disposição e do bolso de cada mochileiro. Espero que tenham curtido a viagem.
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